quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A greve dos atores

Um misto de desinformação, jogo de interesses, disputa entre atores de alto escalão e um grupo menos popular, crise financeira, disputa sobre os pagamentos de conteúdo vendido online.

O Screen Actors Guild (SAG), sindicato dos atores mais forte dos EUA, está prestes a rachar. Há uma divisão em torno da decisão, ou não, de entrar em greve. Em ambos os lados, atores pesos pesados defendem a paralisação ou um mínimo acordo.

O The New York Times publicou nesta quarta-feira (17/12) um artigo razoável sobre o assunto que, de tantas idas e vindas, tende a criar uma neblina que impede uma visão panorâmica sobre o que de fato está acontecendo.

O texto, em inglês, está neste link.

Em tempo: um exemplo da divisão do SAG é a postura de Tom Hanks, considerado um “bom moço” nos bastidores, que se posicionou contra a greve.

Will Smith

Em 2008, Will Smith virou sinônimo de sucesso de bilheteria. Logo em janeiro, chegou por aqui com “Eu Sou a Lenda”, sexta maior bilheteria com R$ 18 milhões (2,2 milhões de espectadores). Em junho, com “Hancock”, que se tornou a quinta maior bilheteria com R$ 21 milhões (2,7 milhões de espectadores).

No feriado natalino, estréia mais um filme com o ator como protagonista. “Sete Vidas” é um dramalhão de um homem que carrega uma culpa do passado e procura expiá-la salvando vidas de desconhecidos.

É a segunda vez que Smith e o diretor italiano Gabriele Muccino trabalham juntos. Em “À Procura da Felicidade”, a mão do diretor foi muito pesada, levando a história da perseverança de um homem para a crença cega da América como a terra das oportunidades para todos.

Em “Sete Vidas” ele se recupera do escorregão. Ben Thomas, agente da Receita Federal interpretado por Smith, faz o bem não porque é um ser puro e tem essa qualidade inata, mas como maneira de trabalhar o próprio trauma de um passado dolorido.

A trama do filme se desenvolve em torno dele e dá ao ator carta branca para prender as emoções do espectador. E consegue transformar um filme regular em interessante.

Em tempo: veja o trailer do filme:

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

“Terra Vermelha” por Luiz Bolognesi

O blog Autores de Cinema, espaço dos roteiristas, publicou uma pequena entrevista com Luiz Bolognesi, roteirista do longa “Terra Vermelha”, que depois de passar por festivais em Veneza, Rio, São Paulo e Amazonas, estréia no circuito comercial.

O filme, dirigido por Marco Becchis, adota o ponto de vista dos índios kaiowá. “Estive em várias reservas kaiowá, convivi com os índios, entrevistei lideranças e pajés, li teses antropológicas e depois desse convívio visceral decidimos fazer um filme do ponto de vista kaiowá, em vez de tentar esquadrinhar a realidade com um painel sociológico”.

Bolognesi, que já tinha escrito “Chega de Saudade” e “Bicho de Sete Cabeças”, ambos dirigido pela esposa Laís Bodansky, ainda fala do processo de criação, da improvisação dos índios, o ponto de vista do narrador e a recepção no Festival de Veneza.

A entrevista completa está neste link.

A crítica do filme está neste link.

Em tempo: O trailer do filme está na janela abaixo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Pasolini II

Depois de assistir a segunda parte de "Teorema" -- aquela em que toda a família realmente sai dos trilhos -- pergunto:

o sexo é o aspecto mais transgressor que um burguês pode alcançar?

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Teorema, 40 anos

Em setembro, fez quarenta anos que “Teorema” foi lançado na Itália. Ontem à noite eu revi a primeira parte do filme, no qual o Visitante (Terence Stamp) transa com todos os integrantes de uma família burguesa e os deixa em frangalhos.

Cresci ouvindo meu pai, o senhor “Casablanca”, falar sobre esse filme. Vi quando era criança. Só havia entendido mesmo a mensagem mais direta do filme: o bonitão que leva uma família inteira pra cama – até o patriarca.

Ao rever, entre em contato direto com outra camada do filme, quiçá a mais relevante: a burguesia e o cristianismo. Pasolini faz um tratado irônico e crítico à burguesia, utilizando o sexo do Visitante para tal.

Em uma versão muitos mais elaborada, é o mesmo que o Cazuza (“sou burguês, mas eu sou artista”) ao berrar “a burguesia fede/a burguesia quer ficar rica”.

Vou continuar assistindo a segunda parte de “Teorema”. É muito interessante voltar a tomar contato com Pasolini, agora com olhos menos inocentes.

Em tempo: abaixo, a seqüência inicial do filme.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

"São Bernardo"

Muito interessante a edição 2008 do Festival de Brasília ser aberta por um filme de Leon Hirzmann, “São Bernardo”. A historiografia do cinema considera Hirszman como um dos “fundadores” do Cinema Novo.

Hirszman pesquisou linguagem. E a marca dos títulos selecionados para a mostra competitiva de longa-metragem em 35mm é justamente o pensamento da linguagem cinematográfica. Exemplo: Kiko Goifman, de “Handerson e as Horas”, é documentarista já habitué de Roterdã e com passagem por Berlim. Seu longa “FilmeFobia” é uma grande brincadeira com a imagem, a manipulação, a atuação tão ou mais eficiente do que o documento. Uma ficção que ironiza os limites do documentário.

Outro que transita na mesma fronteira é “Tudo Isto Me Parece um Sonho”, de Geraldo Sarno. Já “O Milagre de Santa Luzia”, de Sergio Roizenblit, amarra, por meio de diversos personagens, a história da sanfona. Sem contar o barroquismo de Rosemberg Cariry (“Siri-Ará”) e os bons temas de Evaldo Mocarzel (“À Margem do Lixo”) e André Luiz da Cunha (“Ñande Guarani”).

Uma coisa é certa: a edição deste ano certamente não terá os mesmos holofotes das edições anteriores. Afinal, o Festival de Paulínia entrou no pedaço no meio do ano, Gramado se recuperou do fiasco dos cinco anos anteriores e o Festival do Rio continua dividindo flashes/boa programação.

Porém, outro lado de Brasília se manterá vivo neste ano: a discussão. Conhecido por ser freqüentado por uma platéia que literalmente quebra o pau pelo cinema, os filmes darão boas discussões de linguagem.

Em tempo: puxando a sardinha pro lado da casa, o Cineclick vai estar lá, cobrindo o dia-a-dia do evento.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

"Advinha Quem Vem Para Jantar"

1955 foi o ano em que a ativista negra norte-americana Rosa Parks foi presa por se recusar a ceder seu acento no ônibus a um branco. Figurava, desde 1896, a segregação do “separados, mas iguais” que, grosso modo, previa que brancos e negros eram iguais perante a justiça, mas não poderiam freqüentar os mesmos locais.

Doze anos depois, o primeiro ator negro com status de pop star, Sidney Poitier, protagonizou “Advinhe Quem Vem Para Jantar”. No filme, um casal de classe média, supostamente liberal, tem de rever seus conceitos após sua filha decidir casar-se com um negro.

Essa mesma linha de abordagem, transportada apenas para a cor local baiana, está em “Tenda dos Milagres”, de Nelson Pereira dos Santos. Lançado em 1985, o jovem promissor engenheiro (Jards Macalé?) enfrenta o preconceito do personagem de Jofre Soares.

Olhar para a vitória de Obama, limpando todo o clima de oba-oba, dá um paralelismo perfeito: parece que foi ele botou a carinha na fresta da porta de entrada dos Estados Unidos pra dizer “adivinhe quem veio pra governar”.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Mr. Obama

Barack Obama foi eleito ontem. O primeiro negro presidente na história dos Estados Unidos. Enquanto isso, com 95% da apuração completa, 52% da população da Califórnia votou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Justo a Califórnia, considerado o símbolo do progressismo norte-americano.

Trocando em miúdos: a onda “change”, “the first black president”, “communist!” e definições do gênero são relativas. Dentro da extensa lista de besteiras ditas nos últimos dias por comentaristas políticos (e a Fox lidera de longe), a convicção de que a sociedade americana estaria menos à direita tem de ser relativizada.

Eleição de Obama é um avanço. Considerável. Mas, deixemos o oba-oba de lado para observar mais friamente.

