domingo, 29 de abril de 2012

Quando Drive encontra Sam Peckinpah

Dustin Hoffman em Sob o Domínio do Mal, de Sam Peckinpah

Quem se dedicou a analisar Drive com a devida atenção apontou as diversas influências ou citações no grande filme de Nicolas Winding Refn, que se tornou cult muito antes de estrear no circuito brasileiro – o espaço entre o prêmio de Direção em Cannes e o lançamento foi de quase um ano.

Refn assume como influência absoluta O Massacre da Serra Elétrica (1974). Eu ainda enxergo um pouco de Coppola (estrutura mafiosa), Scorsese (a trama se desenvolve em torno de um motorista), De Palma (estilização da violência) e Ferrara (intensidade das mortes). Faltou incluir nos textos que já fiz ou nas conversas que tive uma influência óbvia, mas para a qual despertei há pouco: Sam Peckinpah.

Em específico, um de seus filmes, Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1971). Mais do que um certo tratamento da violência – que está sempre na fronteira entre a crítica e o espetáculo –, existe um diálogo na natureza de como ela, a violência, participa da vida dos dois protagonistas.

Em Sob o Domínio do Medo (que me parece mais um filme sintomático dos Estados Unidos do começo dos anos 70), o pacato David Summer (Dustin Hoffman) tem sua hombridade desafiada durante todo o filme por uma família de bêbados que exerce um poder assustador sobre a vila em que moram. E como “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, David explode e deixa cair sua máscara de bom cidadão sóbrio para entrar numa espiral de matança.



O Piloto de Drive evita se aproximar da violência como o Diabo da cruz. Mas quando ela se torna inevitável, ele (vivido por Ryan Gosling) mostra uma desenvoltura assustadora no manejo dela.

Pois aí é onde esses dois protagonistas mostram ser de idêntica natureza: a desenvoltura no lidar com a morte ou o matar. Me parece que ambos são personagens com um conhecimento agudo da morte, anterior ao nosso encontro com eles no filme. A sensação é a de que já viveram a violência por dentro, quase como característica ontológica de suas existências.

Em Drive isso é mais nítido já que o Piloto flerta com o crime e a interpretação de Gosling o mantém num tom meio “don't fuck with me”. Em Sob o Domínio do Medo existe uma nuance: David nos é mostrado como um boboca, covarde e nerd. Porém, a habilidade, como já disse, no manejo da violência na parte final do filme (basta lembrar como foi arquitetado milimetricamente o grand finale) indica que aquela pode ter sido a primeira vez que o espectador a presenciou, mas não que ela existiu em David. Muito dele antes de começar o filme não conhecemos, penso eu.

Já que Peckinpah entrou na conversa, vou passar por um tópico que sempre é lembrado quando se fala sobre seus filmes: a glamourização da violência (acusação que pesa também sobre os cinemas de Tarantino e Kitano). Sinceramente, restringindo o comentário ao período de 1969-74, que inclui sete filmes, não enxergo uma ode à violência.



Primeiro porque os finais de seus filmes por vezes tem um tom pessimista. Segundo porque quem mata não é um caçador canastrão e sanguinário que se delicia com uma bala atravessando o corpo. Geralmente é um homem que o faz sob profunda tristeza e movido por uma obrigação maior (seja a lei ou a moral).

É o caso de Benny em sua jornada final em Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia, do xerife atrás do bandido simpático em Pat Garret e Billy the Kid ou do perseguidor (vivido por Robert Ryan) em Meu Ódio Será Sua Vingança. Em vez de uma glamourização da violência, vejo mais um recado de Peckinpah para o espectador, algo como “olha, eu quero te mostrar como a morte é de fato e como ela é componente ontológico do ambiente desses personagens”.

