sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Novo endereço do Urso de Lata

O inevitável: depois de cinco anos usando a limitada plataforma do Blogspot, chegou a hora de migrar o Urso de Lata para o Wordpress, que oferece zilhões de possibilidades pra quem manja um pouquinho só de HTML. Este é o novo endereço: www.ursodelata.com (sim, domínio próprio!).

A navegabilidade está melhor. O layout está menos escabroso do que o do Blogger. E uns 90% dos posts originalmente publicados aqui foram importados para o novo endereço (manterei esta versão do blog ainda no ar por um tempo).

Te vejo na nova casa.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Um Estranho no lago



Gostaria de me ater mais pausadamente sobre Um Estranho no Lago, o primeiro filme de Alain Guiraudie a estrear formalmente no circuito brasileiro (ainda que seja uma estreia para lá de discreta, em apenas uma sala -- Reserva Cultural -- em São Paulo).

Mas o tempo é escasso, especialmente porque até sexta-feira, 20, ministro o curso Panorama do Cinema Brasileiro no CineSesc da Augusta. Gostaria de comentar com mais vagar o quão existencialista esse filme me parece, a despeito das "pirocas ao vento", como brincou Inácio no derradeiro post de seu blog.

Indico-lhes, pois, dois textos que, penso, dá conta de aspectos distintos do filme de Guiraudie. O primeiro é de Marcelo Miranda para a querida Revista Interlúdio [clique aqui e leia]. O segundo é o de Fábio Andrade para a Cinética [clique aqui e leia].

E, por favor, vá ao cinema assistir Um Estranho no Lago antes que seja chutado de cartaz.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Azul é a cor mais quente

Fui assistir ao filme de Kechiche, que já chegou ao Brasil cercado de expectativas. Primeiro problema: aguardei durante as três horas surgir o tal grande filme. Só encontrei um filme sólido, com clareza de interesses, momentos belos e outros bastante questionáveis. Enfim, aos que gostam de cotação: um três estrelas.

Clareza de interesses: Azul é a cor mais quente está todo estruturado na ausência de distanciamento entre a câmera e a personagem, Adèle, a encantadora menina em sua jornada de saída da infância e da adolescência para os primeiros passos na vida adulta. Ao colar a câmera na atriz incessantemente está explícito: teremos de enxergar e sentir o mundo tal como Adèle. Ela é, pois, nossa porta de entrada para o mundo. Não nos é dada muita possibilidade de respiro fora dos poros de Adèle. Na verdade, o ar que respiramos no filme vem sempre repassado de seus pulmões.

Momentos belos: o sexo é de uma beleza absurda em Azul é a cor mais quente. Minha sensação é que até esse filme chegar eu jamais tinha vivido uma representação cinematográfica autêntica do orgasmo feminino. Acho ainda mais curioso que o responsável por isso seja um diretOR, não uma diretORA.

Nessa falta de distância personagem-câmera-espectador, me soam muito bonitas as duas longas sequências em que Emma, se solidificando como pintora, é o centro das atenções (numa festa no jardim e numa vernissage). Adèle, ao mesmo tempo pertencente (porque companheira de Emma) e estrangeira (porque não é artista) à aquele mundo, está perdida. Na primeira, o que lhe resta é perguntar incessantemente “quer mais macarrão?”; na segunda, a atitude mais digna é assumir a derrota.



Fora isso e uma evidente capacidade olhar Adèle (especialmente no capítulo 1, quando ela está descobrindo o que é crescer), só vejo um filme correto e sólido – estão lá as necessárias elipses e o cuidado em escolher os intervalos certos para se recortar e apresentar ao público ou o amálgama da câmera com as personagens.

Há as escolhas questionáveis também: filmar no contraluz é tão arriscado quanto usar violino em trilha sonora, pois a chance de desandar é gigante. E quando Kechiche filma um beijo com a luz do sol estourando entre os lábios das meninas eu já acho um pouco boboca demais. Infantil também é voltar ao parque onde tudo começou e que agora guarda rastros de melancolia; ou terminar com aquele plano para lá de previsível; ou o maniqueísmo fácil dos pais de Emma serem liberais, enquanto os de Adèle são os conservadores.

[Quem leu o texto até agora não encontrou uma vez sequer a palavra “polêmica”. Simples: ela não existe. A maneira que o filme foi circundado e acusado de polêmico ou a prisão ao jornalismo declaratório, que ficou levando a troca de farpas entre diretor e atriz no tom “ele me explorou”-“ela quer tirar vantagem”, só vem a ilustrar o vazio do debate cultural].