Em tempo: “Desejo Proibido”, de 2000, mostra três gerações de casais de lésbicas. O primeiro, na década de 60, totalmente oprimido; o segundo, nos anos 70, em plena discussão do feminismo; o terceiro, nos anos 2000, na perspectiva da união estável entre homossexuais. O terceiro trecho, caso os números da Califórnia se confirmem, teria de ser repensado.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Êxtase dos Anjos

Em 1965, Koji Wamatsu abalou Berlim com “Secrets Behind the Wall”, da linhagem “filmes eróticos baratos”. É muito curioso pensar o efeito da produção de Wamatsu nos anos 60 e 70 e exibi-la a um público jovem hoje. Em seus filmes, pululam defesas anarquistas e em um, especificamente, discute-se a todo tempo algo completamente fora de moda hoje: metodologia revolucionária.

“Êxtase dos Anjos” é de 1972. O diretor, ex-militante, pegou parte da discussão entre as esquerdas e colocou na tela, com um frescor à Godard. Os personagens, cujos nomes são em homenagem à Revolução Russa, não sentam à mesa para falar que o certo é a ação direta e não a tomada do Estado.

Wamatsu é mais sutil que isso. Sua visão anárquica do mundo se transporta para o uso da ferramenta cinematográfica. Ele usa takes bem longos, especialmente no início do filme, para dar tempo ao espectador de tomar contato com toda a ação, não apenas com seu início e seu resultado.

Wamatsu é a atração principal do Indie 2008, que começa nesta sexta-feira, 7. Mais informações, clique aqui.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Karatê Kid

Na edição de despedida de 2007, a versão espanhola da revista Rolling Stone fez uma série “Por Onde Anda” com diversos personagens da década de 80. Um deles era Daniel San, quero dizer, Ralph Maccio, o Daniel San de “Karatê Kid”.

Pois bem, resposta encontrada. O Omelete publicou uma nota contando que o nosso Karatê Kid (aquele que seguia as orientações do seu Miyagi) faz uma breve aparição no episódio de Ugly Betty lá nos Estados Unidos.

Ele dá um pulinho no salão de cabeleireiro para aparar as mechas e fica batendo um papo meio “pastime” com a cabeleireira. Clique aqui para ver o vídeo

James Whale, o Frankenstein

Amanhã, terça-feira (28/10), o Telecine Cult vai passar “Deuses e Monstros”, filme que conta parte da trajetória de James Whale, o diretor de “Frankenstein”. O longa é um ótimo exemplo do que um ator mediano é capaz quando está ao lado de um gênio.

Brendan Freaser interpreta o jardineiro que cuida do jardim de Whale. Clayton Boone, personagem de Brendan, tem um quê de Ennis del Mar de “O Segredo de Brokeback Mountain”, naquela coisa de “não sou gay, mas transo com homens”. Na verdade, Ennis tem um pouco de Clayton, já que “Deuses e Monstros” é de 1998 e “O Segredo de Brokeback Mountain” é de 2005.

Clayton passa a desenvolver uma relação estranha com Whale, assumidamente homossexual. Estranha porque não sabemos se é gay ou não; se sente admiração pela pompa aristocrata de seu patrão; se sente pena daquele senhor doente que só é passado. Várias camadas de relação.

O Brendan, mediano pra medíocre, tem uma atuação satisfatória. Isso porque ele está ao lado de Ian McKellen, ator duas vezes indicado Oscar de coadjuvante (“Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel” e “Deuses e Monstros”). McKellen coordena todas as ações do personagem de Brendan, já que este não existiria se não fosse em função daquele.

O olhar fugidio de McKellen, muitas vezes disfarçado de boas lembranças, joga o espectador num mar de dúvidas: ele foi feliz mesmo? Sua vida eara o prenúncio da imagem pela imagem?

Uma seqüência é realmente chocante: o diretor Bill Condon refilma um trecho do original “A Noiva de Frankenstein”. É de se emocionar.

Em tempo: a versão dublada de “Deuses e Monstros” é bem (!) engraçada. Ian McKellen foi dublado por Luiz Carlos de Moraes, famoso dublador brasileiro e ator de telenovelas. Ele já trabalhou em “Chaves”, “Dragon Ball Z”, “Street Fight”...

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Overdose de Poderoso Chefão

É um clássico. Neste segundo semestre, haverá uma overdose de “O Poderoso Chefão”, o primeiro da série de Coppola. A cópia restaurada do filme foi exibida na semana passada durante o Festival do Rio.

Na próxima semana, o filme também vai ganhar exibição na Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo. E pra completar, nesta terça-feira, 14, o Telecine Cult vai passar os filmes. Entre o fim da tarde e o início da noite, 18h50.

Todos os filmes da série estão disponíveis em DVD. Porém, assistir à produção de Coppola em 35mm, com som decente e em tela grande é uma experiência. Não se trata apenas de “assistir a um filme”, mas de uma experienciação, plagiando Glauber Rocha.


Em tempo: além de a TV ter hoje "O Poderoso Chefão", "Borat" também ganhou uma sessão, às 15h15 no Telecine Light.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A Mostra se aproxima

Fim de festival do Rio com “Se Nada Mais Der Certo”, de José Belmonte, saindo com o Redentor de melhor filme. Intervalo de uma semana e aí vem a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa nesta sexta-feira (17/10). Mais de 400 filmes serão exibidos.

No sábado, foram apresentados à imprensa a relação dos filmes, sessões especiais e convidados. Em seguida, dois curtas foram exibidos ao lado do longa “Horas de Verão”. Olivier Assays começa em um ponto, passa por outro e termina num terceiro, que se relaciona num primeiro.

A família é Berthier, cujo um dos membros, Paul Berthier, foi um pintor famoso. A matriarca é Hélène. Seus filhos vão comemorar o aniversário com a mãe na casa forrada de obras de Berthier. O passado e o presente são confrontados – este, parece ser apropriado por pessoas que renegam o acúmulo do que já passou.

Usando a família como metáfora, Assays crítica uma geração que não olha para trás e não presta – nem se interessa – na construção da França. Em um terceiro momento, o diretor encaminha o filme para os adolescentes e sua relação com o país, sempre usando o convívio familiar como pretexto para abordar o tema. É nesse ponto que o filme balança um pouco na linha trazida deste o início: a relação de uma geração com o passado (peça de museu?) e o presente (moderno?).

Em tempo: “Horas de Verão” (“L’Heure d’été”) integra a seleção de filmes da programação Expectativa da Mostra.

domingo, 28 de setembro de 2008

A câmera (s)em movimento

RIO -- "Na Cidade de Sylvia" é um bom filme para se ver sem dar sequer uma bisbilhotada na sinopse. O título indica uma localização e alguém que faz parte dela. OK, então uma vai se relacionar com a outra, provavelmente elas terão particularidades em si. Talvez a cidade seja até o mundinho de Sylvia. Certo?

Errado! O filme, dirigido por José Luis Guerín, chegou muito (!) comentado aqui no Festival do Rio, onde está sendo exibido na mostra Expectativa. Ele (Xavier Lafitte) se apaixonou por uma garota há seis anos em Estraburgo. Resolve voltar à cidade para buscá-la. Todo o filme é a perseguição do jovem em torno da bela garota.

A mise-en-scène dos atores é o esteio do filme. A câmera segue a garota e, por vezes, substitui o olhar d'Ele para que possamos admirá-la da mesma maneira que o rapaz faz. Em muitos momentos, o filme parte para a exaltação do feminino, do contorno entre as silhuetas d'Ela, combinadas com o desenho moderno e despojado da bolsa e o jeito de andar como se estivesse em uma passarela.

Apesar de diversas cenas em movimentos, elas não conduzem o filme para um movimento. O efeito para o espectador não é de uma aventura one surpresas podem acontecer, mas de um observar -- voyeur -- da garota e do rapaz em sua procura. O cenário é a bela Estrasburgo e suas ruas clássicas.

Com cerca de 30, 35 minutos de filme, uma espectadora do Estação Botafogo levantou-se e, em alto e bom som, protestou: "ah, essa tortura é demais pra mim!". E foi embora. Mesmo assim, o restante do público ficou, aparentemente, envolvido com o filme. Muito diferente do efeito "platéia perturbada" na sessão de ontem no Estação de Cinema no filme "A Fronteira da Alvorada", de Phillipe Garrel. As cenas cadavéricas de aparição de Carole, a amada de François, geraram risos.

