quarta-feira, 29 de agosto de 2012

À Beira do Caminho: sobre Breno Silveira e seus quatro espectadores num sábado à tarde


João Miguel e Dira Paes em À Beira do Caminho

Cadê o público? Vamos, me digam, cadê o público? Assistir a uma sessão de À Beira do Caminho com apenas quatro pessoas na sala é certamente uma constatação deprimente de que as coisas vão num ritmo lastimável. Quatro pessoas num sábado à tarde, num cinema de shopping, num filme de Breno Silveira, o cara que supostamente é o paradigma do filme de público?!

Presenciar tal cena me desperta melancolia, ao mesmo tempo que me instiga uma vontade incontrolável de dar uma grande banana para os ideólogos que enchem a paciência com o discurso “o problema é que o cinema brasileiro não faz filme de público”. Melhor do que uma banana, fico com vontade de ir me deitar, como diria Sérgio Sampaio.

Não se insinua aqui, veja bem, que Breno Silveira calcula na feitura de cada plano se tal plano será aquele tal a agradar o público. Não me parece que ele seja um cineasta mesquinho ou hipócrita, mas sim um cara sincero na realização de seus filmes, os quais demonstram, aí sim, uma vontade de emocionar. Não sou o primeiro a perceber isso, mas vale relembrar: cinema, para Breno, é emoção.



Mas por que falo do público? Por uma ira ao ter de escutar aqueles argumentos pseudo-imparciais que se renovam a cada “filme de arte” que estreia e faz apenas centenas de pessoas no primeiro fim de semana. Para eles, “não dá para o cinema brasileiro ficar fazendo só Os Residentes”, “não dá para os cineastas fazerem filmes só para os amigos irem ver”.

As quatro pessoas – vou repetir: numa tarde de sábado e num cinema de shopping – na sessão de À Beira do Caminho só servem para provar que essa discussão sobre “filmes de público” é muito mais complexa do que os discursos levianos querem fazer crer. Nessa cada vez mais incompreensível equação Como Fazer um Filme Ser Visto, é preciso apontar que a parcela de covardia dele, o público. Covarde para fazer corpo a corpo com um “filme de arte”, covarde para um “filme de público”.

Pensar nesse público cada vez mais covarde – repito: não acho que Breno Silveira calcule milimetricamente o que é o gosto do público na hora de filmar, estou falando dos “pensadores” do cinema brasileiro – me parece uma miragem, um equívoco. Me parece loucura mirar essa massa amorfa chamada público que sequer demonstra vontade alguma de manter uma relação autônoma com o cinema. Um público bocó.



O gosto e a técnica

Além desse aspecto da boçalidade do público, existe o filme. E À Beira do Caminho me cai como um mais um filme sincero em que a emoção é o que determina as escolhas dramatúrgicas. Algumas delas desagradam meu gosto – por vezes preferia o silêncio à ilustração sonora –, mas vejo como respeitável o caminho que o filme vai tomando.

Existe um domínio técnico do roteiro em estabelecer diretrizes básicas – conflitos e motivações dos personagens, os obstáculos a serem superados superados, os plot points inseridos nos devidos lugares para fazer o filme caminhar para frente, o paradigma da página 10 etc. Ou seja, pode-se desgostar do filme, o que é inteiramente legítimo para um espectador de cinema autônomo e ativo. Pode-se dizer também que o exagero das emoções incomoda.

Vejam bem, tudo isso é questão de gosto – e é bom que não só tenhamos os nossos, mas que assumamos, pois é preciso sair desse lugar falacioso de “um filme não me toca”. De técnica, pura e simples, o filme mostra precisão. E daqui em diante vou apontar qualidades no filme, assumindo o posto de alguém que gosta de À Beira do Caminho.



Gosto de como João Miguel segura com encantamento um plano mais longo. De como esse cara permite uma variação incrível, porque João é crível tanto como jovem adulto de barba feita, cara limpa e confiante no que a vida lhe reserva quanto como o não mais tão jovem maltratado pela vida, barbudo, caminhoneiro e amargurado.

Gosto da carta de palavras riscadas que o pai deixa à filha – porque no drama do personagem João palavra alguma faz sentido, a não ser “me desculpe” e “me perdoe”, as únicas que precisam ser ditas, as únicas que permanecem numa carta rabiscada num caderninho amassado.

Gosto do uso ilustrativo das canções de Roberto Carlos e de como elas colam no filme. Mesmo que com a poeira já baixa do pós-sessão perceba-se que Amigo não entra na textura do filme com a mesma naturalidade de Esqueça, Só Vou Gostar de Quem Gosta de Mim e O Portão. Porque, pensando bem, À Beira do Caminho é como uma canção romântica daquele Roberto Carlos dos anos 70: não reinventa a roda, mas faz um arros e feijão gostoso. Canções que colam sua genuína emotividade e crença no que está dizendo. Essa é uma das razões que eu respeito os filmes de Breno Silveira: simplesmente me passam uma sensação de que ele acredita no cinema que faz.

