sexta-feira, 30 de maio de 2008

Fatih Akin volta ao Brasil

Fatih Akin faz parte de um tipo de cineasta que está antenado com seu tempo, mas não aceita conceber seus filmes como panfletos. Para ele, nascido na Alemanha, mas filho de turcos, isso significa não fugir da questão da imigração turca para o país germânico, mas sem transformar seu filme em um objeto direto de conscientização e instrumento para uma discussão profunda da questão turca em relação aos alemães.

Resumindo: seus filmes, especialmente “Contra a Parede”, são ideais para serem discutidos em uma roda de amigos ou citado em alguma palestra que aborde a imigração para a Europa. Porém, raramente seriam exibidos em um hipotético sindicato dos imigrantes turcos para conscientizá-los da condição de exploração que alguns vivem.

Akin, na condição de turco-alemão, sempre afirmou que preserva as tradições turcas da sua cultura. Porém, não a absorve de maneira totalitária, íntegra, assumindo-a como plena. Por ter freqüentado escolas alemãs desde a infância, se considera alemão, mas questiona as contradições germânicas; e se considera turco, questionando as contradições turcas, especialmente a questão do Curdistão.

Pois bem, Fatih Akin volta a desembarcar no Brasil em julho. Seu novo filme, “Do Outro Lado” (tradução literal de “Auf Der Anderen Seite”) será distribuído pela Imovision, de Jean-Thomas Bernadini (dono do Reserva Cultural), e tem previsão de estréia em 4 de julho. “Do Outro Lado” deu ao diretor o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes em 2007, além do prêmio Ecumênico. Aliás, Fatih já foi premiado em outro grande festival: Em 2004, aos 30 anos, venceu a Berlinale com “Contra a Parede”.

Assim como em seus filmes anteriores, o diretor prima por contar histórias. Desta vez, traz dois núcleos que se unem. Nejat (Baki Davrak) não admite que seu pai tenha escolhido a prostituta Yeter (Nursel Köse) para namorar. Porém, repensa sua atitude quando descobre que ela manda dinheiro para custear os estudos de sua filha na Turquia. Nejat vai até Istambul para tentar encontrar Ayten (Nurgül Yesliçay), filha da prostituta. Porém, ela, uma ativista política, já migrou para a Alemanha, onde encontrou proteção de Lotte (Patrycia Ziolkowska) (veja trailler).

O conteúdo político mais denso do filme está em um diálogo entre Ayten e Susanne, a conservadora mãe de Lotte. As duas conversam sobre uma questão cara tanto à Turquia como ao bloco europeu: a entrada na União Européia. A jovem é crítica em relação a essa perspectiva: “Não acredito na União Européia. Inglaterra, França, Alemanha, Espanha... todos são países colonialistas”. A velha, dona da casa, responde: “Tudo pelo que você luta será recuperado quando vocês entrarem na União Européia”.

Akin não foge a um importante debate político de grandes implicações. Porém, levanta questões e não afirma claramente uma opinião acerca do tema. Um diretor cujos filmes levantam discussão, não formatam cabeças.

Em tempo: O último filme de Akin exibido no Brasil foi “Atravessando a Ponte, o Som de Istambul”, que investigava as diversas tradições musicais presentes na capital turca, do rock ao religioso, passando pela música curda e o rap.

Em tempo II: a revista britânica “film&festivals” publicou, na edição Verão – 2008, um perfil de Fatih Akin assinado por Eddie Cockrell, do time de críticos da Variety.

Em tempo III: uma boa leitura sobre o que é um trabalhador turco em um sub-emprego na Alemanha está em “Cabeça de Turco”, Gunter Wallraff. O repórter se disfarçou de turco por alguns meses e se submeteu a degradantes condições de trabalho – no livro, ele relata o cotidiano do trabalhador.

domingo, 25 de maio de 2008

O elo entre Glauber, Caetano e Fabiana Cozza

“O sertão vai virar mar/e o mar virá sertão”. Dos filmes de Glauber Rocha, essa é a frase mais famosa, paráfrase de um diálogo de Antônio Conselheiro. Sérgio Ricardo, em Deus e o Diabo na Terra do Sol, musicou-a, dando ritmo no encerramento do filme, na cena de perseguição de Antônio das Mortes a Corisco.