Até agora, li duas críticas de Azul é a cor mais quente. Ambas escritas por quem gostou muito do filme. A primeira de Carol Almeida [clique aqui e leia], que faz uma defesa do filme sob o ponto de vista de quem embarcou. A segunda do Inácio Araújo [clique aqui e leia], que defende o filme por sentir que ele responde a uma inquietação que é cara ao crítico: a tendência do cinema contemporâneo se isolar do mundo.

Acho o texto da Carol bonito, leitura complementada na conversa que tivemos. Mas como ela fala de um lugar de quem embarcou, o diálogo vai só até certo ponto. Já o do Inácio fala de uma questão que também me interessa, mas não acho que esse mérito do filme (lidar com o real, mostrar em vez de demonstrar) o torna grande, apenas interessante e respeitável.

Talvez numa revisão aconteça o encantamento que não veio num primeiro contato. Porém, sintoma de que o filme não bateu em mim, sequer me animo de fato a revê-lo. Se tivesse odiado, o faria; como só achei bom, vou priorizar outras revisões – Bressane – ou a primeiros contatos – Guiraudie, Lina Chamie.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Em breve, Educação Sentimental


Julio Bressane é um dos poucos realizadores brasileiros que, quando tomamos conhecimento de um filme novo seu, desperta a ansiedade por vê-lo, revê-lo. Pois os filmes de Bressane provocam algo raro: a necessidade de deslocamento do espectador em direção ao filme. Mais: a obrigação em reter o filme, continuar elaborando-o muitos dias após a sessão; assistir novamente, descobrir o que esteve oculto na primeira sessão, decodificar racionalmente um encantamento inicial do sensível.

Estreia nesta sexta (6/11) Educação Sentimental [atualização: estreia adiada para 13/12], que recentemente passou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - para mim, um dos três melhores longas do festival ao lado de Cães Errantes, de Tsai Ming-Liang, e Tatuagem, de Hilton Lacerda. Nele Bressane elabora duas coisas do passado: uma certa maneira de se relacionar com a cultura (especialmente a leitura) e com o amor (prefere-se o mistério e a sugestão à exposição); algo que se perde: a película, essa espécie em extinção.

A matéria do amigo Paulo Camargo [clique aqui e leia], misto de entrevista com o realizador e apanhado de impressões a respeito do filme, capta precisamente o que é Educação Sentimental. Recomendo também aos que já assistiram/assistirão ao filme e buscam uma leitura complementar de forma a dialogar percepções distintas as críticas de Sergio Alpendre na Revista Interlúdio [clique aqui e leia] e de Marcelo Miranda no Filmes Polvo [clique aqui e leia].

domingo, 1 de dezembro de 2013

Crô, o filme - Crítica

Quando O Segredo de Brokeback Mountain construiu sua trajetória nos cinemas brasileiros uma parte significativa do público gay abraçou o filme como sendo seu, emocionando-se com a tragédia de Jack e Ennis, sentindo-se representado com tal obra.

À parte das qualidades evidentes que o filme tem, o que nós, gays, não percebemos – ou preferimos não perceber à época – é o quão heteronormativo é o filme de Ang Lee. Recapitulemos: Jack é morto como um animal a golpes de foice que assistimos em flashes; Já Ennis experencia um outro tipo de morte, a da alma, prendendo-se numa relação de fachada com uma mulher.

No olhar do filme, Jack e Ennis – e, em última instância, o homossexual – são pobres vítimas que tentam lutar contra essa atração que se mostra incontornável: o desejo por outro homem. O gay como um sofredor, fraco e dividido, vítima da própria sexualidade remonta longe e tem em Meu Passado me Condena um de seus exemplos mais fortes – não à toa o título original é Victim. Em Brokeback Mountain os dois únicos personagens gays do filme morrem e o mundo continua seguindo sua ordem “normal”. Uma coisa é repetir o discurso da vitimização em 1961, caso do filme de Basil Dearden. Outra é fazer o mesmo em 2005, como o de Lee.

Chegamos, pois, a Crô – o Filme, contraditoriamente heteronormativo e que, ao contrário da obra de Ang Lee, não tem quase nada de cinema (Ana Maria Braga, Ivete Sangalo e Gaby Amarantos não são participações especiais, mas casos assombrosos de product placement, ou marketing indireto). No longa de Bruno Barreto entra ainda um outro componente: a comédia sórdida.

Continue lendo a crítica de Crô, o filme na Revista Interlúdio.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Mantenha o proceder


Uma pena que Mataram meu Irmão tenha voado dos cinemas – na verdade, passou durante uma semana em sessão única às 17h no CineSesc. Pois num momento em que o que chega aos cinemas é uma quantidade assustadora de filmes que somem na primeira ida ao banheiro, Mataram meu irmão tem peso.