Gosto dos momentos de sofisticação num filme que se equilibra entre a busca da inteligibilidade e a sutileza, o revelar e o esconder, o dito e o não-dito. Destaco um. João e Duda param num local para colocar no caminhão um carregamento de melões. Duda quer ajudar, pega com esforço uma caixa. João não deixa, interrompe, meio brutamontes que é o jeito dele. E justifica para o garoto. “Isso é serviço pra homem, menino. A carga é sensível e precisa chegar intacta em São Paulo”. Não precisa viajar longe para perceber o duplo sentido da frase: a carga sensível não são os melões, mas a carga humana. É João que não sabe se vai chegar inteiro em São Paulo, não os melões!

Gosto também da subtrama (ok, estou exagerando chamar de subtrama, mas vá lá) dos dizeres dos para-choques de caminhões, que funcionam quase como intertítulos do momento sentimental do filme.

Gosto da relação de cumplicidade mais óbvia – de João com o menino Duda –, mas também da menos óbvia – o reaparecimento de Rosa (Dira Paes) na vida do caminhoneiro, um acontecimento terapêutico para o personagem e uma injeção de energia num filme que, dali em diante, poderia se tornar um marasmo. Assim como da cumplicidade de João com o suposto vilão, o verdadeiro pai de Duda.

Numa das entrevistas, João Miguel chamou À Beira do Caminho de “filme de estrada”. Eu o chamaria de “filme de amor”. Melhor: “filme de empoderamento”, pois se trata da passagem de um personagem que observa distante sua própria vida, como um coadjuvante, para um personagem protagonista de si próprio.

Festival do Rio - competição da Première Brasil



O Festival do Rio anunciou os longas selecionados brasileiros para a sua principal competição, a Première Brasil, além da programação para as mostras paralelas. À lista:


MOSTRA COMPETITIVA
Ficção

1.    A BUSCA (Father’s Chair), de Luciano Moura (SP – 96');
2.    A COLEÇÃO INVISÍVEL (The Invisible Collection), de Bernard Attal (BA - 89'), WP;
3.    A FLORESTA DE JONATHAS (Jonathas’ Forest), de Sérgio Andrade (AM - 98') WP;
4.    DISPAROS (AE-AutoExposure), de Juliana Reis (RJ - 82'), WP;
5.    DORES DE AMORES (Love Aches), de Raphael Vieira (RJ - 77') WP;
6.    ÉDEN (Eden), de Bruno Safadi (RJ - 73'), WP;
7.    ENTRE VALES  (Between Valleys),  de Philippe Barcinsky  (SP - 80') , WP;
8.    MEU PÉ DE LARANJA LIMA (My Sweet Orange Tree), de Marcos Bernstein (RJ - 97'), WP;
9.    O GORILA (The Gorilla), de José Eduardo Belmonte (SP - 90') , WP;
10. O SOM AO REDOR (Neighbouring Sounds), de Kleber Mendonça Filho (PE - 131');
11. PRIMEIRO DIA DE UM ANO QUALQUER (First Day, Any Year), de Domingos Oliveira (RJ - 85') , WP;
12. UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA (Rio 2096 a story of love and fury), de Luiz Bolognesi (SP - 75') WP


Documentários
1. CORAÇÃO DO BRASIL (Heart of Brasil), de Daniel Santiago (SP - 85');
2. DOSSIÊ JANGO (Jango Report ), de Paulo Henrique Fontenelle (RJ – 102'), WP;
3. HÉLIO OITICICA (Hélio Oiticica), de César Oiticica Filho (RJ - 94'), WP;
4. JARDS (Jards), de Eryk Rocha (RJ - 93'), WP;
5. MARGARET  MEE E A FLOR DA LUA (Margaret Mee and the Moonflower), de Malu de Martino (RJ - 80') WP;
6. O DIA QUE DUROU 21 ANOS (The day that lasted 21 years), de Camilo Tavares (SP - 77'), WP;
7.OUVIR O RIO: UMA ESCULTURA SONORA DE CILDO MEIRELES (Listening to the River: a sound sculpture by Cildo Meireles), de Marcela Lordy (SP - 79'), WP;
8. RIO ANOS 70 (Rio 70's), de Maurício Branco e Patrícia Faloppa (RJ - 75');
9. SATYRIANAS, 78 HORAS EM 78 MINUTOS (Satyrianas, 78 Hours in 78 minutes), de Daniel Gaggini, Fausto Noro e Otávio Pacheco (SP - 78'), WP;
10. SOBRAL (Sobral), de Paula Fiuza (RJ – 87’), WP.


