Devo ao montador e documentarista Emmanuel Laurent, que lançou agorinha no Brasil “Godard, Truffaut e Nouvelle Vague”, a descoberta do cinema de Jacques Demy, de “Lola” e “Duas Garotas Românticas”.
Na entrevista que fiz há mais de um mês, não resisti em perguntar quem era seu preferido, Godard ou Truffaut? Nenhum dos dois, era justamente o Demy. “Pelo uso extraordinário da música em seus filmes”. Peguei “Lola, A Flor Proibida”, lançada numa cópia captrichada, pra ver.
Pois é, o uso da música é realmente extraordinário. Não exatamente pela seleção de canções, mas como elas não só dão o clima da cena, mas expõem as sensações e humores dos personagens. É mais um mecanismo narrativo, que substitui diálogos e complementa a câmera.
No começo do filme, não sabemos sobre o que é a história e quem é a tal Lola. Pois bem, numa magnífica sequência, somos levados por um marinheiro ao cabaré El Eldorado. Lá ele (quer dizer, nós) encontra Lola. Numa música, que a atriz Anouk Aimée rebola e mexe com sensualidade, descobrimos inteiramente a essência daquela mulher.
Pronto! Sem muito esforço, bla bla bla ou enrolação. Mensagem dada que justifica os acontecimentos da moça ao longo do filme.
Só que não para por aí. Na verdade, a sensação é a de que a mise en scène se constroi toda baseada nas músicas – nem sempre cantadas. As entradas e saídas dos personagens, sua relação com o espaço e com outros personagens seguem o som que está ao fundo. Isso dá um ar de leveza (ou tristeza) pra temas sérios (ou frívolos).
“Lola” é um filme triste, pois a felicidade não se oferece a todos. A alegria de uns causa a tristeza de outros tantos. Mas no fim do filme, não parece que assistimos a algo triste... Fala-se de abandono e amor sem adotar um tom catastrófico.
Uma última observação: No filme, Lola é vivida por Anouk Aimée. Ela é extremamente sensual, independente, altiva, altiva, amorosa, uma mulher com vida e real. Completamente o oposto de quando faz os filmes de amor de Claude Lelouch, como “Um Homem e uma Mulher”. Impressionante como um diretor pode despertar muitas coisas numa atriz.
Em tempo: Na aula do Inácio, vimos “Ganga Bruta”, com seus problemas e qualidades. Mas, como a cena no filme de Humberto Mauro se organizava a partir da música me fez pensar muito em “Lola”. Preciso desenvolver isso melhor.
sexta-feira, 25 de junho de 2010
sábado, 5 de junho de 2010
Shadows e Veludo Azul ou os filmes em seu tempo
Dizer que certos filmes são datados pode ser bom e pode ser ruim. Peguei dois filmes para ver em sequência, “Veludo Azul” (de David Lynch) e “Sombras” (de John Cassavettes), num momento que estou lendo “Como a Geração Sexo-Drogas-Rock’n’roll Salvou Hollywood”, de Peter Biskind. Muito legal ter feito as três coisas juntas.
Lá no livro, Biskind faz um histórico do grupo Penn-Scorsese-Coppola-Hopper-Fonda-Nicholson-Lucas-Spielberg-Altman e alguns coadjuvantes. No ponto da leitura que estou, fala sobre essa Nova Hollywood, que criou novos meios de produção burlando o esquema de estúdios.
Biskind diz que Easy Rider (Sem Destino) escancarou a passagem pela qual Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas já havia atravessado. Mas a experiência mais remota de filme independente desde que a produção dos estúdios se consolidara, segundo os próprios cineastas, é o filme de Cassavetes.
Creio que ele, quando fez Sombras, em 1959, não estava pagando tributo à teoria do auteur criada pelos franceses da Carrier du Cinéma. Mas o filme é completamente autoral.