Claro que, como diretor, Peckinpah não é inocente e sua composição lírica das cenas ou o uso ostensivo da câmera lenta deixam seus filmes no limiar. Uma interpretação crítica ou cool da violência em seu cinema depende muito da bagagem do espectador. Se tem-se na frente uma audiência cujo molde de herói é o que o cinema consolidou nos anos 80 (um tipo durão sempre ao lado da lei que mata com regozijo), há o risco de traçar-se uma linha direta entre esses filmes e Peckinpah (tanto que um usuário do YouTube fez o seguinte comentário sobre uma das cenas de Sob o Domínio do Medo: "Dustin Hoffman is a damn badass in this movie. Fighting off multiple cunts while also having to deal with and protect his cunt of a wife").

Há, é verdade, brecha para uma leitura reacionária do que é mostrado nos filmes de Peckinpah, assim como há possibilidades de uma leitura crítica da própria violência. Existe uma lacuna para ambas as apropriações em seu cinema. Eu fico com a segunda.

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Drive - Crítica
Dirty Harry e Clint Eastwood: um personagem cool? 

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios - Crítica*

*Originalmente publicado no Cineclick durante a cobertura do Festival do Rio 2011.


Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios é um filme arriscado. Uma história de amor com Lavínia (Camila Pitanga), Cauby (Gustavo Machado) e Ernani (Zecarlos Machado). Na fruição pela carne, na volúpia e no desejo está sua força narrativa e tesão em captar quem assiste.

O triângulo amoroso constitui, na verdade, três partes de um mesmo ser, que se divide para se transformar em fragmentos: o corpo estonteante de Lavínia, que Camila Pitanga nos apresenta com a volúpia de Zezé Motta em Xica da Silva e com a agressividade sensual de Lázaro Ramos em Madame Satã; o olhar, a observação e a construção de Cauby, que tem em Gustavo Machado a encarnação do tipo forasteiro; a oralidade, a argumentação e a palavra do messias Ernani, com Zecarlos Machado defendendo a racionalidade.

Sentir, olhar e falar, três pedaços do eu. Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios, título quilométrico extraído do livro de Marçal Aquino, corre riscos ao assumir a busca por uma fruição pelo tato. Se buscarmos na música uma metáfora, sai a execução cerebral do piano, entra a energia do tambor e do atabaque. O vigor do filme está no ritmo sincopado.

Apenas uma história de amor

No palco do abarrotado Cine Odeon, casa dos longas e curtas brasileiros que competem na Première Brasil do Festival do Rio, os diretores Beto Brant e Renato Ciasca (Cão Sem Dono) lembraram que o filme se passa numa região de desmatamento que sofre com a presença avassaladora de madeireiras.

Informação desnecessária. Aquela cidade de conflitos políticos e econômicos está dada sem maiores apresentações. Um espaço frouxo na Lei que tem um delegado conciliador. A sensação é que o amor comum aos três personagens tem nesse cenário à deriva a definição perfeita de seu prazer e risco.




Por ser movido a fluidos, energia e desejo, Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios se desenvolve em breves capítulos. Assim sentimentos e entendemos quem é essa mulher intensa e instável, o fotógrafo forasteiro e o orador idealista. Um filme cujos breques podem até estar fora do lugar, mas que não impede a conexão ele e o espectador disposto a aceitar um filme irracional.

Camila Pitanga tem neste longa a sua prova, se ainda for necessária, de que precisa parar de perder tempo com a televisão e viver mais o cinema. Claro que muito de sua atuação cresce por conta da steadicam de Lula Araújo, com quem mantém uma dialética. Mas ela, a atriz, oferece o corpo, o olhar, o movimento, a ternura e o furacão à câmera.

Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios é imperfeito, sim, mas vigoroso e audacioso. Xamânico. Com um charme a mais: se Cauby nos lembra, obviamente, do fotógrafo de Antonioni de Blow-up – Depois Daquele Beijo, o plano final à Mônica e o Desejo nos apresenta uma Harriet Andersson amazônica. Ela se chama Camila Pitanga.