NOVOS RUMOS

Ficção
AUGUSTAS (Augustas), de Francisco César Filho (SP - 83');
ESTADO DE EXCEÇÃO (State of exception), de Juan Posada (RJ - 73'), WP;
SUPER NADA (Super Nothing), de Rubens Rewald (SP - 94').
EU NÃO FAÇO A MENOR IDEIA DO QUE TÔ FAZENDO COM A MINHA VIDA, de Matheus Souza

Documentários
A BATALHA DO PASSINHO (Passinho Dance Off), de Emílio Domingos (RJ - 70'), WP;
HYSTERIA (Hysteria), de Evaldo Mocarzel e Ava Rocha (SP - 72'), WP;


HORS CONCOURS
Ficção
1.     CHAMADA A COBRAR (Collect Call), de Anna Muylaert (SP - 72'), WP;
2.     COLEGAS (Buddies), de Marcelo Galvão (SP - 103');
3.     INFÂNCIA CLANDESTINA (Clandestine Childhood), de Benjamín Ávila (Argentina, Espanha, Brasil  – 112');
4.     RITOS DE PASSAGEM (Rites of Passage), de Chico Liberato (BA - 98'), WP.

Documentários
5.     A MULHER DE LONGE (The woman who came from afar), de Luiz Carlos Lacerda (RJ - 75'), WP;
6.     AMAZÔNIA ETERNA (Eternal Amazon), de Belisário Franca (RJ - 82'), WP;
7.     RAÇA (Raça), de Joel Zito Araújo e Megan Mylan (RJ - 104'), WP.


RETRATOS

1.  CIRANDEIRO (Cirandeiro), de Claudio Boeckel (RJ - 71'), WP;
2.  DALUA DOWNHILL (Dalua Downhill), de Rodrigo Pesavento, Fernanda Franke Krumel e Tiago de Castro (RS - 88'), WP;
3.  DINO CAZZOLA – UMA FILMOGRAFIA DE BRASÍLIA (Dino Cazzola - a filmography of Brazilia), de Andreas Prates e Cleisson Vidal (SP - 71');
4.  JORGE MAUTNER- O FILHO DO HOLOCAUSTO (Jorge Mautner - The Son of The Holocaust), de Pedro Bial e Heitor D 'Allincourt (RJ - 93');
5.  OS IRMÃOS ROBERTO (The Roberto Brothers), de Ivana Mendes e Tiago Arakilian (RJ - 74');



MÚSICA

1.  MPB DE CÂMARA, CANÇÃO BRASILEIRA (MPB Chamber, The Brazilian Song), de Walter Lima Jr. (RJ - 70'), WP;
2.  PARTIDEIROS (Partideiros), de Luis Guimarães de Castro (RJ - 75'), WP;
3.  PERNAMCUBANOS (PERNAMCUBANOS), de Nilton Pereira de Melo (PE - 73'), WP;
4.  SIBA – NOS BALÉS DA TORMENTA (Siba - a Poet Through the Storm), de Caio Jobim e Pablo Francischelli (RJ - 81').

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Quem Tem Medo de Cris Negão?, de René Guerra - Festival de Curtas

Cristiane Jordan, a Cris Negão, à direita, raramente fotografada

O mundo das travestis e o submundo do centro da cidade de São Paulo precisa urgentemente ganhar um longa-metragem, pois o curta Quem Tem Medo de Cris Negão? abre uma série de portas que, por conta da duração, não permitem serem penetradas a contento.


Explicando: Cris Negão, ou Cristiane Jordan, é talvez a última notória travesti cafetina, que ocupou nos anos 2000 o vácuo deixado pela morte de Andréia De Maio (uma das que atirou merecidas pedradas verbais em Afanasio Jazadji no antigo Programa Livre do Serginho Groisman e que ajudou Goulart de Andrade na famosa reportagem de 1985). Andréia, por sua vez, havia sucedido Jaqueline Blábláblá na caftinagem.

Aí veio Cris Negão, que me parece uma espécie de Hiroito das travestis ou um padrinho à moda da máfia italiana. É essa junção entre o amor e o medo por um poderoso chefão que o curta-metragem de René Guerra coloca como preocupação na construção de seu discurso.

Continue lendo a crítica de Quem Tem Medo de Cris Negão? na Revista Interlúdio.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Cotações – Festival de Curtas

23º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo

Primeiras cotações dos filmes assistidos entre sexta-feira e domingo dentro da programação do 23º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo. Dois deles – A Cidade e O Duplotêm textos na Interlúdio. Dos outros ou não houve tempo de escrever ou faltou interesse.