Em tempo: "Na Cidade de Sylvia" foi exibido este ano em Veneza. Foi avaliado como o filme "mais autoral" da competição -- isso porque "Erva do Rato", de Julio Bressane, foi exibido fora de competição. Abaixo, o trailer do filme.

Latinidade tecnológica

RIO -- Como o cinema, assim como todas as linguagens artísticas, passam pela subjetividade, os filmes trazem, em maior ou menor quantidade, as experiências e inquietações de seus realizadores. Um tipo de cinema cujas experiências pessoais saltam para as questões colocadas na terra é o de Alex Rivera.

Filho de peruano com americano, ele cresceu em contato com o american way of life e com a latinidade. E por ser fruto tanto do opressor como do oprimido politicamente, a questão da imigração é cara em seu cinema. Com maior experiência em vídeos e docs, Rivera estréia no longa-metragem de ficção com "Sleep Dealer", que integra a Premiére Latina do Festival do Rio.

Pra começo de conversa, um paradigma é posto. Quando se fala da exploração do imigrante, pensa-se em uma ficção com toques realistas, como aconteceu em "Babel", de Alejandro González Iñarritu. Mas Rivera põe o pé no freio do realismo e joga a história no gênero da ficção científica. Nas próprias palavras do diretor: "É uma ficção científica que se passa no México e que, basicamente, usa o gênero sci-fi para olhar para assuntos políticos em voga hoje, mas os imaginando cinco minutos á frente, no futuro"

Memo Cruz (Luis Fernando Peña) mora em Oaxaca, área rural do México, mas é ligado em tecnolgia e sonha em sair do local. A região é assolada pela falta de água depois que uma empresa passou a represá-la. Devido a uma de suas invenções tecnológicas, seu pai é assassinado. Parte então para Tijuana, a cidade conectada, onde os habitantes, se quiserem se conectar à economia global, usam fios que plugam diretamente no corpo. Lá encontra Luz (Leonor Vargas), uma contadora de histórias.

O grande tema do filme é a condição do migrante. Mas dentro do gênero sci-fi. Memo não precisa ir aos Estados Unidos para conseguir um sub-emprego. Basta apenas que trabalhe em empresa que o emprega em uma obra em San Diego (EUA). Memo precisa apenas conectar-se a uma máquina e... tcha-ram: está controlando um robô que trabalha em uma construção cível. Ao seu lado, uma jovem controla um robô que colhe laranjas na Flórida. Privacidade e liberdade são duas palavras inexistentes em Tijuana.

Rivera tem uma postura de esquerda. Como é muito ligado à internet e ao mundo cyber, não propõe a Revolução, mas a sabotagem, a ação direta como mecanismo de resistência. Justamente essa ação direta vai unir Memo, o piloto Rudy (que assassinou o pai de Memo) e Luz. O diretor propõe uma lição com o filme: mesmo com uma realidade de conexão total e irrestrista, vai haver sempre aquele aparentemente contectado, mas que não passa de um membro da periferia explorado.

Em tempo: o site de Rivera (clique aqui) tem detalhes da carreira, vídeos, links de cyberativismo. E no vídeo abaixo, o diretor, Leonor e Jacob Vargas explicam detalhadamente seus personagens.

A construção de um estilo

RIO -- Alguns cineastas apresentam diferentes "fases", períodos em que se interessam por temas e abordagens diferentes. Certamente é possível encontrar, quando olhamos mais profundamente, elos entre os filmes. Como Lírio Ferreira, que com "Baile Perfumado" falou do olhar estrangeiro por meio de um líbanês e em "Árido Movie" com o homem do tempo radicado em São Paulo e que tem de voltar para o sertão.

Mas, para além do diálogo nas entrelinhas, há diretores, como Phillipe Garrel, que nos deixam com a sensação de "hmm, eu já vi isso antes...". Ao assistir "A Fronteira da Alvorada", da mostra Panorama Mundial do Festival do Rio, muito do já apresentado em "Amantes Constantes" (2004) é retomado. Não me refiro especificamente apenas à fotografia em preto e branco, mas também a enquadramentos, o close nas musas e no muso (Louis Garrel). E a retomada do tema do amor.

Entre os pontos de diálogos dos dois filmes, ambos exigem mergulho total (!) do espectador. Como é relativamente previsível o desfecho das histórias dos personagens principais, o espectador têm de se apegar aos detalhes e as surpresas mínimas de situações que o diretor propõe. Senão, a história não passa de um começo, um fim com um recheio no meio.

Assim como em "Amantes Constantes", o protagonista é interpretado por Louis Garrel e se chama François. No filme anterior, o amor e a liberdade frente aos acontecimentos de maio-68 e do ano seguinte eram o motor. Não só o amor também volta para ligar o François de "A Fronteira da Alvorada" à Carole (Clémentine Poidatz), mas a liberdade. Após o suicídio da namorada, ele não consegue se desgrudar da sua imagem, que o perturba e influencia sua decisão final.

Infelizmente, no quesito estilo, os espectadores brasileiros que não são consumidores da Amazon.com ou habitués de downloads do eMule não podem ir além na comparação entre os filmes anteriores de Garrel. "Amantes Constantes" (prêmios de fotografia e direção em Veneza) foi o primeiro longa do diretor a estrear no Brasil. E "Fronteira da Alvorada", que concorreu à Pauma de Ouro em Cannes este ano, será distribuído, novamente, pela Imovision (ainda sem data de estréia definida).

Em tempo: o ator Louis Garrel, o novo rosto bonitinho da França, é filho do diretor Phillipe Garrel. Abaixo, o trailer do filme.

sábado, 27 de setembro de 2008

Paul Newman

RIO - Em meio a movimentação do Festival do Rio, uma notícia realmente muito chata: morreu Paul Newman.

O factual, causa da morte e filmografia, estão neste link do Estadão.

Comentários sobre a carreira do ator estão no blog do Merten (clique aqui).

E, daqui a pouco, aqui no Rio, "Sujos e Sábios", estréia de Madonna na direção. Exibido em Berlim este ano, o filme entrou mudo e saiu calado. Não foi motivo de comoção, nem de reclamação. Vamos ver na seção da Gávea neste sábado.

sábado, 16 de agosto de 2008

A pulsão da estréia

de Gramado, Rio Grande do Sul

Selton Mello e Matheus Nachtergaele são dois atores com sangue nas veias, de personagens que rompem limites da interpretação. A mesma pulsão de ator está na estréia de ambos na direção de longas-metragens. Selton com “Feliz Natal” (premiado no Festival de Paulínia) e Matheus com “A Festa da Menina Morta” (exibido ontem à noite em Gramado).

Selton foi do transe de “Lavoura Arcaica” (“neste filme eu pude ser eu mesmo, me expressar”) ao idealista Dico de “Os Desafinados”. Em vez de aliviar ao estrear na direção de longas (já havia feito dois curtas), o ator-diretor mergulhou em “Feliz Natal” para mostrar a degradação de cada membro de uma família. Selton aposta na alma dos atores, cola a câmera no rosto para extrair sentimentos e explode na trilha para criar angústia.

Matheus, como ator, foi de releitura de Mazaroppi em “Tapete Vermelho” ao gay afetado Dunga (“Amarelo Manga”). Na direção, com “A Festa da Menina Morta”, mantém o movimento de mergulho profundo para falar de incesto, religiosidade, fé e limites humanos, ambientando a confusão em uma comunidade ribeirinha do Amazonas.

Corajoso dois atores consagrados agregar uma nova camada à carreira (a direção), abordando temas profundos. Ou, talvez, simplesmente um movimento natural e sincero com eles mesmos. Selton, por exemplo, declarou que, como ator, pode se expressar apenas duas vezes: em “Lavoura Arcaica” e “O Cheiro do Ralo”. A direção de “Feliz Natal” é a terceira.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Crítico

de Gramado, Rio Grande do Sul

Kleber Mendonça Filho é crítico do Jornal do Commercio de Pernambuco. Pernambuco é um estado com importância histórica e vida cultural. O cinema lá teve ciclos, sendo os mais fortes o da década de 70, cheio de produções em Super-8, e o pós-97, quando foi lançado o premiado “Baile Perfumado”.

Na história da crítica, uma série de pessoas deixaram o posto de avaliador de filmes para realizá-los – ou, até mesmo, alternar realização e avaliação. Nos anos 60, uma geração agiu assim, que viria a formar a Nouvelle Vague, lançando idéias ao pensar o cinema. Truffaut fala disso em "Os Filmes da Minha Vida", especialmente na apresentação.