Cassavetes responde ao cinema de seu tempo. Nos anos 50, Hollywood ainda estava empolada e creio que seus grandes diretores eram Alfred Hitchcock, John Ford e Howard Hawks. Diretores sofisticados, que criaram convenções (especialmente o Senhor Suspense), mas também presos ao começo, meio e fim. De repente, vem um cara falando de uns freaks de Manhattan, sem uma história muito definida ou diálogos estabelecidos, improvisando do começo ao fim, a ponto de, numa cena em que o irmão vai viajar e se despede da irmã, assistimos à seguinte conversa:
- Hey, what’s the matter?
- Hmm... I forgot your toothbrush
Tá na cara que a atriz chutou esse “eu esqueci sua escova de dentes” com a primeira coisa que veio à mente. Assim é Sombras: cenas que servem de metáfora sobre o velho cinema correndo atrás do novo, mas perdendo o fôlego no meio do caminho. Filmes baratíssimos, com gente sem muita experiência.
Sombras é sim uma resposta ao seu tempo, um filme que, mesmo sem ser explicitamente metaliguístico, também o é a partir que se posiciona, na forma, em relação ao que vinha sendo feito. Só que o filme de Cassavetes fica, não apenas como puro exercício de cinefilia, mas pela surpresa de um filme que busca a força dos sketchs – algo que hoje existe no cinema de Elia Suleimani.
O que tem David Lynch a ver com tudo isso? Voltando ao cinema de autor, Veludo Azul saiu em 1987. O sonho da Nova Hollywood já tinha acabado, cineastas tentavam sobreviver sem perder seu toque no filme, enquanto a indústria produzia uma enxurrada de musicais sem graça, a gangue dos “Flashdance”.
De repente, vem um cara fissurado em meditação falar de imperfeições, rodar com pouco dinheiro e, de quebra, dizer ao produtor que queria controle total no corte final do filme. Parece história da Nova Hollywood, né? Mas não, é isso que está por trás do filme de David Lynch.
Eu acho Veludo Azul um porre, simplesmente porque é um filme que não sai do estágio de um plot. Numa cidade pacata, um jovem descobre uma orelha cortada que, acidentalmente, o leva a descobrir que, por trás da calmaria, está um mundo perverso e pervertido.
E daí? Por 121 minutos, o filme ameaça sair de seu ponto inicial, mas não avança. Tem lá sua estrutura, diálogos completamente banais e corre atrás de seu próprio rabo o tempo todo. Eis que chega Pauline Kael, da revista New Yorker, pra resgatar o filme e apontar como havia ali a marca de um diretor e a busca por um cinema mais provocador.
O que me leva a pensar o seguinte: em termos de cinema americano, os anos 80 estavam tão pobre assim a ponto de Veludo Azul ser saudado como uma obra de arte sobre as taras humanas? As opções eram tão poucas que, só pelo fato de Lynch ter arriscado, já merecia rios de elogios?
Pô, então o auteur dos anos 80 é infinitamente inferior ao dos anos 60 e 70! Porque, falar que Veludo Azul é bem filmado não é elogio, mas obrigação de Lynch. Falar que a fotografia está bonita ou a trilha bem escolhida também é obrigação de quem quer contar uma história. Talvez a marca de Lynch esteja justamente no veludo azul vestido pela bela Isabella Rossellini: lindo e completmente vazio, mesmo que tenha tentado falar de gente real.
Em tempo: voltando a Cassavetes e a cena de despedida dos dois irmãos na estação de ônibus, não consigo responder em cima do que ele improvisou, qual foi o clima da cena que ele propôs aos atores. Não é um plano-sequência, mas sim vários planos cortados, que dão a impressão de que a cena foi refeita.
Lá no livro, Biskind faz um histórico do grupo Penn-Scorsese-Coppola-Hopper-Fonda-Nicholson-Lucas-Spielberg-Altman e alguns coadjuvantes. No ponto da leitura que estou, fala sobre essa Nova Hollywood, que criou novos meios de produção burlando o esquema de estúdios.
Biskind diz que Easy Rider (Sem Destino) escancarou a passagem pela qual Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas já havia atravessado. Mas a experiência mais remota de filme independente desde que a produção dos estúdios se consolidara, segundo os próprios cineastas, é o filme de Cassavetes.