Ficha Técnica

Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios, 2011
Cotação: 3,5 de 5
Direção: Beto Brant, Renato Ciasca
Elenco: Camila Pitanga, Gustavo Machado, Zécarlos Machado, Gero Camilo
Estúdio: Drama Filmes
Distribuição: Sony Pictures

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Agradável, legal e gângster: premiado em Tiradentes na TV Brasil

“Daí eu pensei em como fazer um filme agradável, legal e gânster: Brasília, I love you”.

O que esperar de um filme cuja sinopse é essa aí acima? Dá pra esperar muita coisa porque A Cidade é Uma Só?, filme vencedor da Mostra de Tiradentes deste ano, é exatamente isso: agradável, legal e gângster.

Mas faltou acrescentar algo: político. A Cidade é Uma Só? é uma comédia política de dramaturgia difícil comparação ou classificação com o que está sendo feito no cinema brasileiro contemporâneo. Quem acompanhar a sessão de sexta-feira (20/4), às 2340, na TV Brasil, vai ter a chance de conferir que cinema crítico e humor se dão muito bem.

Adirley Queirós, o diretor, segue e constrói três personagens: um especulador imobiliário da periferia; um faxineiro que quer se candidatar a vereador pelo PCN (Partido da Correria Nacional); e uma senhora que vivenciou a exclusão da população pobre do “embelezamento” de Brasília nos anos 1970. Pano de fundo: a invenção de Ceilândia pela Ditadura Militar, cidade satélite que foi literalmente inventada (o “cei” de “Ceilândia” significa Campanha de Erradicação de Invasões). Adirley se define como “da primeira geração pós-aborto territorial”.

A Cidade é Uma Só? não foge da raia e vai para a briga: questiona a máquina eleitoral e a manipulação, o processo histórico excludente de Brasília, o discurso escroto da Ditadura Militar. Mas em vez de nos entregar um filme engessado com entrevistas de especialistas, falas emocionadas e outros bla bla bla, vemos um filme de amor e de risos.

Sua dramaturgia dá um drible em quem fica preso nas denominações de documentário e ficção. Não se sabe muito bem o que é encenação orquestrada ou espontânea. Também isso não importa porque em A Cidade é Uma Só? é tudo verdade, mesmo que quase tudo seja mentira. Mas não vou entregar mais do que isso para não estragar a surpresa.

O que reitero é esse poder que o filme tem de ser crítico, mas não sisudo. Ora se apoia inteiramente no seu personagem mais carismático, Dildu, o candidato a vereador, dono de um jingle maravilhoso (“Vamô votá, votá legal, 77223 pra Distrital. Dildu!”). Ora concentra a força da crítica em planos de rara beleza cinematográfica (o próprio encontro de Dildu em sua campanha isolada com a máquina eleitoreira profissional, personificada por um gigante carro de som, assim como a caminhada do cavaleiro solitário num cenário descampado de desolação).



A Cidade é uma Só é uma pequena contribuição ao cinema brasileiro que se assume como crítico. É possível colocar em debate e questionar o passado ou o presente sendo, sim, muito agradável, legal. E gângster, se possível.

Em tempo: quem já assistiu ou vier a assistir ao filme pode buscar comparativos dramatúrgicos tanto com O Céu Sobre os Ombros quanto Avenida Brasília Formosa. Faz sentido, sim, mas o filme de Adirley tem um humor crítico que não vejo muito nos outros filmes. E disso eu gosto demais.

Em tempo 2: a sessão em Tiradentes foi lindíssima, uma das mais eletrizantes que já presenciei em festival de cinema. Cine Tenda lotado embarcando no filme e entoando o jingle de Dildu no final. OK, emocionante, mas tenho um pouco de receio se quem embarcou na comédia da superfície deixou de perceber o que está por baixo. O mesmo medo que tenho com o “agridoce” de As Neves do Kilimanjaro.

As Neves do Kilimanjaro: um filme agridoce sobre o mundo do trabalho

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Morrem Paulo Cezar Saraceni e Adriano Stuart



Fiquei desconectado por dois dias e descubro que, além do jovem Festival de Paulínia, o cinema brasileiro perdeu duas figuras realmente de peso: o diretor e roteirista Paulo Cezar Saraceni e o diretor e ator Adriano Stuart.