Mas antes da parceria Sérgio/Glauber, que viria a acontecer também em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1968), a música já exercia um papel narrativo nos filmes do baiano. Exemplo está em Barravento, primeiro longa-metragem de Glauber, realizado em 1962.

Logo na seqüência de abertura, entre créditos e batidas de atabaque executadas por um negro sorridente e desdentado, a música (um passo de candomblé) dá indícios de que a religiosidade é um dos pontos-chaves do filme. Isso se confirma no decorrer da história, centrada na disputa entre Firmino (consciente da opressão sofrida pelos negros) e Aruã (protegido de Iemanjá).

Em Barravento, a música não se contenta a ser coadjuvante, incrementando imagens ou situações. Ela vai além, narrando. Sem vergonha, toma o primeiro plano, traz o subterrâneo da narração à frente. As ilustrações musicais vão desde o tradicional “Paranauê”, que dá a toada de uma roda de capoeira, até atabaques cuja execução frenética indica a convulsão de momentos.

Em um filme cuja montagem é acelerada e diálogos centrais para decifrar as entrelinhas da trama são jogados para segundo plano, a música ocupa papel de enunciadora e explica cenas. Exemplo está na seqüência final: Aruã passou, por meio da interferência de Firmino, pelo processo de tomada de consciência de classe, e resolve agir, largar a condição de submisso à religião e lutar para tornar-se senhor de seu destino. A trilha: “Vou pra Bahia/pra ver se dinheiro corre”.

Caetano, 25 anos depois

Em 1987, Caetano Veloso lançou seu 20° LP. Entitulado Caetano, o álbum trouxe pérolas, como José (que carrega uma tristeza típica de tragédia grega), Eu Sou Neguinha (regravada em 2004 por Vanessa da Mata) e “‘Vamo’ Comer” (acompanhado por um Luiz Melodia esbanjando pulmões).

Porém, a última faixa do álbum é Ia Omim Bum, composição de domínio público (ouça aqui). A música é uma das que compõem Barravento, de Glauber Rocha

Fabiana Cozza, 45 anos depois

Fabi, como é conhecida entre os músicos, é a nova sensação do samba paulista. Carregando o bastão do samba paulistano fortemente inspirado pelo candomblé e por ritmos caribenhos (Fabi tem uma queda pela música cubana), a cantora lançou, em 2007, o segundo CD, Quando o Céu Clarear.

Na fileira de sucessão de boas músicas trazidas no primeiro CD, O Samba é Meu Dom, Fabiana Cozza não deixou a peteca cair. O novo álbum traz sambas de roda do baiano Leandro Medina, uma regravação pulsante de Canto de Ossanha, participação de Dona Ivone Lara e uma letra de Nei Lopes e Nelson Sargento.

Mas o que liga Fabiana a Glauber Rocha? Uma das faixas do CD é Saudação para Iemanjá, também de domínio público (ouça aqui). A canção é justamente a primeira música executada em Barravento, nos créditos iniciais, quando um negro desdentado sorri e batuca.

Tanto em Fabi como em Caetano, a percussão se destaca. Na música do baiano, há o frescor de um inventivo e novato Carlinhos Brown. Na paulistana, a energia de Douglas Alonso, cria da escola de samba Camisa Verde e Branco, tradicional agremiação da Barra Funda.

Em tempo: O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, terceiro longa-metragem de Glauber Rocha, vai ser relançado na próxima sexta-feira (30/05). Restaurado pela RioFilme, teve sua primeira exibição no Brasil (após a restauração) no encerramento do Cine Ceará, em 17 de abril. Dragão deu a Glauber o prêmio de melhor diretor no festival de Cannes em 1969.

domingo, 18 de maio de 2008

O que é ficção? O que é documentário?

Sim, alguns filmes recentes têm jogado sucessivas pás de cal sobre a divisão entre ficção e documentário. A título de ilustração, definições do Dicionário Aurélio:

– ficção: “ato ou efeito de fingir”; “coisa imaginária, fantasia, invenção, criação”.