Kleber fez um exercício de sair do posto de crítico, olhar para as questões que envolvem a atividade a partir das opiniões de críticos e realizadores. “Crítico” foi exibido na tarde desta sexta-feira (15/08) no Festival de Gramado, como atividade paralela – assim como o será o interessante “Aborto dos Outros”.

O documentário de Kleber traz uma penca de questões que só seriam possíveis de serem recordadas tim tim por tim tim caso o espectador (provavelmente, crítico/jornalista) anotasse em um bloquinho. É um baita exercício de reflexão, muito interessante não só para jornalistas, mas para quem olha o cinema como o arte que constrói (e destrói) identidades e forma cabeças.

Para quem atua cobrindo cinema, o filme deveria ser guardado em um bolso e ser consultado sempre que preciso, para dar uma arejada, refrescada, criar dúvidas, trazer anormalidade ao normal. Ou simplesmente apagar tudo e reescrever.

A diferença entre filmes

de Gramado, Rio Grande do Sul

Bressane declarou recentemente que só aceitou a homenagem recebida na quarta-feira pelo Festival de Gramado por conta da nova curadoria (Sérgio Sanz e José Carlos Avellar) que, segundo o cineasta, está tirando o festival do funeral.

Este ano, os filmes estão muito diferentes entre si. Duas noites em especial evidenciaram as diferenças:

-- “Perro Come Perro” e “Pachamama”

O longa colombiano vai ao mundo do crime para ambientar sua história cheia reviravoltas, numa dinâmica de ação com a cor local (“magia negra”). Na trama, e em seu desfecho, há um círculo do qual não se foge, como o título sugere: cachorro come cachorro. A comilança sempre vai ocorrer com A que come B que come C que come D...

Já o nacional “Pachamama”, de Eryk Rocha, é pessoal, em primeira pessoa, um olhar filtrado. A ação não é pré-determinada, mas deixa-se levar pelos acontecimentos políticos da Bolívia e Peru. Fala de identidade, de política e integração.

Neusa Barbosa, crítica do Cineweb, fez um elo interessante entre os dois: “um começa onde o outro termina”. “Pachamama” olha para trás, para como a América do Sul foi formada; “Perro Come Perro” parte do cenário já dado, obviamente fruto da história.

-- “Juventude” e “Cochochi”

Domingos Oliveira teatraliza a relação entre três senhores que se encontram para lembrar do passado. Diálogos e câmera são o esteio do filme. O importante é falado (ironia, textos cômicos), não fica de fora ou sugerido.

Já o mexicano faz outro caminho: fala-se pouco, aposta-se no olhar e no ambiente onde os planos são filmados. Silêncio, roteiro não mirabolantes e pequenos pedaços de história dentro da grande história.


Resumindo: Domingos está mais para Woody Allen; Cárdenas e Guzman para diretores iranianos.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Bressane em Gramado

de Gramado, Rio Grande do Sul

Bressane é um choque. Ele acabou de dar uma coletiva calorosa aqui no Festival de Gramado, pois vai ser homenageado na noite de hoje com o troféu Eduardo Abelim. Semana passada, já havia declarado que não entendia a razão da homenagem. Afinal, Gramado, nos últimos anos, prefere celebridades a filmes potentes.

São muitas idéias despejadas. Uma capacidade de associação absurda. Citações a escritores, filósofos, pensadores. Pra quem é jovem, o exemplo do “chutar o pau da barraca” dentro do cinema nacional é Cláudio Assis (“Amarelo Manga”, “Baixio das Bestas”). Aliás, o título do novo filme de Cláudio, “A Febre do Rato” é quase igual ao novo de Bressane, “Erva do Rato”. Também tem algo de bressaniano a falência e a mediocridade do ser humano que Cláudio aponta em “Amarelo Manga”.

Mas Bressane, 62 anos, parece ser mais articulado. Para os jornalistas, que precisam classificar para facilitar o entendimento (afinal, não fazemos tratados sociológicos), fica difícil resumir o que é o cineasta. Talvez quem já tem 20, 30 e até 40 anos de profissão seja mais hábil em fazê-lo – e já estejam acostumados com idéias bressanianas.

Pra quem é jovem, não. Ele é uma injeção de vida, uma vontade de descobrir. À priori, repassando as anotações da coletiva, dá pra encontrar algumas contradições em seu discurso. Mas algo de quente ali tem.

O tempo vai explicar o que é esse algo.

Acadêmicos e populares

de Gramado, Rio Grande do Sul

Brasileiro tem mania de autoridade. Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, aprofunda a idéia de cordialidade, traço que marca o país desde a escravidão. É a relação que permite um contato entre classes sociais diferentes que não altera nem uma vírgula das diferenças sociais (os estratos continuam o mesmo). Com os anos, fomos criando uma mania de dar crédito apenas ao que tem um ar de autoridade. O popular vira folclore, pra guardar num museu, e o erudito ganha status de cultura, merecedor de respeito.

Na música, é mais ou menos assim: os ex-office boys Claudinho e Buchecha gravam “Fico Assim Sem Você” e a canção é considerada de “baixa qualidade”; a Adriana Calcanhotto regrava e a classe média pronuncia um sonoro “ahh, como é bonitinho!”.

E ontem, aqui em Gramado, foi dia do erudito e acadêmico virar muleta e jogar o popular, que brilha sem filosofar, para escanteio. O curta “Hiato”, do carioca Vladmir Seixas, que participa da mostra competitiva, fala da ocupação que o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) fez no shopping Rio Sul, em Botafogo, em 2000. Sete aos depois, o diretor conversa com alguns militantes que participaram do atos e mescla com imagens de arquivos, que mostram seguranças e atendentes olhando para os favelados com um ar de nojo.

As entrevistas com os pobres (mesmo que prejudicada pela ausência de luz em uma confusa referência à estética da fome de Glauber Rocha) são geniais. Nas falas, a pobreza não ganha nenhuma definição politicamente correta, principalmente com uma senhora, ex-prostituta, que passa a mensagem sem atravessadores.

Mas há sempre a muleta dos acadêmicos. Não contente com a fala de quem participou do ato, o diretor recorre ao documentarista Silvio Tendler, a pesquisadora Ivana Bentes e de um filósofo que, um milhão de desculpas, eu não anotei o nome (e o filme não tem site para consulta).

Ivana, que polemizou no lançamento de “Cidade de Deus” com a idéia da cosmética da fome, chove no molhado no depoimento em “Hiato”. Ela solta um óbvio “as novas mídias possibilitam tomar contato com o fato cru, em tempo real”. E?

Tendler, que ironiza/elogia a estética da fome do diretor do curta, solta um “globaritarismo”. Alguém me explica o que é isso?

Mas a pérola vem do filósofo: ao falar do impacto da ocupação de pobres em um shopping center, ele solta um “choque de intensidade”. Hã? Oi? Como assim? Como diria José Simão, uma linguagem tucanada, mãe do “choque de capitalismo” de Gilberto Gil e do “choque de gestão” de Arruda e Alckimin.

Sem meio-termo, sem desvio de caminho. Para que enfiar um “choque de intensidade” quando um dos ocupantes do shopping já decretara: “os lojistas olhavam pra gente com cara de nojo. E o nojo é deles mesmo, pois o dono mandou apenas baixar as portas, não olhar pra gente daquele jeito. Os balconistas não são ricos! Pergunta se algum deles moram em Botafogo?!”.

Uma aula de consciência de classe dada por um pobre em apenas 30 segundos.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Negros em Gramado

de Gramado, Rio Grande do Sul

Um desafio interessante ao caminhar pelas simpáticas ruas de Gramado: encontrar um negro. Por cerca de uma hora e meia, fiquei sentado nas mesas de um café próximo ao Palácio dos Festivais, local de exibição dos filmes do festival. Notei a presença de apenas dois negros, duas senhoras que entraram em uma loja.

Gramado é uma cidade turística da serra gaúcha. Quem formou o povoado, em meados da década de 1870 foi uma dupla de luso-açorianos. Quem construiu a cidade foram imigrantes italianos e alemães.