Creio que ele, quando fez Sombras, em 1959, não estava pagando tributo à teoria do auteur criada pelos franceses da Carrier du Cinéma. Mas o filme é completamente autoral.
Cassavetes responde ao cinema de seu tempo. Nos anos 50, Hollywood ainda estava empolada e creio que seus grandes diretores eram Alfred Hitchcock, John Ford e Howard Hawks. Diretores sofisticados, que criaram convenções (especialmente o Senhor Suspense), mas também presos ao começo, meio e fim. De repente, vem um cara falando de uns freaks de Manhattan, sem uma história muito definida ou diálogos estabelecidos, improvisando do começo ao fim, a ponto de, numa cena em que o irmão vai viajar e se despede da irmã, assistimos à seguinte conversa:
- Hey, what’s the matter?
- Hmm... I forgot your toothbrush
Tá na cara que a atriz chutou esse “eu esqueci sua escova de dentes” com a primeira coisa que veio à mente. Assim é Sombras: cenas que servem de metáfora sobre o velho cinema correndo atrás do novo, mas perdendo o fôlego no meio do caminho. Filmes baratíssimos, com gente sem muita experiência.
Sombras é sim uma resposta ao seu tempo, um filme que, mesmo sem ser explicitamente metaliguístico, também o é a partir que se posiciona, na forma, em relação ao que vinha sendo feito. Só que o filme de Cassavetes fica, não apenas como puro exercício de cinefilia, mas pela surpresa de um filme que busca a força dos sketchs – algo que hoje existe no cinema de Elia Suleimani.
O que tem David Lynch a ver com tudo isso? Voltando ao cinema de autor, Veludo Azul saiu em 1987. O sonho da Nova Hollywood já tinha acabado, cineastas tentavam sobreviver sem perder seu toque no filme, enquanto a indústria produzia uma enxurrada de musicais sem graça, a gangue dos “Flashdance”.
De repente, vem um cara fissurado em meditação falar de imperfeições, rodar com pouco dinheiro e, de quebra, dizer ao produtor que queria controle total no corte final do filme. Parece história da Nova Hollywood, né? Mas não, é isso que está por trás do filme de David Lynch.
Eu acho Veludo Azul um porre, simplesmente porque é um filme que não sai do estágio de um plot. Numa cidade pacata, um jovem descobre uma orelha cortada que, acidentalmente, o leva a descobrir que, por trás da calmaria, está um mundo perverso e pervertido.
E daí? Por 121 minutos, o filme ameaça sair de seu ponto inicial, mas não avança. Tem lá sua estrutura, diálogos completamente banais e corre atrás de seu próprio rabo o tempo todo. Eis que chega Pauline Kael, da revista New Yorker, pra resgatar o filme e apontar como havia ali a marca de um diretor e a busca por um cinema mais provocador.
O que me leva a pensar o seguinte: em termos de cinema americano, os anos 80 estavam tão pobre assim a ponto de Veludo Azul ser saudado como uma obra de arte sobre as taras humanas? As opções eram tão poucas que, só pelo fato de Lynch ter arriscado, já merecia rios de elogios?
Pô, então o auteur dos anos 80 é infinitamente inferior ao dos anos 60 e 70! Porque, falar que Veludo Azul é bem filmado não é elogio, mas obrigação de Lynch. Falar que a fotografia está bonita ou a trilha bem escolhida também é obrigação de quem quer contar uma história. Talvez a marca de Lynch esteja justamente no veludo azul vestido pela bela Isabella Rossellini: lindo e completmente vazio, mesmo que tenha tentado falar de gente real.
Em tempo: voltando a Cassavetes e a cena de despedida dos dois irmãos na estação de ônibus, não consigo responder em cima do que ele improvisou, qual foi o clima da cena que ele propôs aos atores. Não é um plano-sequência, mas sim vários planos cortados, que dão a impressão de que a cena foi refeita.
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