As cotações são: 1 – fraco; 2 – regular/interessante; 3 – bom; 4 – excelente; 5 – obra-prima

Odete
Programas Brasileiros – Mostra Brasil 5

Odete, de Ivo Lopes Araújo, Luiz Pretti, Clarissa Campolina (Brasil/CE, 2012)

4 – como tornar presente uma personagem ausente e fazer o filme grudar na cabeça por muito tempo.

Capela, de Gustavo Rosa de Moura (Brasil/SP, 2011)

3 – na revisão cresceu, mas ainda não entendo porque o espaço reservado para Manhã, Tarde e Noite no filme é tão desigual.

Quem Tem Medo de Cris Negão?, de René Guerra

3 – representar sem romantizar.

Monumento, de Gregório Graziosi

1 – OK, a estátua ganha vida etc. O que mais?

Quinha, de Caroline Oliveira (Brasil/PE, 2012)

2 – se fosse considerar só o academicismo da direção, a cotação seria bola preta. Mas há um roteiro razoável, desperdiçado por uma banalização de travellings, zoom, profundidade de campo, dolly etc.

A Cidade

Programas Brasileiros – Mostra Brasil 1

A Cidade, de Liliana Sulzbach (Brasil/RS, 2012)

4 – a revisão foi muito bem-vinda. Um achado sobre tratar a violência com as mais bonitas paisagens. [leia a crítica aqui]

Joelma, de Edson Bastos (Brasil/BA, 2011)

2 – irregular (aspecto acentuado pela revisão). Me parece que a falta de dinheiro prejudicou momentos cruciais no filme.

Fogo-Passou, de Ramon Batista (Brasil/PB, 2012)

2 – nada do filme colou em mim.

O Passageiro, de Bruno Mello (Brasil/RJ, 2011)

2 – filme-piada é assim: ou entra ou o filme não funciona. Fiquei com o segundo.

Dia Estrelado, de Nara Normande (Brasil/PE, 2011)

3 – bom o contraste do céu estrelado e a briga pela sobrevivência entre a família (e a animação é caprichada).

Através

Programas Brasileiros – Panorama Paulista 1

Os Barcos, de Caetano Gotardo e Thaís de Almeida Prado (2012)

2 – o mais fraco curta de Gotardo: o jogo de troca de perspectivas ficou ensimesmado.

Porn Karaoke, de Daniel Augusto (2011)

1 – até agora não saquei qual é a do filme.

Avalons, de Carlos Nogueira (2011)

3 – divertida brincadeira e inteligente a organização verticalizada do filme.

Através, de Amina Jorge (2012).

3 – numa sessão mais equilibrada provavelmente esse filme não seria tão bom quanto achei desta vez.

Corpo Cidade, de Gabriela Greeb (2012)

1 – filme?

Entre Lá e Cá, de Heloisa Passos

2 – a metáfora do rio que divide e o rito de passagem das adolescentes não me encantou.

Ser Tão Cinzento

Programas Brasileiros – Mostra Brasil 3

Três Vezes por Semana, de Cristiane Reque (Brasil/RS, 2011)

2 – mais um filme igual a outros tantos – com os mesmos clichês de como filmar o despertar da sexualidade (som e desfoque).

Deus, de André Miranda (Brasil/DF, 2011)

2 – outro filme-piada, mas melhor. Entrei no começo, mas me cansei com a repetição da piada.

Destimação, de Ricardo Podestá (Brasil/GO, 2012)

1 – bom ver um filme de Goiás circulando por um festival nacional, mas bem que alguém poderia ter enxugado esse roteiro.

Orwo Forma, de Karen Black e Lia Letícia (Brasil/RJ, 2012)

3 – não sou fã inconteste do flerte com a video-arte, mas gostei da provocação desse filme quanto à ideia de beleza da mulher (e a duração curtinha é inteligente).

Ser Tão Cinzento, de Henrique Dantas (Brasil/BA, 2011)

3 – mesmo na revisão, ainda acho o curta um pouco longo, mas me atrai a aproximação que ele faz de um filme desconhecido e o cenário que cria (projeções) para mostrar um momento obscuro.

Vestido de Laerte, de Cláudia Priscila e Pedro Marques (Brasil/SP, 2012)

Um problema na hora da exibição causou o cancelamento da projeção.

Oh Willy

Mostra Internacional 1

Switch, de Phoebe Hartley (Austrália, 2011)

1 – já não tenho mais paciência para filmes óbvios e “sensíveis” para adolescentes em momentos de aprendizado.

Como é Bonita a Manhã Japonesa, de Yuchi Suita (Japão, 2011)

2 – exercício regular de como trabalhar uma trama fora de quadro (o terremoto) usando pouquíssimos elementos.