Pois bem, andar nas ruas da cidade assemelha-se a caminhar por ruas da Alemanha. O refresco do ar “deutche” (como definiu meu amigo Marcelo, gaúcho) está na entrada do Cine Vídeo (centro com estandes publicitários do festival). Há uma área onde rola black music (tipo Chris Brown), cheia de garotada, com roupas folgadas. Sem a presença de casacos longos.

Ali pertinho dessa área, durante a tarde desta segunda-feira (11/08), o cineasta Jeferson Dê, paulistano criador do Dogma Feijoada, dava entrevista para a imprensa. Também por lá estava o ator André Ramiro, o PM André Matias de “Tropa de Elite”. Recentemente, Ramiro, nascido na Vila Kenedy (Rio), atacou de cantor de rap. Ambos estão ministrando oficinas como atividades paralelas do festival. Um dos debates: o papel do negro na cultura brasileira.

A política em Gramado

de Gramado, Rio Grande do Sul

A cidade está em clima de cinema, obviamente. É bonito ver as atrações turísticas que se armam em torno do Palácio dos Festivais, local de exibição dos filmes. Mas nem só de filmes vive a cidade. A política está por aqui, viva.

Na capa da edição de sexta-feira do Correio Gramadense, a propaganda de dois candidatos à prefeitura da cidade. Abaixo das três manchetes principais, Fedoca, do PDT, traz o lema “Gramado para todos”. No pé da página, o candidato da situação, Nestor Tissot, do PP, companheiro de partido do atual prefeito, Pedro Henrique Bertolucci, reeleito em 2004 derrotando Fedoca no primeiro turno.

O bissemanal Jornal de Gramado, também na edição de sexta-feira, traz as mesmas propagandas. A posição, porém, está invertida: a situação está acima, a oposição abaixo.

Nas páginas internas do Correio Gramadense (sem versão online disponível), uma foto ilustrando notícia sobre a abertura do diretório político da situação ocupa três quartos de página. O candidato da oposição tem duas diretas sobre sua campanha. Ambas ocupam duas colunas de meia página.

Já na página 4 do Jornal de Gramado, os candidatos parecem ter pesos parecidos. À esquerda, no topo de uma das páginas, uma aspas do candidato da situação. À direita, aspas do candidato da oposição. Ambas foram retiradas de um programa de rádio e versam sobre o mesmo assunto: turismo, a principal atração da cidade.

Pós-modernismo

de Gramado, Rio Grande do Sul

Ontem foi dia de pós-modernidade no Festival de Gramado. Baixou aqui a hype/moderninha Clarah Averbuck. Seus livros e escritos na blogsfera serviram de inspiração para “Nome Próprio”, longa de Murilo Salles que briga pelo Kikito na categoria. Leandra Leal, protagonista do filme, é candidata disparada pelo prêmio de melhor atriz (foto à esquerda).

O filme do Murilo é filme de profissional. A protagonista tem um umbigo gigante, e acha que é a mais especial da face da terra. Mas o personagem feminino, como raramente se vê na produção recente do cinema nacional, é redondo, íntegro. Bem composto.

Ela incomoda. Com seu frisson em escrever um livro, faz umas viagens misturando cerveja e comprimidos. Exemplo: quando um amigo sugere que ela arrume um emprego, Camila (Leandra Leal) responde: “Eu preciso me concentrar para escrever meu livro. Sou muito dispersa”.

E na condição de garota classe-média que leva a vida como uma “aventura” – mas sem dispensar o kit sobrevivência que a mãe manda para o apê –, vai de paixão em paixão, lendo Leminski, pensando em Bukowski e citando John Fante.

Pós-moderna, ou modernidade líquida ou hipermodernidade. Individual, egotrip, dramas fakes, cerveja quenta, citação filosófica, narrativa centrada no eu como o ser mais essencial da terra. Abrir as portas do filme com a chave da pós-modernidade dá uma baita clareada da personagem que Murilo Salles criou.

Pode-se gostar ou não do filme, opção natural. Mas não dá para negar que ele está antenado com o que acontece hoje.

Em tempo: sobre o personagem feminino, no blog do filme há um texto interessante sobre como Camila foi pensada. Lá rolam as idéias do feminismo, Focault, Freud e psicanálise.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Louis Garrel

Desde meados da década de 1960 até os anos 2000, o cinema francês tem três nomes fortes quando o assunto é atuação. Gerard Depardieu estreou nos cinemas em 1967 com “Le Beatnik et le Minet”, mas explodiu para o grande público com a atuação em “Asterix e Obelix Contra César” (1999) – apesar de “Cyrano”, produzido nove anos antes, ter garantido premiação em Cannes e indicação ao Oscar.

Jean Reno (marroquino batizado Juan Moreno y Jederique Jiménez) já deu boas andadas em Hollywood com “A Pantera Cor de Rosa”, “Código Da Vinci” e “Missão Impossível”, mas estreou nos cinemas em “L’Hipothèse du Tableau Volé”.

Já Danieal Auteuil, também cinquentão assim como Reno, é marcado, no Brasil, pela neurose de “Caché” (2005), a sensualidade de “Pintar ou Fazer Amor” (2005) e a singeleza de “Conversas Com Meu Jardineiro” (2007).

Porém, pós anos 2000, uma carinha nova apareceu no pedaço. Louis Garrel, diferente dos três antecessores, é bonito, além de ser bom ator. Surgiu com força em “Os Sonhadores” (2003), de Bertolucci. Em 2005, imergiu nos anos 60 para viver François Dervieux em “Amantes Constantes”. Este ano, no Brasil, Garrel veio com “Em Paris” e “Canções de Amor”, ambos sob a direção de Christophe Honoré.

Atenta a ele, a edição bimestral julho/agosto da Cahiers du Cinéma, a revista impressa de cinema mais importante do mundo ao lado da Variety, traz o ator na capa, com um perfil. A manchete: “Louis Garrel: A Grande Conversa” (clique aqui).

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Deleite para os ouvidos

Se a Cinemateca paulistana propõe, a partir de sexta, um mergulho nos anos 10 com uma mostra de cinema mudo composta por filmes com acompanhamento musical ao vivo, o CCBB não ficou para trás. Começa nesta terça-feira (05/08) a mostra Luz, Câmera, Música!: Cineastas Compositores. As exibições vão passar por Rio, Brasília e São Paulo.

Serão exibidos filmes de cineastas que compõem as próprias trilhas. Destaque para Tony Gatlif, Carlão Reichenbach, Emir Kusturica e Alejandro Amenabar.

Gatlif aparece com “Vengo” e “Estrangeiro Louco”. Há de se pontuar uma ausência: “Transylvânia”, último filme do diretor, traz o primor de variações musicais ciganas, centrado em uma personagem que, em viajem à Romênia, entra em descontrole interior. Uma senhora ausência.

Para compensar, outro primor. Alejandro Amenabar se destaca com “Mar Adentro”, cuja gaita de fole do galego Carlos Nuñez dá liberdade a um personagem preso à cadeira de rodas.

Carlão, fissurado por música, chega com “Alma Corsária” e “Extremos do Prazer”. Já Tom Tyker chega com “Perfume” – sim, “Corra, Lola, Corra” ficou de fora.

Dá uma olhada na programação carioca abaixo. Em Brasília, a mostra chega dia 19; em SP, dia 20:

PROGRAMAÇÃO - RIO

TERÇA, 5 DE AGOSTO

15h30 - Memórias Em Super-8. Emir Kusturica (Super-8 Stories, Alemanha / Itália, 2001) 90 min

17h30 - Morte Ao Vivo. Alejandro Amenábar (Tesis, Espanha, 1996) 125 min

19h30 - Extremos do Prazer. Carlos Reichenbach (Extremos do Prazer, Brasil, 1984) 92 min

QUARTA, 6 DE AGOSTO

15h30 – Simples Desejo. Hal Hartley (Simple Men, EUA, 1992) 137 min

17h30 – Vengo. Tony Gatlif (Vengo, França / Espanha / Alemanha / Japão, 2000) 90 min

19h30 - Timecode (Timecode, EUA, 2000) 97 min

QUINTA, 7 DE AGOSTO

15h30 - A Vida é um Milagre. Emir Kusturica (Zivot je Cudo, Sérvia & Montenegro / França, 2004) 155 min

19h – Inverno Quente. Tom Tykwer (Winterschläfer, Alemanha, 1997) 122 min

SEXTA, 8 DE AGOSTO

15h30 - Alma Corsária. Carlos Reichenbach (Alma Corsária, Brasil, 1993) 112 min

17h30 – Palestra “Música no cinema” com David Tygel, um dos principais compositores de trilha sonora no Brasil.

