domingo, 25 de maio de 2008

O elo entre Glauber, Caetano e Fabiana Cozza

“O sertão vai virar mar/e o mar virá sertão”. Dos filmes de Glauber Rocha, essa é a frase mais famosa, paráfrase de um diálogo de Antônio Conselheiro. Sérgio Ricardo, em Deus e o Diabo na Terra do Sol, musicou-a, dando ritmo no encerramento do filme, na cena de perseguição de Antônio das Mortes a Corisco.

Mas antes da parceria Sérgio/Glauber, que viria a acontecer também em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1968), a música já exercia um papel narrativo nos filmes do baiano. Exemplo está em Barravento, primeiro longa-metragem de Glauber, realizado em 1962.

Logo na seqüência de abertura, entre créditos e batidas de atabaque executadas por um negro sorridente e desdentado, a música (um passo de candomblé) dá indícios de que a religiosidade é um dos pontos-chaves do filme. Isso se confirma no decorrer da história, centrada na disputa entre Firmino (consciente da opressão sofrida pelos negros) e Aruã (protegido de Iemanjá).

Em Barravento, a música não se contenta a ser coadjuvante, incrementando imagens ou situações. Ela vai além, narrando. Sem vergonha, toma o primeiro plano, traz o subterrâneo da narração à frente. As ilustrações musicais vão desde o tradicional “Paranauê”, que dá a toada de uma roda de capoeira, até atabaques cuja execução frenética indica a convulsão de momentos.

Em um filme cuja montagem é acelerada e diálogos centrais para decifrar as entrelinhas da trama são jogados para segundo plano, a música ocupa papel de enunciadora e explica cenas. Exemplo está na seqüência final: Aruã passou, por meio da interferência de Firmino, pelo processo de tomada de consciência de classe, e resolve agir, largar a condição de submisso à religião e lutar para tornar-se senhor de seu destino. A trilha: “Vou pra Bahia/pra ver se dinheiro corre”.

Caetano, 25 anos depois

Em 1987, Caetano Veloso lançou seu 20° LP. Entitulado Caetano, o álbum trouxe pérolas, como José (que carrega uma tristeza típica de tragédia grega), Eu Sou Neguinha (regravada em 2004 por Vanessa da Mata) e “‘Vamo’ Comer” (acompanhado por um Luiz Melodia esbanjando pulmões).

Porém, a última faixa do álbum é Ia Omim Bum, composição de domínio público (ouça aqui). A música é uma das que compõem Barravento, de Glauber Rocha

Fabiana Cozza, 45 anos depois

Fabi, como é conhecida entre os músicos, é a nova sensação do samba paulista. Carregando o bastão do samba paulistano fortemente inspirado pelo candomblé e por ritmos caribenhos (Fabi tem uma queda pela música cubana), a cantora lançou, em 2007, o segundo CD, Quando o Céu Clarear.

Na fileira de sucessão de boas músicas trazidas no primeiro CD, O Samba é Meu Dom, Fabiana Cozza não deixou a peteca cair. O novo álbum traz sambas de roda do baiano Leandro Medina, uma regravação pulsante de Canto de Ossanha, participação de Dona Ivone Lara e uma letra de Nei Lopes e Nelson Sargento.

Mas o que liga Fabiana a Glauber Rocha? Uma das faixas do CD é Saudação para Iemanjá, também de domínio público (ouça aqui). A canção é justamente a primeira música executada em Barravento, nos créditos iniciais, quando um negro desdentado sorri e batuca.

Tanto em Fabi como em Caetano, a percussão se destaca. Na música do baiano, há o frescor de um inventivo e novato Carlinhos Brown. Na paulistana, a energia de Douglas Alonso, cria da escola de samba Camisa Verde e Branco, tradicional agremiação da Barra Funda.

Em tempo: O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, terceiro longa-metragem de Glauber Rocha, vai ser relançado na próxima sexta-feira (30/05). Restaurado pela RioFilme, teve sua primeira exibição no Brasil (após a restauração) no encerramento do Cine Ceará, em 17 de abril. Dragão deu a Glauber o prêmio de melhor diretor no festival de Cannes em 1969.

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