O Piano, de Levon Minasian (Armênia/França, 2011)

3 – divertido, mas igual a muitos outros filmes que trabalham a herança soviética pelo viés do absurdo (vide Casamento Silencioso).

Oh, Willy, de Emma De Swaef e Marc James Roels (Bélgica/França/Países Baixos, 2012)

4 – eu que não entendo nada de animação achei esse curta bem bom. Baita roteiro.

Altos e Baixos, de Sabrina Sarabi (Alemanha, 2012)

1 – show de obviedades e “sacadas” visuais. Tudo pra chegar no plano final, o único que vale.

Vida de Roadie, de Pauline Gay (França, 2011)

1 – ver um filme como esse me dá a convicção de o curta-metragem brasileiro é zilhões de vezes melhor do que a produção mundial.

domingo, 26 de agosto de 2012

A Cidade, de Liliana Sulzbach - Festival de Curtas

A Cidade, ganhador do Prêmio da Crítica/Abraccine no É Tudo Verdade

A Cidade é um achado. Simples assim. Um curta que, ao ter em mãos um assunto para lá de intrigante, consegue estar à altura dele, ressignificá-lo pelos mecanismos do cinema. Escrever sobre A Cidade já é minar um pouco de seu poder de surpreender, pois parte de sua força vem justamente da revelação das origens da tal cidade.


O filme de Liliana Sulzbach é dividido entre um antes e um depois. Na primeira parte, imagens de um lugar paradisíaco, de beleza natural de encher os olhos. Neste lugar, que estranhamente é povoado por casas de arquitetura antiga, vivem velhos. Apenas velhos. Acompanhamos a rotina: duas senhoras tomam café e falam sobre uma terceira, que não voltará por causa de um problema na mão. Alguns jogam bocha. Outro busca o pão. Um alimenta os animais. E por aí vai: uma rotina de aparente normalidade num lugar com idosos.

Mas quem está atento passa a perceber leves rachaduras na organização daquele mundo. Um diálogo atravessado, um enquadramento priorizando partes específicas dos corpos, um incômodo pela sensação de que não há agentes externos interagindo com aquele mundo. Então, numa cena com diálogos reveladores, o filme tem seu divisor de águas, cresce e diz a que veio.

Continue lendo a crítica de A Cidade na Revista Interlúdio.

sábado, 25 de agosto de 2012

Começa o Festival de Curtas da Kinoforum

23º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo

Começou nesta sexta-feira a 23ª edição do Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, realizado pela Kinoforum. É a principal janela para o curta em festivais brasileiros, reunindo extensas mostras competitivas - nacional e internacional - além de programas paralelos.

Vou escrever sobre alguns filmes para a Revista Interlúdio [a página com as críticas pode ser acessada aqui]. A cobertura começa com O Duplo, de Juliana Rojas (Trabalhar Cansa), exibido na Semana da Crítica no Festival de Cannes em 2012.

Sabrina Greve, a protagonista de O Duplo, curta de Juliana Rojas

O Duplo (Brasil, 2012), de Juliana Rojas


Num momento de banalização da imagem é prazeroso observar uma obra com coerência, ainda mais quando caminha em evolução. Nos curtas de Juliana Rojas, seja nas incursões solo ou nas parcerias com Marco Dutra, há uma volta constante da cineasta a um universo cinematográfico que lhe é bastante familiar, o do Horror.

Olhando em retrospectiva desde 2003, quando fez O Lençol Branco com Dutra, não há um curta ruim na filmografia de Rojas. Há produções mais fracas (Vestida) ou menos interessantes (As Sombras). Não há enquadramentos equivocados ou um virtuosismo vazio da câmera que só chama atenção para si. Não há desperdícios ou fetiches.

O que se nota é uma precisão para lidar com a duração no formato curta-metragem, a sensibilidade de deixar que a essência da cena determine a feitura do plano e a inteligência em trabalhar com a sugestão, não a explicação – como na cena de Pra Eu Dormir Tranquilo em que a mãe pergunta para o filho “cadê os passarinhos?”, cuja resposta o espectador intui.

Continue lendo a crítica de O Duplo na Revista Interlúdio.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Sean Penn e o sub-Miranda July

Sean Penn, o roqueiro em crise no filme de Sorrentino

Há algo irremediavelmente incômodo em Aqui é o Meu Lugar, meio viagem existencialista, meio feel good movie que Paolo Sorrentino propôs e que Sean Penn topou protagonizar.

Ora é possível acreditar no filme como exercício genuíno de revisão da vida de um personagem, apostando numa representação que quer mais do que respostas simples. Ora o filme banaliza movimentos de câmera (o que dizer do tesão incontrolável de Sorrentino pelas gruas na estrada?), apela para metáforas edificantes (o cigarro como atestado de crescimento), põe uma musiquinha do Talking Heads e acha que tudo está resolvido.