Saraceni aos 79 anos, bastante doente (estava há oito meses internado por conta de um AVC), ainda teve um sopro de reconhecimento quando, em 2011, foi homenageado pela Mostra de Cinema de Tiradentes. Stuart, aos 68, faleceu vítima de parada cardíaca, andava um pouco sumido - o último filme que fez foi A Encarnação do Demônio (2008), de José Mojica Marins.

De Saraceni, fico com o impacto da beleza de seus primeiro filmes, o curta-metragem Arraial do Cabo (1959) e o longa Porto das Caixas (1962). Se me chamassem para falar de como o cinema pode ser poético, automaticamente mostraria cenas desses dois filmes, que são poéticos de um jeito que o cinema brasileiro conseguira ser até então só com Limite (1930).

O fluxo de poesia de ambos os filmes colou em mim de tal maneira na exibição em Tiradentes que me levou a escrever o seguinte:

Num filme correto, o fotógrafo auxilia o diretor a realizar os planos e criar uma ambiência de imagem. No caso de Porto das Caixas, não seria exagero afirmar que Mário Carneiro é cocriador ao lado de Saraceni. O trabalho belíssimo de iluminação, que joga os personagens num escuro da alma avassalador, emana uma falência humana paralela à pulsão pela vida.


Liberdade e prisão andam parelhas nesse filme. Chegar a um estado isento de coação pode implicar ultrapassar a linha da dignidade ou um criar uma prisão. É como se o Raskolnikov de Crime e Castigo, de Doistoiévski, fosse dividido entre a personagem da mulher e a do amante (Cláudio Cavalcanti).

Saraceni morreu sem conseguir lançar seu último filme, O Gerente, exibido na abertura da mostra mineira. Hábil em provocar amores ou ódios, o longa criou seu séquito de defensores ou detratores apenas com a projeção em Tiradentes e posteriormente foi destrinchado em dois textos críticos da revista Filme Culturaum positivo, outro negativo.

Ney Latorraca, o comedor de dedos das mulheres em O Gerente, adaptação de Drummond

No debate em Tiradentes, Julio Bressane disse, com a perspicácia que lhe é habitual, que já não havia mais espaço para o tipo de cinema que Saraceni fazia. Este demanda um movimento do espectador em direção ao filme, de que nós saiamos da nossa mediocridade comum para caminhar rumo ao filme. Sobre O Gerente, fez uma leitura inteiramente filosófica que que obviamente impressionou a todos.

É o mesmo cenário que aponta o crítico Inácio Araújo.

O que fazia vivo, ainda, era incomodar um pouco. Seus filmes não interessavam à Ancine, ao MinC, ao público chic. Esse público que, ao ver O Viajante, durante a abertura de uma mostra de melhores do ano promovida pelo Sesc, deixava a sala. Estava diante do, provavelmente, mais belo filme brasileiro desde os anos 90 do século 20, mas não sabia reconhecer.

Stuart, o hitmaker

Dos filmes de Adriano Stuart como diretor tenho uma memória muito vaga. Seus maiores sucessos foram os filmes dos Trapalhões (Stuart e J.B.Tanko foram os que mais filmes fizeram com Didi Mocó e companhia).

Vale lembrar que na lista das 20 maiores bilheterias do cinema brasileiro de todos os tempos (relação que é liderada pelos 11 milhões de especctadores de Tropa de Elite 2), Stuart dirigiu um quinto dela. Juntos Os Trapalhões na Guerra dos Planetas (1978), O Cinderelo Trapalhão (1979), O Rei e os Trapalhões (1980), Os Três Mosqueteiros Trapalhões (1980) e O Incrível Monstro Trapalhão (1981) somam 22.792.926 milhões de espectadores.