19h30- Mar Adentro. Alejandro Amenábar(Mar Adentro, Espanha/França/Itália , 2004) 125 min

SÁBADO, 9 DE AGOSTO

19h – Perfume. Tom Tykwer (Perfume: The Story of a Murderer, Alemanha/ França/ Espanha, 2006) 147 min

DOMINGO, 10 DE AGOSTO

16h - Morte Ao Vivo. Alejandro Amenábar (Tesis, Espanha, 1996) 125 min

19h – Timecode. Mike Figgs (Timecode, EUA, 2000) 97 min

TERÇA, 12 DE AGOSTO

15h30 - Alma Corsária. Carlos Reichenbach (Alma Corsária, Brasil, 1993) 112 min

17h30 – Vengo. Tony Gatlif (Vengo, França / Espanha / Alemanha / Japão, 2000) 90 min

QUARTA, 13 DE AGOSTO

15h30 - Flerte. Hal Hartley (Flirt, EUA / Alemanha / Japão, 1995) 85 min

17h30 - Justiça Cega. Mike Figgs (Internal Affairs, EUA, 1990) 115 min

19h30 - Mar Adentro. Alejandro Amenábar(Mar Adentro, Espanha/França/Itália , 2004) 125 min

QUINTA, 14 DE AGOSTO

15h30 - Justiça Cega. Mike Figgs (Internal Affairs, EUA, 1990) 115 min

SEXTA, 15 DE AGOSTO

15h30 - Morte Ao Vivo. Alejandro Amenábar (Tesis, Espanha, 1996) 125 min

17h30 - O Estrangeiro Louco. Tony Gatlif (Gadjo Dilo, Romênia / França, 1997) 102 min

19h30 - Inverno Quente. Tom Tykwer (Winterschläfer, Alemanha, 1997) 122 min

SÁBADO, 16 DE AGOSTO

19h - A Vida é um Milagre. Emir Kusturica (Zivot je Cudo, Sérvia & Montenegro / França, 2004) 155 min

DOMINGO, 17 DE AGOSTO

16h - Perfume. Tom Tykwer (Perfume: The Story of a Murderer, Alemanha/ França/ Espanha, 2006) 147 min

19h - Simples Desejo. Hal Hartley (Henry Fool, EUA, 1997) 137 min


terça-feira, 15 de julho de 2008

Helena, a diva, no CineSesc

Helena Ignez, ao lado de Leila Diniz, pode ser considerada uma das grandes, e mais belas, mulheres brasileiras da década de 60 e 70. Ao contrário de Leila, que morreu em um acidente de avião em 1972, Helena está viva, firme, forte, linda. E atuando com a mesma energia.

Ontem, na abertura da mostra “A Mulher do Bandido”, Helena estava lá. Com seus cerca de 1,55 m, simpatia transbordante, deu um alô a lotada platéia do CineSesc que assistiu “A Mulher de Todos”, de Rogério Sganzerla. Lançado em 1969, traz uma atriz repleta de vida, sensualidade e interpretação que dialoga diretamente com a câmera e transformou-se em um dos símbolos do cinema marginal, ao lado de Sganzerla (com quem foi casada e teve duas filhas) e Bressane.

Helena tem no currículo de atriz 38 filmes brasileiros – na década de 70, passou um período na Europa. 25 deles compõem a mostra do CineSesc. O perfil é diverso: “A Grande Feira”, de Roberto Pires, é o primeiro longa da atriz. Em “Brasil, Tempo de Cinema”, o crítico Jean-Claude Bernadet gasta algumas páginas com o filme ao analisa-lo sob o prisma da radicalidade da classe média – aos moldes do conceito de Antônio Candido.

Possivelmente, o mais famoso deles é “O Assalto ao Trem Pagador”, no qual Helena interpreta a mulher de Reginaldo Farias, o representante do asfalto. A atriz também está no clássico “O Padre e a Moça”, de Joaquim Pedro de Andrade, que conta com a fotografia de Mário Carneiro, um dos mais tradicionais profissionais do ramo. A sinceridade performática de Helena se destaca também em “O Bandido da Luz Vermelha”, definido por Sganzerla como “um farwest do 3º Mundo”.

Entre os filmes mais recentes, “O Signo do Caos”, último trabalho de Sganzerla (2003). Helena ataca também de diretora, em 2005, com “A Miss e o Dinossauro 2005 – Bastidores da Belair”, que registra em Super-8 o making of de filmes da Belair, produtora experimental que fundou ao lado de Sganzerla e Bressane.

Programação: HELENA IGNEZ – A MULHER DO BANDIDO

Cinema – PROJEÇÕES em 35 mm

DIA 14/07 – ABERTURA
20h30 - A Mulher de Todos - Direção: Rogério Sganzerla - 35mm COR/PB 87 min. 1969

Dia 15/07 - Terça
15h - A Grande Feira - Direção: Roberto Pires - 35mm PB 94 min. 1961
17h - O Padre e a Moça - Direção: Joaquim P. de Andrade - 35mm PB 94 min. 1966
19h - Cara a Cara - Direção: Julio Bressane - 35mm PB 80 min. 1967
21h -O Bandido da Luz Vermelha - Direção: Rogério Sganzerla - 35mm PB 92 min. 1968.

Dia 16/07 – Quarta
15h - Perigo Negro – Direção: Rogério Sganzerla - 35mm COR 27 min. 1992 /
-Barão Olavo, o horrível - Direção: Julio Bressane - 35mm COR 70 min. 1970
17h - Nem Tudo é Verdade - Direção: Rogério Sganzerla - 35mm COR/PB 95 min.1985
19h - São Jerônimo - Direção: Julio Bressane - 35mm COR 79 min. 1998
21 - Os Monstros de Babaloo - Direção: Elyseu Visconti - 35mm PB 120 min. 1970


Dia 17/07 – Quinta
15h - O Assalto ao Trem Pagador - Dir: Roberto Farias - 35mm PB 103 min. 1962 – DVD
17h - O Signo do Caos - Direção: Rogério Sganzerla - 35mm COR/PB 80 min. 2003
19h - Copacabana Mon Amour - Direção: Rogério Sganzerla - 35mm COR 96 min. 1970
21h Almas Passantes - Direção: Ilana Feldman e Cléber Eduardo - 35 mm cor 15 min 2008
/ A Mulher de Todos - Direção: Rogério Sganzerla - 35mm COR/PB 87 min. 1969

Auditório – PROJEÇÕES em DVD

15/07 - Terça
16h- O Pátio - Direção: Glauber Rocha 16 mm PB 11 min. 1959
Perdi a Cabeça na Linha do Trem - Dir: Estevão C. Pantoja -16mm COR 14 min. 1992
Helena Zero- Direção e roteiro: Joel Pizzini Video COR/PB 34 min. 2006
18h Cuidado, Madame - Direção: Julio Bressane - 16mm COR 70 min. 1970 /
Elogio da Luz - Direção: Joel Pizzini e Paloma Rocha - Video COR/PB 54 min. 2004

17/07 – Quinta
16h - B2 - Direção: Rogério Sganzerla e Sylvio Renoldi - 35mm PB 11 min. 2001
A Miss e o Dinossauro 2005 Direção: Helena Ignez - Super-8 COR 18 min. 2005
Reinvenção da Rua - Direção: Helena Ignez- Vídeo COR 27 min. 2003 -
Ondas - Direção: Ninho Moraes – 35mm COR 12 min. 1986
18h - Sem Essa, Aranha - Direção: Rogério Sganzerla - 16mm COR 96 min. 1970
20h - O Grito da Terra - Direção: Olney São Paulo - 35 mm PB 83 min. 1964

terça-feira, 24 de junho de 2008

O Che na era do consumo

Mesmo tocando especificamente na questão por meio de um entrevistado que aparece pouco antes dos créditos finais, “Personal Che” provoca a reflexão do que é a imagem na sociedade do consumo. Como a mercadoria pode ser “a gosto do freguês” – do inglês, “customized”, ou, do espanhol, “personal”.

O brasileiro Douglas Duarte e a colômbiana Adriana Mariño fogem do didatismo e abordam com originalidade a figura de Che. O documentário percorre Cuba, Líbano, Alemanha, Estados Unidos e China (esqueci algum) conversando com personagens que se apropriaram de maneira particular das idéias, pensamentos e atitudes de Ernesto Guevara, assassinado por agentes da CIA, em parceria com o governo boliviano, em outubro de 67.