Peso este que se estabelece já desde o começo. O filme abre com uma extensa conversa de telefônica, mas só enxergamos uma tela preta. Um homem quer saber como visitar o corpo do irmão, cujos restos foram transferidos para uma vala comum. A mulher, do outro lado da linha, responde com os tiques de burocracia comum a qualquer balcão de informação.

Quando surge o primeiro plano de fato (faróis de carros visto em desfoque numa câmera subjetiva, emulando o embaralhamento do horizonte de quem narra o filme – o próprio diretor), o filme já tem peso, seja no sentido da física (força que age sobre um corpo – no caso, o do espectador, que sentirá o filme nas costas) ou como relevância, uma qualidade que justifica ser assistido.


Mataram meu Irmão poderia ser um desastre. Porque é uma história trágica. Porque o realizador, Cristiano Burlan, está imerso no desenrolar dos fatos. Porque foi filmado em períodos distintos. Felizmente, o filme se sustenta. Ainda que se possa apontar senões, as ressalvas não fazem o filme desmoronar. Ele segue firme.

Quem é Rafael, o irmão morto? Responder a essa pergunta orienta o filme. Não de forma a sufoca-lo, obriga-lo a construir um discurso totalizante e definitivo sobre Rafael. Pelo contrário. Entrevistas com família próxima, família distante, família agregada. Somam-se contradições, o que é riquíssimo: um irmão diz que ele quis ser machão, a viúva defende sua honestidade, a tia relembra como ele era carinhoso, o outro irmão diz que o problema foi se meter com um primo doido. Mataram meu Irmão é uma espécie de Rashomon documental.

Nessa apresentação de pontos de vistas distintos surge, com força, uma narrativa do que é viver numa periferia de São Paulo. Ao negar ao espectador a obrigação do “quem-quando-como-onde-por quê”, Mataram meu irmão dá vida, carne e sangue a uma história anônima dessas que povoam diariamente um Cidade Alerta e seus equivalentes. Sensação que se intensifica na maneira que o filme está circunscrito: abre-se com a voz fria do Estado/instituição; fecha-se com as fotos frias do Estado/instituição.

Por um lado é sim possível assumir o desfecho da vida de Rafael como o desfecho de vida de muito jovem de periferia – basta olhá-los para além do recorte de jornal que ganham nuances. Por outro, não seria buscar a generalização de Mataram meu Irmão como retrato da periferia um equívoco que justamente reproduz um olhar totalizante e cego e deixa passar nuances?

Nesse relato sobre quem foi Rafael, só me recordo de uma canção de Sabotage, Zona Sul:

“Na Zona Sul, cotidiano difícil. Mantenha o proceder; quem não conter, tá fudido”.

sábado, 16 de novembro de 2013

Tatuagem - crítica



Partindo do amor entre um trintão dramaturgo/ator/artista/agitador anarco-dionisíaco e um cadete por volta dos 18 anos, Tatuagem reelabora o passado recente do Brasil fazendo uma intervenção nas fibras nervosas da história que estimulam a memória do cinema. Ao reordenar as possibilidades de percepção do passado, Tatuagem se volta para o presente. Tatuagem é, sem dúvidas, um filme político.

Tal reelaboração tem sua grande força na ética do olhar e no deslocamento do eixo de abordagem: Tatuagem dedica-se aos desviantes da expectativa nacional. Ainda que ambientado na ditadura (provavelmente no fim dos anos 1970), não busca sua legitimidade pela rota “Vem vamos embora que esperar não é saber” ou “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Tampouco almeja o eixo cinema novista ou o marginal – apesar de dialogar com alguns pontos do segundo.

Tatuagem está à margem. Primeiro pelo posicionamento geográfico. Não estamos nem no Rio, nem em São Paulo, lugares para os quais costumamos dar muito mais atenção ao pensar os rastros de nossa cinematografia. Estamos em Recife. Melhor: na periferia de Recife, num canto, numa esquina, dentro de um bunker de concreto que no filme se chama Chão de Estrelas. Não estamos no teatro engajado, nem no drama de bom gosto, muito menos na esfera do heteronormativo. Estamos, pois, numa manifestação artística de fruição corporal que está se lixando para o cânone.

Mas Tatuagem não quer o gueto – se o quisesse, talvez o rumo do cadete Fininha seria outro. O longa-metragem de ficção de estreia de Hilton Lacerda como diretor quer a luz. Mais do que olhar para a margem, ele dá à margem a mesma atenção que o cânone recebe ao interpretarmos o Brasil, o cinema daqui, o passado que nos define e nos representa.

Continue lendo a crítica de Tatuagem na Revista Interlúdio.