Além desses números assombrosos, o que permanece com mais força é a imagem de Stuart como ator, especialmente dos filmes de Ugo Giorgetti. Sua presença tanto em Boleiros – Era uma Vez o Futebol tanto Boleiros 2 – Vencedores e Vencidos é hilária. Há também Festa, é preciso não esquecer.

Em dois dias, sábado e domingo, o cinema brasileiro perdeu gente boa demais.

Em tempo: a foto principal que ilustra este post foi carinhosamente roubada do Facebook de Carlão Reichenbach.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Festival de Cinema de Paulínia: o fim da linha

Em dia de reestreia de um filme-catástrofe (Titanic), a catástrofe aconteceu nos bastidores do cinema. O Festival Cinema de Paulínia, que em quatro edições se consolidou como o mais poderoso evento pra exibição de filmes no Brasil, está oficialmente cancelado.

O anúncio foi feito na manhã desta sexta-feira 13 durante coletiva de imprensa realizada na cidade. A notícia já se espalhou pelas redes sociais. As justificativas oficiais são de "maior investimento no social", segundo a nota enviada pela assessoria de imprensa da prefeitura.

Nos bastidores, porém, comenta-se o óbvio: questões políticias de um ano eleitoral estão por trás do cancelamento.

O cancelamento de um festival que se tornou janela importante em pouco tempo e no ano passado distribuiu um total de R$ 800 mil em prêmios mostra o óbvio: política cinematográfica no Brasil é tão volátil que qualquer revoada leva.

Nos bastidores, comenta-se que há um cálculo político por trás do cancelamento. O atual prefeito, José Pavan Júnior, vai concorrer nas eleições deste ano com Edson Moura, prefeito até 2008, ano em que o festival foi criado e o pólo investidor estabelecido. Comenta-se que, como o festival é uma nobre vitrine, nos debates eleitorais ele serviria de argumento para legitimar ou deslegitimar um ou outro candidato.

Em fevereiro, porém, na reportagem do amigo João Nunes, crítico e jornalista baseado em Campinas, Pavan Júnior afirmou que não haveria cancelamento [leia a íntegra aqui].

Nos últimos 24 anos, Pavan Júnior e Edson Moura se alternaram no cargo de prefeito, à exceção do período entre 1997 e 2000, quando Adélsio Vedovello exerceu o cargo. Ao todo, Moura governou por três mandatos e Pavan Júnior por dois.

Em 2009, Pavan Júnior foi caçado sob acusação de compra de votos, corrupção e abuso de poder econômico -- irônicamente, enquanto almoçava com a imprensa que havia ido à Paulínia cobrir o festival. 

Tão logo o anúncio foi oficializado, começou uma conversa nas redes sociais buscando uma mobilização para evitar o fim do festival. Quanto ao Pólo de Cinema - estrutura montada para receber filmagens e os editais para longas e curtas - as informações ainda são desencontradas sobre seu futuro.

André Dib, jornalista e crítico de cinema baseado em Recife, também publicou uma interessante matéria comentando a instabilidade do circuito de festivais em 2012 a partir do anúncio dos selecionados do Cine PE [leia aqui]

A Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) lançou na tarde desta sexta-feira uma carta aberta ao prefeito da cidade [leia a íntegra aqui]. "Como cidadãos, entendemos a construção de moradias populares, e o investimento em educação, saúde e meio ambiente deveriam mesmo ser prioridades constantes de qualquer municipalidade, e não apenas em anos eleitorais".


Textos relacionados:
Febre do Rato fatura principais prêmios do Festival de Paulínia
Qual o rumo dos festivais?

Titanic 3D - Revisão crítica


Titanic: Kate Winslet como a musa de Leonardo DiCaprio na segunda maior bilheteria da história

– É acachapante!
– Claro que é! Afinal, nós somos da elite, meu bem.

O diálogo que Rose, a heroína de Titanic, trava com Cal, seu noivo, algoz e vilão, fala de um certo diamante que ela acaba de ganhar dele. Mas bem que serviria para ilustrar uma conversa a respeito do próprio filme, um diálogo entre James Cameron respondendo ao espectador um tanto que estatelado com a magnitude do filme. Sim, Titanic é acachapante e Cameron faz parte da realeza (cada vez mais exígua) dos diretores de superproduções que têm a sofisticação como uma das ferramentas.