Dias depois de assisti-lo, não consegui me conciliar com o filme – mas o sentimento não é o mesmo da raiva com o novo Honoré. Percebe-se algumas sofisticações que refrescam o olhar e apontam um caminho mais inteligente do filme. Se Aqui é o Meu Lugar abandonasse as pretensões iniciais em detrimento de uma simplicidade ficaria mais simples de defini-lo. O que intriga neste longa de Sorrentino é que uma sacada vem quase que imediatamente acompanhada de uma bobagem.



Sorrentino mostra o apuro na escolha das locações, seja a casa do roteiro decadente, Cheyenne (Penn), ou na casa de sua vizinha e amiga, um local fechado, escuro e pequenino. Há também os trancos que o filme incorpora em seu fluxo, como que provocando o espectador para um personagem que não reage. Minutos depois, Sorrentino mergulha seu filme nuns ares de sub-Miranda July (o bizarro/fofo encontro do roqueiro maquiado com o vendedor de carros redneck).

O ápice dessa mistura é o ato final. Quando Cheyenne encontra o algoz de seu pai em Auschwitz, Sorrentino dá um show de encenação, recorre a um registro mais teatral, abrindo um confessionário ao algoz. Belíssimo momento que é soterrado quando, na volta à casa, o filme apela para os planos mais clichês imagináveis (o homem que para de se maquiar e “cresce”).

No fim, o que Aqui é o Meu Lugar é, de fato? Um sub-Miranda July ou cinema?

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Tony Scott (1944-2012)

Tony Scott, lembrado por ter dirigido o filme que "revelou" Tom Cruise, Top Gun - Asas Indomáveis

Mais uma morte inesperada dos que fazem cinema: Tony Scott. Suicídio é a principal suspeita da polícia, dizem o obituário do The New York Times [leia aqui] e do The Guardian [leia aqui].

Os filmes de Tony, irmão do também diretor Ridley Scott, não me despertavam muita paixão. Exceções são Um Tira da Pesada II e Fome de Viver. Top Gun - Asas Indomáveis, sempre lembrado como "o filme que revelou Tom Cruise", me pareceu ter sua importância supervalorizada.

Da safra mais recente gosto de Chamas da Vingança e Déjà Vu, ambos de ação, com o primeiro mais próximo do filme policial. Os dois são protagonizados por Denzel Washington, o ator que provavelmente Tony mais gostava de ter em suas mãos.

Os dois últimos filmes de Tony Scott são bobagens. Incontrolável me causou uma das maiores dores de cabeça no cinema, enquanto O Sequestro do Metrô 123 é digno, mas sem o charme de "crime inocente" do original de 1974.

Gostando mais de uns filmes, menos de outros, a morte de Tony Scott pode não me causar a comoção da ida de um Theo Angelopoulos, mas deixa um certo medo de que o gênero filme de ação perdeu um diretor que sabia o que era cinema. Nos resta Michael Bay, este é o diagnóstico.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O faroeste de Serra Pelada, por Heitor Dhalia

O garimpo de Serra Pelada em foto de 1983

Dhalia, meu xará de prenome, começa a rodar em outubro seu épico Serra Pelada, o projeto que há quatro anos o motiva -- apesar de, no meio do caminho, ter feito À Deriva e o hollywoodiano 12 Horas.

Para a Revista de CINEMA entrevistei Heitor Dhalia sobre Serra Pelada -- quando o filme tinha previsão de início das filmagens para o começo de julho e seria rodado no Pará. Os planos mudaram. O resultado da conversa está no texto abaixo, publicado na edição de julho da revista, que ainda está nas bancas. Abaixo, um trecho da conversa (que pode ser acessada integralmente neste link):

Heitor Dhalia, diretor de O Cheiro do Ralo e À Deriva

Heitor Dhalia em busca do ouro de Serra Pelada


Por Heitor Augusto

Se estivéssemos falando de política, diríamos que foi um choque de gestão. Mas como o assunto é cinema, “aprendizado” seria a definição mais apropriada para a experiência recente que Heitor Dhalia teve dirigindo um filme em Hollywood, “12 Horas”, lançado em abril deste ano. Sua experiência americana foi uma passagem com requintes da Metamorfose de Kafka. Obviamente Dhalia não dormiu e acordou transformado numa barata. Mas sentiu quão bizarro é estar no set, sentar-se na cadeira de diretor, mas ter pouco controle efetivo sobre o entorno. Falar com a atriz principal Amanda Seyfried? Só com a intermediação (e presença) do produtor. Tudo imensamente diferente do fazer cinema aqui no Brasil. Mas como diretor de cinema vive de ciclos, esse, o de sentir o gosto de fazer um filme numa indústria de fato, está encerrado. Um novo capítulo se abre: o de contar uma história brasileira que fale diretamente ao público local.