– documentário: “relativo a documentos”, “que tem o valor de documento”.

Algumas questões:

1) O Bope existe, o saco na cabeça existe, a visita do papa existe, a matança existe. Tropa de Elite é totalmente ficcional?

2) Iraq in Fragments, de James Longley, pega a história particular de uma criança nascida no país, invadido pelos Estados Unidos, e coloca sua trajetória no contexto de invasão. É documentário?

3) Jia Zhang-ke mostrou ontem (17/05) em Cannes, seu novo filme, 24 City. Traz a história de uma região que abrigou por 50 anos a fábrica estatal de armamentos da China. Agora, o lugar abriga um condomínio de luxo. É ficção?

4) Em Jogo de Cena, Eduardo Coutinho conta duas vezes as mesmas histórias: por meio de uma atriz e por meio de quem vivenciou a história. No filme, algumas atrizes se dão melhor que a própria pessoa que viveu aquilo; algumas atrizes, também, sofrem em interpretar trechos de acontecimentos. É documentário?

5) Walter Salles e Daniela Thomas mostraram ontem (17/05) em Cannes Linha de Passe, terceiro filme da dupla. O núcleo do filme é uma família composta por uma mãe que trabalha como empregada doméstica. Dos quatro filhos, um quer ser jogador de futebol; outro é motoboy e precisa pagar a moto; outro é frentista e fervorosamente crente na Igreja Evangélica; o caçula busca incessantemente o pai. Isso é ficção?

6) Michael Moore, em Fahreinheit, Tiros em Columbine e Sicko manipula as informações que obtém. É documentário?

Em tempo: Leonardo Sette, diretor do curta-metragem Ocidente, exibido em festivais como É Tudo Verdade e Cine PE, levanta a mesma questão. E vai além com algumas questões. Leia aqui.

domingo, 11 de maio de 2008

O pecado quase capital de Control

Control, cinebiografia de Ian Curtis, vocalista do Joy Division, é a estréia de Anton Corbjin na direção de um longa-metragem. Com um rico contraste em preto e branco, em parte decorrente da experiência do diretor como fotógrafo, e um roteiro que em alguns momentos beira o didatismo, o filme tem um grande mérito: a trilha sonora.

A seleção musical é muito interessante. A começar pela quase transcendental Exit, do New Order, grupo formado pelos remanescentes do Joy. Tem também um cover de Shadowplay pelo The Killers. Há um momento impagável com John Cooper Clark e seus incontáveis “fucking” em Evidently Chicken Town (um trecho: “the fucking clocks are fucking wrong/the fucking days are fucking long”).

Se o resultado narrativo do filme exagera na simplicidade (como os inúmeros takes de capas de LPs de Bowie e Iggy Pop, que indicam as influências de Ian), a trilha dá show. Tem Velvet Underground (What Goes On), um cover de The Killers para Shadowplay. Tem duas do Bowie, entre elas “Drive in Saturday”, do período glam-rock.

O momento em que canção e imagem se fundem com um resultado estético primoroso é em Transmission, música que rendeu ao Joy a primeira ida à televisão. Com uma interpretação visceral de Sam Riley como Ian, toda a confusão mental, sonora e visual do vocalista da banda está lá.

Mas a trilha de Control tem uma ausência de peso: deixou de fora She’s Lost Control. A faixa, da qual o título do filme foi retirado, concentra muito do que é o Joy – e, por conseqüência, Ian Curtis: letras depressivas, arranjos soturnos que evocam um buraco negro interior, ecos mentais e, é claro, o vozeirão down de Ian.

Um pecado quase capital.

Em tempo: She’s Lost Control está presente no filme, com cenas do momento em que Ian concebeu a letra e como foi feita a gravação. Porém, não foi incluída no CD lançado pela Warner Music. A canção ilustra, inclusive, o trailer oficial (clique aqui).

Em tempo II: o filme, distribuído pela DayLight, estréia em São Paulo dia 22 de maio, simultaneamente ao lançamento do documentário Joy Division, de Grant Gee. O filme foi um dos destaques do É Tudo Verdade, realizado em março. O trailer do documentário está no YouTube (clique aqui).