Quinze anos depois, o filme que tornou Celine Dion conhecidíssima (como esquecer os irritantes versos “Yoooooou're heeeeere, there's noooooooothing I feeeeear”?) volta aos cinemas e convertido em 3D. Vê-lo em Imax, tal qual foi exibido na sessão para a imprensa, me parece o modo adequado de vivenciá-lo, ainda mais para quem cresceu vendo-o na telinha.

Vamos direto ao que interessa: Titanic é um baita filme! Que Cameron é regente do espetáculo já ficou comprovado pelo o que ele viria a fazer depois. O que a revisão do filme relembra é que, diferentemente de um Michael Bay, ele domina a gramática cinematográfica. Observado com o conforto da distância, é possível dizer com folga que Titanic é um show de trânsito entre gêneros e reflete uma consciência total da tradição do cinema americano.

Continue lendo a crítica de Titanic na Revista Interlúdio.

Leonardo DiCaprio, diferentemente de sua parceira de romance cinematográfico, não foi indicado ao Oscar



quinta-feira, 12 de abril de 2012

As Neves do Kilimanjaro: a França em discussão

As Neves do Kilimanjaro é um baita case de como fazer um filme sobre o mundo do trabalho ser assistido por senhoras conservadoras em sessões de início de tarde embaladas por uma canção idílica.

Perspicácia é o que não falta a Robert Guédiguian, diretor e corroteirista deste filme francês que estreou no Brasil na sexta-feira passada (6/4). Sobra-lhe inteligência para trazer aquilo que Theo Angelopoulos chama de a Grande História para o cotidiano, para a vida do homem médio, estabelecendo assim o diálogo (empático ou antipático) entre personagem/espectador.

Tem-se neste filme de crise a França contemporânea em discussão, com ecos comuns a outros países europeus. Guédiguian é muito esperto na abordagem e vai num registro de cinema universal (filme de amor) para propor uma discussão político-econômica. É a mesma inteligência que Scorsese tem com A Invenção de Hugo Cabret que, como bem definiu o crítico e cineasta Kleber Mendonça Filho, “é um filme sobre preservação de arquivos” travestido de aventura juvenil para toda a família.

As Neves do Kilimanjaro (não parece título de filme fofinho e idílico?) é o homem francês cinquentão colocado num divã coletivo: de que serviu a nossa atuação política se hoje o arroxo neoliberal não estende o Estado de Bem-Estar Social para as jovens gerações que entram no mercado de trabalho?

Há, então, um abismo de gerações. De um lado, os cinquentões que fizeram o arco militância-pequena burguesia consciente socialmente; de outro, os que estão perto dos trinta e descobrem um mundo do trabalho bem menos amigável e questionam se foram de fato conquistas as que seus pais fizeram.



É necessário um traumático assalto para que esse abismo venha à tona, a calmaria se dissipe e apareça a questão: é vencedora ou derrotada a geração representada pelo personagem coroa de Jean-Pierre Darroussin? Qual é a melhor forma de ler a sequência inicial, em que frases de luta (“unidos venceremos”) estão inseridas num cenário de derrota? Qual derrota é maior, dos velhos ou dos jovens?

Traduzindo, discussão político-econômica, divã de gerações, filme de crise. Mas Guédiguian faz isso trazendo para o núcleo elementar, a família. Fala de amor, amizade e culpa no meio do caminho. Com isso, vai tocando uma grande discussão sobre como a geração das greves da França se veem. O tal roubo que acontece no filme é o combustível a impulsionar a reflexão.

As Neves do Kilimanjaro é um filme sobre o mundo do trabalho travestido de filme de amor e relações.