Quando fala de “Serra Pelada”, seu próximo projeto que começaria a rodar em 9 de julho, os olhos de Dhalia brilham de satisfação. O mesmo gesto que esboçou a três anos, quando o diretor recebeu este repórter para falar sobre “À Deriva”, selecionado para a mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, em 2009, mas já tinha pronto o segundo tratamento do roteiro de “Serra Pelada”. Continuou assim, apaixonado, ao conversar com a reportagem da Revista de CINEMA durante o processo de pré-produção em Belém, no Pará. Após esta entrevista, a produção decidiu por razões de custos, não mais filmar no Pará, e o começo das filmagens ficaram para outubro, e provavelmente no interior de São Paulo.

“Ele terá todos os ingredientes para as pessoas gostarem”, acredita. Esses ingredientes, na visão de Dhalia, são a força do enredo, a natureza genuinamente brasileira da história e dos personagens, além de ter como eixo um componente que gera fascínio há séculos na humanidade: o ouro. “É um filme de pegada, masculino. Não é dócil. Mas ao mesmo tempo é muito popular por ter uma história de magnetismo. O protagonista de garimpos como Serra Pelada é o povo, o Brasil inteiro, do peão ao médico, do analfabeto ao universitário”.


Continue lendo a entrevista com Heitor Dhalia sobre o filme Serra Pelada no site da Revista de CINEMA.


domingo, 5 de agosto de 2012

Sobre quando os filmes de Stephen Frears interessavam

Gary Oldman aos 29 anos como Joe Orton em Prick up Your Ears

O plano que abre Prick up Your Ears, em que Alfred Molina pergunta, no meio de uma escuridão, "Joe? John?", é mais interessante do que qualquer outro que Stephen Frears fez desde o oscarizado A Rainha.

A relação é inversamente proporcional: quanto mais anos se passam, menos interessantes ficam os filmes de Frears. Se ainda existe expectativa em quem está descobrindo um Frears dos anos 80 em ver o que virá na sequência, o mesmo não se pode dizer da produção contemporânea do britânico.

É verdade, seus filmes ainda são bons – A Rainha, Chéri – apesar de alguns desastres no caminho – Coisas Belas e Sujas. O que está em jogo não é “bom” ou “ruim”, mas o que gera interesse, filmes sobre os quais se sente vontade de falar.

Tenho dúvidas de que Frears vai conseguir repetir o tesão de seus longas feitos entre 1984 e 1990. Um dos que me agradam bastante é justamente Prick up Your Ears, mas entram também na lista The Hit (84), Minha Adorável Lavanderia, Ligações Perigosas (88) e Os imorais (90).



Nos filmes mais novos de Frears faltam um pouco daquela inteligência na decupagem, da sensibilidade de deixar a carga dramática da cena determinar a decupagem. Casos de quando entra um terceiro elemento na relação de Joe e Kenneth, ou na cena da morte (com inspirações fortes do expressionismo) ou na da orgia no banheiro.

Prick up Your Ears surge da biografia que John Lahr escreveu de Joe Orton, promissor escritor e dramaturgo britânico assassinado a marteladas pelo namorado Kenneth Halliwell em 1967. Orton estava preparando um roteiro para os Beatles naquele momento. Kenneth, o supostamente mentor de Joe não aguentou viver nas sombras quando o sucesso alcançou o parceiro.

Alfred Molina no papel de Kenneth -- ou aquele que não sabia que não tinha talento

Há algo desses dois personagens e mais o de Peggy – que abriu as portas para o trabalho de Orton como dramaturgo – que os tornam mais fascinantes do que os que recentemente Frears apresentou. Amor, paixão, inveja, sucesso, psicose, repressão, crônica policial e social... Diante desse material Frears consegue brincar entre o drama, o melodrama e a comédia. Há o auxílio também do roteiro e especialmente da montagem neste filme.

Mas não é só pelas histórias que tornam os filmes de antes mais instigantes que os de hoje. Há algo de direção nisso. Exemplo: a cena que parece uma réplica picante de uma chanchada da Atlântida, quando Joe e Kenneth transam pela primeira vez – durante a coroação de Elizabeth II como rainha. Uma cena divertida de trocadilhos.

Assim como as nuances entre os casais que perpassam o filme, a disputa feminino/masculino, a veia psicótica do assassino...

Vendo esse Prick up Your Ears fica a sensação de que Frears não fará mais filmes tão interessantes como esses de meados da década de 80.