Entre as dezenas de entrevistados, apenas dois expressam claramente quais eram as idéias políticas de Che, em direção a que caminhou sua luta e as contradições de quem o relê hoje.

Os entrevistados mostram contradições absurdas: camponesas bolivianas dizem que Che é milagroso, sendo que um vendedor de santinhos afirma que o São Che serve para tudo (de casamentos a pedidos impossíveis). Che, na condição de marxista, era ateu e considerava a religião um desvio no caminho à revolução.

A dupla de documentaristas encontrou também neonazistas alemães que comparam o argentino com Hitler (“ambos eram revolucionários”); conversam com um revendedor de carros nascido em El Salvador mas morando em Nova Jersey que coleciona camisetas de Che como um numismático; o diretor teatral libanês que omite as armas na encenação; e o parlamentarista chinês que exige democracia.

As respostas para quem foi Che são um verdadeiro “Deus nos acuda”. Muitos afirmam que ele lutava pela paz. Contraditório, pois, na condição de guerrilheiro, pegou em armas para construir outros regimes. Outro afirma que ele lutava pela justiça: mais do que isso, pois Che não usou justiça sem valor de sentido, sem propósito ideológico.

O pega mesmo é quando as respostas esbarram na mitologia e na sociedade do consumo. O mito acercou-se de muitos entrevistados (principalmente das senhoras religiosas que consideraram-no um santo).

Mas, uma das reflexões gritantes nas entrelinhas (expressada na fala de um entrevistado pouco antes da subida dos créditos finais) é o poder que o capitalismo tem em transformar símbolos em mercadoria e, neste processo, retirar-lhe o sentido. Um vendedor de camisetas americano diz não saber quem é Che, mas comercializa o produto porque vende muito

Quarenta anos depois, Che virou mito, lenda, fashion, sexy, defensor da paz, nacionalista, igualitário, camiseta, foto do Korba. Tudo, menos o que foi de fato durante a década de 50 e 60: um guerrilheiro revolucionário.

Em tempo: o documentário mostra, de relance, uma curiosidade. Para o público que quiser consumir Che, não reproduzir politicamente Che, tem uma “Carteira de Revolucionário”, vendida a US$ 5 na mesma loja norte-americana que vende as camisetas a rodo.

Em tempo II: uma busca no site da Livraria Cultura indica pelo menos 110 livros com a palavra “Guevara” no título.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Fatih Akin volta ao Brasil

Fatih Akin faz parte de um tipo de cineasta que está antenado com seu tempo, mas não aceita conceber seus filmes como panfletos. Para ele, nascido na Alemanha, mas filho de turcos, isso significa não fugir da questão da imigração turca para o país germânico, mas sem transformar seu filme em um objeto direto de conscientização e instrumento para uma discussão profunda da questão turca em relação aos alemães.

Resumindo: seus filmes, especialmente “Contra a Parede”, são ideais para serem discutidos em uma roda de amigos ou citado em alguma palestra que aborde a imigração para a Europa. Porém, raramente seriam exibidos em um hipotético sindicato dos imigrantes turcos para conscientizá-los da condição de exploração que alguns vivem.

Akin, na condição de turco-alemão, sempre afirmou que preserva as tradições turcas da sua cultura. Porém, não a absorve de maneira totalitária, íntegra, assumindo-a como plena. Por ter freqüentado escolas alemãs desde a infância, se considera alemão, mas questiona as contradições germânicas; e se considera turco, questionando as contradições turcas, especialmente a questão do Curdistão.

Pois bem, Fatih Akin volta a desembarcar no Brasil em julho. Seu novo filme, “Do Outro Lado” (tradução literal de “Auf Der Anderen Seite”) será distribuído pela Imovision, de Jean-Thomas Bernadini (dono do Reserva Cultural), e tem previsão de estréia em 4 de julho. “Do Outro Lado” deu ao diretor o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes em 2007, além do prêmio Ecumênico. Aliás, Fatih já foi premiado em outro grande festival: Em 2004, aos 30 anos, venceu a Berlinale com “Contra a Parede”.

Assim como em seus filmes anteriores, o diretor prima por contar histórias. Desta vez, traz dois núcleos que se unem. Nejat (Baki Davrak) não admite que seu pai tenha escolhido a prostituta Yeter (Nursel Köse) para namorar. Porém, repensa sua atitude quando descobre que ela manda dinheiro para custear os estudos de sua filha na Turquia. Nejat vai até Istambul para tentar encontrar Ayten (Nurgül Yesliçay), filha da prostituta. Porém, ela, uma ativista política, já migrou para a Alemanha, onde encontrou proteção de Lotte (Patrycia Ziolkowska) (veja trailler).

O conteúdo político mais denso do filme está em um diálogo entre Ayten e Susanne, a conservadora mãe de Lotte. As duas conversam sobre uma questão cara tanto à Turquia como ao bloco europeu: a entrada na União Européia. A jovem é crítica em relação a essa perspectiva: “Não acredito na União Européia. Inglaterra, França, Alemanha, Espanha... todos são países colonialistas”. A velha, dona da casa, responde: “Tudo pelo que você luta será recuperado quando vocês entrarem na União Européia”.

Akin não foge a um importante debate político de grandes implicações. Porém, levanta questões e não afirma claramente uma opinião acerca do tema. Um diretor cujos filmes levantam discussão, não formatam cabeças.

Em tempo: O último filme de Akin exibido no Brasil foi “Atravessando a Ponte, o Som de Istambul”, que investigava as diversas tradições musicais presentes na capital turca, do rock ao religioso, passando pela música curda e o rap.

Em tempo II: a revista britânica “film&festivals” publicou, na edição Verão – 2008, um perfil de Fatih Akin assinado por Eddie Cockrell, do time de críticos da Variety.

Em tempo III: uma boa leitura sobre o que é um trabalhador turco em um sub-emprego na Alemanha está em “Cabeça de Turco”, Gunter Wallraff. O repórter se disfarçou de turco por alguns meses e se submeteu a degradantes condições de trabalho – no livro, ele relata o cotidiano do trabalhador.

domingo, 25 de maio de 2008

O elo entre Glauber, Caetano e Fabiana Cozza

“O sertão vai virar mar/e o mar virá sertão”. Dos filmes de Glauber Rocha, essa é a frase mais famosa, paráfrase de um diálogo de Antônio Conselheiro. Sérgio Ricardo, em Deus e o Diabo na Terra do Sol, musicou-a, dando ritmo no encerramento do filme, na cena de perseguição de Antônio das Mortes a Corisco.

Mas antes da parceria Sérgio/Glauber, que viria a acontecer também em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1968), a música já exercia um papel narrativo nos filmes do baiano. Exemplo está em Barravento, primeiro longa-metragem de Glauber, realizado em 1962.

Logo na seqüência de abertura, entre créditos e batidas de atabaque executadas por um negro sorridente e desdentado, a música (um passo de candomblé) dá indícios de que a religiosidade é um dos pontos-chaves do filme. Isso se confirma no decorrer da história, centrada na disputa entre Firmino (consciente da opressão sofrida pelos negros) e Aruã (protegido de Iemanjá).

Em Barravento, a música não se contenta a ser coadjuvante, incrementando imagens ou situações. Ela vai além, narrando. Sem vergonha, toma o primeiro plano, traz o subterrâneo da narração à frente. As ilustrações musicais vão desde o tradicional “Paranauê”, que dá a toada de uma roda de capoeira, até atabaques cuja execução frenética indica a convulsão de momentos.

Em um filme cuja montagem é acelerada e diálogos centrais para decifrar as entrelinhas da trama são jogados para segundo plano, a música ocupa papel de enunciadora e explica cenas. Exemplo está na seqüência final: Aruã passou, por meio da interferência de Firmino, pelo processo de tomada de consciência de classe, e resolve agir, largar a condição de submisso à religião e lutar para tornar-se senhor de seu destino. A trilha: “Vou pra Bahia/pra ver se dinheiro corre”.

Caetano, 25 anos depois

Em 1987, Caetano Veloso lançou seu 20° LP. Entitulado Caetano, o álbum trouxe pérolas, como José (que carrega uma tristeza típica de tragédia grega), Eu Sou Neguinha (regravada em 2004 por Vanessa da Mata) e “‘Vamo’ Comer” (acompanhado por um Luiz Melodia esbanjando pulmões).