E a essência de tudo isso está na canção abaixo, que dá nome ao filme. É um típico exemplar de cancioneiro francês. Um comentário irônico sobre esse tal lugar que vai te envolver como uma manta branca onde você poderá dormir logo. Seria a França ainda esse lugar? Melhor: ainda existe esse lugar?

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O deputado de Tropa de Elite 2 vai às urnas

Irandhir Santos como o Deputado Fraga em Tropa de Elite 2


Marcelo Freixo (PSOL-RJ) é pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro e deve ser oficializado em breve como candidato nas eleições que virão. A informação é da Carta Capital em matéria assinada por Francisco Alves Filho [leia a íntegra aqui].

No cenário político carioca dominado por conchavos, assim como o paulistano, trata-se claramente de uma iniciativa interessante, de um tensionamento bem-vindo. Marcelo Yuka – sim, o músico, recentemente retratado no documentário No Caminho das Setas, de Daniela Broitman – será seu candidato a vice.

Você pode nunca ter ouvido falar de Freixo, mas certamente o viu. Fraga, o personagem de Irandhir Santos em Tropa de Elite 2 – Agora o Inimigo é Outro, é abertamente inspirado no deputado carioca, militante de longa data pelos Direitos Humanos, figura carimbada em política carcerária.

Numa das conversas que tive com Irandhir em 2010, ele, ainda um tanto receoso pela popularidade que um blockbuster como Tropa de Elite havia lhe dado, contou que passou muito tempo observando Freixo. Não chegou a entrar na versão final da matéria [leia aqui], mas lembro de Irandhir comentado que não fez muitas perguntas a Freixo, apenas conviveu com ele, presenciou a figura de mediador do militante carioca, seus gestos e maneirismos da fala.



Para qualquer um que viu Tropa de Elite 2 fica óbvio que Irandhir fez um grande trabalho na pele de Fraga/Freixo. Só que o cara é tão bom que este personagem ainda é superado pelo trabalho do ator pernambucano em Febre do Rato (de Cláudio Assis, ganhador do Festival de Paulínia, ainda inédito), do homem perdido e apaixonado de Baixio das Bestas ou do homem sem corpo de Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo.

Irandhir é um ator tão talentoso e atencioso (o diretor Kleber Mendonça Filho costuma dizer que ele é ator que entende de cinema) que até mesmo em filmes medianos (A Hora e a Vez de Augusto Matraga ou O Senhor do Labirinto) sua presença não passa despercebida.

Acompanhemos, então, como será o Fraga/Freixo nas urnas cariocas.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O abismo no cinema de Cassavetes: A Woman Under the Influence

Gena Rowlands livre e se jogando no abismo

Há algo que parece se perder de um filme do Cassavetes a partir do momento que tentamos elaborar, com a escrita, a experiência de assistir a esse cinema que tanto se baseia na fruição sensorial, no tato dos corpos. Tudo em seus filmes é muito intenso dum jeito que, se buscarmos desvendar seus métodos, até “estraga”.

Mas não tem jeito, é uma tentação de quem ama o cinema entender e elaborar o porquê de uma paixão. Eu amo Cassavetes e não esqueço a primeira vez que tive um caso com um de seus filmes, Shadows, que me causou um susto gigantesco com aquele começo, que mais se parece com o meio de um filme, de música frenética: a sensação é que entramos na sala com a sessão já iniciada.

Meu novo caso de amor é a biografia crítica escrita por Thierry Jousse. Ela que me despertou a vontade de ver mais filmes de Cassavetes e, de um jeito muito simples, demonstra como é possível conciliar a elaboração racional do método com a paixão de ver os filmes.

Apesar de ainda achar que Faces, quarto longa-metragem dirigido por Cassavetes, é o que mais brilha em sua filmografia, estou com vontade de falar de um filme que difere um pouco da primeiríssima fase de sua obra: A Woman Under the Influence, a história de uma família desequilibrada lutando para equilibrar-se, mesmo com todos os indícios de que isso será impossível. Um casal que briga para passar o vernil da normalidade.