PS: no lançamento do DVD de The Hit pela Criterion, publicou-se um ensaio bom e necessário para contextualizar o momento da produção britânica quando Frears passa a fazer longas para cinema. Clique aqui e leia.

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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Mônica e o Desejo – novamente




A cada revisão aumenta a força do plano mais poderoso de Mônica e o Desejo  – o da foto deste post, em que ela, Mônica, casada, sai com outro numa noite qualquer buscando resgatar sua juventude perdida num casamento e maternidade precoces, e mira o espectador com um ar inquisidor de “Como ousas me julgar?”.

Esse olhar de Harriet Andersson abre as portas para o Ato III do filme. É a partir desse olhar desafiador de uma mulher que quer viver sua liberdade – e dane-se o que o mundo, inclusive o marido, pensa disso – que brota a resolução do enredo.

Há mais no filme de Bergman, desde as insinuações eróticas (Harriet andando de quatro pelo mato) à abordagem renascentista do horizonte como manancial de esperanças. Há muitas outras cenas e planos bonitos. Mas nada supera o torpor deste, em que Mônica devolve o questionamento antes mesmo de o espectador fazê-lo.

É esse poder que certas atrizes conseguem imprimir. É como Rita Hayworth em Gilda, na cena em que, perguntada pelo marido (“Gilda, are you decent?”), ela invade o quadro com uma sacudida de cabelo e devolve a pergunta com um “Me?”. Claro, Gilda e Mônica e o Desejo são dois cinemas inteiramente diferentes, o caso aqui não é comparar ambos os filmes. Mas um plano, aquele que sobrevive ao tempo e às revisões.

E esse olhar de Mônica para a câmera vai permanecer por muitos mais anos.

Bergman é tão fenomenal que decupa a cena começando por um plano detalhe numa mão que liga a jukebox, passa ao rosto de Mônica, omite e revela que com a moça está acompanhada de um homem e termina com o maravilhoso olhar de Harriet Andersson para a câmera num close-up.


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O Calígula de Gore Vidal

Malcolm McDowell segura a irmã morta em Calígula


Morreu nesta quarta-feira (1º de agosto) Gore Vidal. As manchetes das matérias e obituários têm o identificado como “celebrado escritor”, “expoente de sua geração” e outras generalizações. Além disso aí, Vidal vinha sendo o que poderíamos chamar de Cavaleiro Solitário para Tornar o Mundo Menos Medíocre.

Um exemplo: após os ataques às Torres Gêmeas em 11 de setembro, Vidal apontou o quê de culpa dos Estados Unidos em trazer o terrorismo para dentro de seu território por conta de uma política externa imperialista. Há uma década, isso soou como uma afronta de um antipatriota. Hoje, 2012, qualquer pessoa sensata que não compactue com a leitura do tea party para o momento norte-americano sabe que Vidal foi direto ao ponto.

Para encurtar a história, de sua literatura me parece fundamental Julian (1964), que Vidal escreveu sobre o último dos César não cristão. O que me leva à razão deste post: o controverso filme Calígula, roteiro original de Vidal, uma controvérsia ambulante.

Meio filme pornô, meio filme de arte, é possível dividir a autoria – mesmo que os responsáveis relutem – em três: Vidal (autor do roteiro original), Tinto Brass (o diretor que imprimiu o estilo) e Bob Guccione (o produtor malucão que remontou o filme e inseriu algumas cenas lésbicas).

Calígula, visto hoje, mais de trinta anos depois, quando sequer dá para chamar de cinematográfica a produção pornô atual, seja ela homo ou hétero, é um filme engraçado e absurdamente atrapalhado. Ora um desfile de perversões, ora uma crônica do passado histórico da humanidade.

Apesar de protagonista, Malcolm McDowell se comporta quase como um narrador da luxúria na era da dinastia Júlio-Claudiana de Roma. Melhor: um cronista da sequência de assassinatos de imperadores.



Conhecendo o restante do trabalho de Gore Vidal na literatura ou como ensaísta, talvez seja possível apontar como esta sendo a contribuição dele em Calígula – ao menos na fase inicial: uma formulação das mortes, traições, crueldade e perversões como modus operandi desta fase do Império Romano. Já a parte sanguinolenta pode-se atribuir à Tinto e as surubas e orgias a Guccione – mesmo que muitas delas se encaixem muito bem na textura do filme.

Revendo o filme me ocorreu algo muito louco: não sei se Daniel Oliveira chegou a assistir Calígula antes de compor o seu personagem Santinho em A Festa da Menina Morta. Mas olhando para o longa de Tinto enxergo muito da histeria, uma magreza, uma feminilidade, uma crueldade e uma ternura que me lembram demais o McDowell em Calígula.