Porém, a última faixa do álbum é Ia Omim Bum, composição de domínio público (ouça aqui). A música é uma das que compõem Barravento, de Glauber Rocha

Fabiana Cozza, 45 anos depois

Fabi, como é conhecida entre os músicos, é a nova sensação do samba paulista. Carregando o bastão do samba paulistano fortemente inspirado pelo candomblé e por ritmos caribenhos (Fabi tem uma queda pela música cubana), a cantora lançou, em 2007, o segundo CD, Quando o Céu Clarear.

Na fileira de sucessão de boas músicas trazidas no primeiro CD, O Samba é Meu Dom, Fabiana Cozza não deixou a peteca cair. O novo álbum traz sambas de roda do baiano Leandro Medina, uma regravação pulsante de Canto de Ossanha, participação de Dona Ivone Lara e uma letra de Nei Lopes e Nelson Sargento.

Mas o que liga Fabiana a Glauber Rocha? Uma das faixas do CD é Saudação para Iemanjá, também de domínio público (ouça aqui). A canção é justamente a primeira música executada em Barravento, nos créditos iniciais, quando um negro desdentado sorri e batuca.

Tanto em Fabi como em Caetano, a percussão se destaca. Na música do baiano, há o frescor de um inventivo e novato Carlinhos Brown. Na paulistana, a energia de Douglas Alonso, cria da escola de samba Camisa Verde e Branco, tradicional agremiação da Barra Funda.

Em tempo: O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, terceiro longa-metragem de Glauber Rocha, vai ser relançado na próxima sexta-feira (30/05). Restaurado pela RioFilme, teve sua primeira exibição no Brasil (após a restauração) no encerramento do Cine Ceará, em 17 de abril. Dragão deu a Glauber o prêmio de melhor diretor no festival de Cannes em 1969.

domingo, 18 de maio de 2008

O que é ficção? O que é documentário?

Sim, alguns filmes recentes têm jogado sucessivas pás de cal sobre a divisão entre ficção e documentário. A título de ilustração, definições do Dicionário Aurélio:

– ficção: “ato ou efeito de fingir”; “coisa imaginária, fantasia, invenção, criação”.

– documentário: “relativo a documentos”, “que tem o valor de documento”.

Algumas questões:

1) O Bope existe, o saco na cabeça existe, a visita do papa existe, a matança existe. Tropa de Elite é totalmente ficcional?

2) Iraq in Fragments, de James Longley, pega a história particular de uma criança nascida no país, invadido pelos Estados Unidos, e coloca sua trajetória no contexto de invasão. É documentário?

3) Jia Zhang-ke mostrou ontem (17/05) em Cannes, seu novo filme, 24 City. Traz a história de uma região que abrigou por 50 anos a fábrica estatal de armamentos da China. Agora, o lugar abriga um condomínio de luxo. É ficção?

4) Em Jogo de Cena, Eduardo Coutinho conta duas vezes as mesmas histórias: por meio de uma atriz e por meio de quem vivenciou a história. No filme, algumas atrizes se dão melhor que a própria pessoa que viveu aquilo; algumas atrizes, também, sofrem em interpretar trechos de acontecimentos. É documentário?

5) Walter Salles e Daniela Thomas mostraram ontem (17/05) em Cannes Linha de Passe, terceiro filme da dupla. O núcleo do filme é uma família composta por uma mãe que trabalha como empregada doméstica. Dos quatro filhos, um quer ser jogador de futebol; outro é motoboy e precisa pagar a moto; outro é frentista e fervorosamente crente na Igreja Evangélica; o caçula busca incessantemente o pai. Isso é ficção?

6) Michael Moore, em Fahreinheit, Tiros em Columbine e Sicko manipula as informações que obtém. É documentário?

Em tempo: Leonardo Sette, diretor do curta-metragem Ocidente, exibido em festivais como É Tudo Verdade e Cine PE, levanta a mesma questão. E vai além com algumas questões. Leia aqui.

domingo, 11 de maio de 2008

O pecado quase capital de Control

Control, cinebiografia de Ian Curtis, vocalista do Joy Division, é a estréia de Anton Corbjin na direção de um longa-metragem. Com um rico contraste em preto e branco, em parte decorrente da experiência do diretor como fotógrafo, e um roteiro que em alguns momentos beira o didatismo, o filme tem um grande mérito: a trilha sonora.

A seleção musical é muito interessante. A começar pela quase transcendental Exit, do New Order, grupo formado pelos remanescentes do Joy. Tem também um cover de Shadowplay pelo The Killers. Há um momento impagável com John Cooper Clark e seus incontáveis “fucking” em Evidently Chicken Town (um trecho: “the fucking clocks are fucking wrong/the fucking days are fucking long”).

Se o resultado narrativo do filme exagera na simplicidade (como os inúmeros takes de capas de LPs de Bowie e Iggy Pop, que indicam as influências de Ian), a trilha dá show. Tem Velvet Underground (What Goes On), um cover de The Killers para Shadowplay. Tem duas do Bowie, entre elas “Drive in Saturday”, do período glam-rock.

O momento em que canção e imagem se fundem com um resultado estético primoroso é em Transmission, música que rendeu ao Joy a primeira ida à televisão. Com uma interpretação visceral de Sam Riley como Ian, toda a confusão mental, sonora e visual do vocalista da banda está lá.

Mas a trilha de Control tem uma ausência de peso: deixou de fora She’s Lost Control. A faixa, da qual o título do filme foi retirado, concentra muito do que é o Joy – e, por conseqüência, Ian Curtis: letras depressivas, arranjos soturnos que evocam um buraco negro interior, ecos mentais e, é claro, o vozeirão down de Ian.

Um pecado quase capital.

Em tempo: She’s Lost Control está presente no filme, com cenas do momento em que Ian concebeu a letra e como foi feita a gravação. Porém, não foi incluída no CD lançado pela Warner Music. A canção ilustra, inclusive, o trailer oficial (clique aqui).

Em tempo II: o filme, distribuído pela DayLight, estréia em São Paulo dia 22 de maio, simultaneamente ao lançamento do documentário Joy Division, de Grant Gee. O filme foi um dos destaques do É Tudo Verdade, realizado em março. O trailer do documentário está no YouTube (clique aqui).

quarta-feira, 26 de março de 2008

Ennio, Dylan e as facadas do ingresso

A redação da Revista de CINEMA está indignada. Bob-quase-rouco vem para o Brasil e cobra R$ 900 do público. Os ingressos mais baratos, que custaram por volta de R$ 150, davam direito a uma confortável cadeira atrás de uma pilastra.

A moda continua. Ennio Morricone, um dos maiores compositores de trilhas sonoras do cinema, resolveu seguir a política de enfiar a faca. O concerto de terça-feira (25) em São Paulo, no qual foram executadas peças dos filmes Os Intocáveis, Era Uma Vez na América e Sacco e Vanzetti, saiu pela bagatela de R$ 700 – o ingresso mais barato. O melhor lugar custou R$ 1.500

O maestro, que foi homenageado em 2007 com um Oscar honorário, teve o concerto destruído pela imprensa paulistana. A Folha, com o crítico de música clássica Irineu Perpetuo, chamou-o de “kitsch”. O Estadão, na voz de Antonio Gonçalves Filho, disse que Morricone estava mais “atento às notas bancárias” às musicais. Luiz Carlos Merten, crítico de cinema do mesmo veículo, chamou o espetáculo de “decepcionante, para dizer o mínimo”, especialmente se comparado com a apresentação no Rio de Janeiro ano passado.

Em tempo: falando em trilhas, Johnny Greenwood, guitarrista do Radiohead, deu um show na trilha de Sangue Negro. O conjunto de cello, violino e piano fez tudo, só faltou mover montanhas. Com músicas instrumentais profundas e soturnas, faz o ouvinte mergulhar num universo de sensações.

Em tempo II: Com uma linha completamente diferente, Juno reúne folks "fofinhos". Todas as músicas são marcadas pelo violão, com letras também "fofinhas" e cantadas de maneira sublimamente "fofinhas". Algo como: "Se eu fosse uma flor/livre e solta no ar/tudo que eu gostaria/é que você fosse minha doce abelha". Que meigo!

Crédito da foto: Ciete Silverio