De cara, há uma diferença brutal: a cor, em contraste com o preto-e-branco de Faces ou Shadows. Enquanto nos outros filmes a atenção do espectador se concentra muto mais na proximidade dos corpos, a cor (não só ela, mas é sim uma das razões) convida nosso olhar para o cenário – sem contar que a iluminação não é tão estourada, provocando uma outra percepção do corpo inserido no espaço.


Nesse Cassavetes de 1974, algumas características fundamentais de seu cinema estão mantidas. Em especial, a comunidade, o bando, seja a família que divide laços sanguíneos ou uma irmandade improvisada – e quem detecta isso não sou eu, mas Jousse num trecho dedicado exclusivamente a analisar como Cassavetes foi o cineasta que mais levou a ideia de comunidade à realização cinematográfica.

Desde Shadows, seus filmes são experiências muito intensas, cheios de carga dramática, com muitas idas e vindas. No começo da carreira, a câmera e a montagem foram os principais artifícios para construir essa linguagem imediata e a sensação no espectador de que tudo-está-acontecendo-nesse-momento-aqui-na-sua-frente (tendo o ator como veículo do discurso). Sequências longas em que é impossível deduzir para onde cada cena vai caminhar.

Com A Woman Under the Influence há um leve desvio de rumo. Tanto a câmera inebriada e inebriante, colada nos atores e em suas peles (aquilo que Selton Mello tentou citar em Feliz Natal), está mais distante. Ela não abandonou os corpos febris, mas deixou que os sentimentos viessem para fora, como numa avalanche, pelo talento dos atores que enquadra.

Basta olhar para a exterioridade do trabalho de Gena Rowlands neste filme. Tudo é para fora. Os sentimentos são genuínos, vêm de dentro, mas são vomitados na cena. Enquanto nos outros filmes  a montagem era parte fundamental da apresentação do trabalho dos atores, em A Woman Under the Influence há mais espaço para um desenvolvimento mais duradouro dos gestos.

Nos primeiros filmes, Cassavetes capta especialmente fragmentos. Neste filme, os instantes fugazes são elevados à décima potência – afinal, é um filme do desequilíbrio ontológico de uma família.




Último aspecto a comentar brevemente dos filmes de Cassavetes: o imprevisível. OK, dizer que o espectador não sabe para onde o filme caminha até o seu desfecho pode ser um tremendo de um clichê. No caso de Cassavetes, a sensação de urgência é mais intensa. Isso porque além de não se ter, como espectador, a mínima noção de qual será o rumo do filme, há o medo típico de quem está à beira do abismo porque não se sabe sequer como cada cena vai terminar, dada a quantidade de coisas e viradas que cada unidade tem.

Volto, então, ao começo deste texto: talvez seja por isso que algo automaticamente se perde quando se elabora, na escrita, sobre a experiência de ver um Cassavetes. A elaboração já não é feita à beira do abismo, mas no conforto de ter sobrevivido à experiência.

Textos relacionados:
Shadows e Veludo Azul: os filmes em seu tempo

Dossiê É Tudo Verdade



Já está lá no Blog Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), da qual faço parte, um dossiê dedicado a refletir sobre alguns aspectos do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, encerrado em São Paulo e Rio de Janeiro no último domingo.

Convido os leitores a acompanharem dois posts diferentes. O primeiro, com o qual contribuí traçando paralelo entre dois filmes que competiram pelo prêmio principal, é focado na Mostra Competitiva Brasileira - que foi vencida, com muitíssima justiça, por Mr. Sganzerla - Os Signos da Luz.

Já o segundo sobrevoa longas estrangeiros, com destaque para mais um Werner Herzog (Ao Abismo).

Lembrando que neste ano de 2012 é a primeira vez que a Abraccine organiza o Júri da Crítica (integraram o grupo Andrea Ormond, Carlos Eduardo Lourenço Jorge, Cid Nader, Luciano Ramos e este escriba aqui).

Boa leitura!

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Calafate, Zoológicos Humanos mostra ciência avalizando discurso predatório