quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O vilão em 007 – Operação Skyfall

Daniel Craig e Javier Bardem: o jogo do espelho em 007 - Operação Skyfall

Esse 007 – Operação Skyfall coloca outros filmes de ação com supostas pretensões no chinelo – refiro-me a Missão Impossível – Protocolo Fantasma e seus subprodutos.

Na minha preferência, disputa o posto de melhor filme de ação do ano com Os Mercenários 2 – é preciso revê-los para investigar o que sobrevive após o primeiro impacto.

O que me chama mais a atenção é a disposição da vilania. Tal como o Coringa de Batman – O Cavaleiro das Trevas, o personagem de Javier Bardem em 007 – Operação Skyfall é incontrolável. Não é vilão para alcançar o poder ou dinheiro. Nem o capital nem o status o seduzem.

Silva, o vilão, só existe por duas razões: 1) mostrar como a falha não é característica ocasional, mas ontológica ao sistema; 2) servir de espelho para M (Judi Dench) e James Bond (Daniel Craig). Quando os que estão do lado supostamente heroico olham para Bardem não miram algo distante, inalcançável, mas entram em contato consigo, com o que lhe é próximo e interior. Pois do ato heroico ao gesto condenável é um passo. O cabelo loiro de Bardem é, além de componente cômico, uma reafirmação da proximidade dessa linha, de aproximação a Bond.

James Bond, um personagem de incrível vitalidade histórica, não está distante do tempo presente. O tom de 007 – Operação Skyfall reflete um certo lugar comum sobre o estado das coisas pós-11 de Setembro (“inimigo invisível”, “ninguém está seguro”, “as forças do mal nos conhecem profundamente”).

Há outro subtexto que também me interessa: uma volta ao passado como lugar que precisamos conhecer pois ainda pode fornecer respostas ao presente. Na resolução do filme, Bond volta ao lugar onde cresceu guiando uma charmosa caranga antiga do agente secreto e tendo de enfrentar Silva com um aparato rústico (escopeta e bombas improvisadas).

Fico pensando se essa reafirmação do passado como algo ainda relevante não é uma metáfora do próprio cinema nesse momento de transformação tecnológica – leia-se soterramento da película quando ela ainda não estava inteiramente esgotada e sua substituição por um digital que não é consenso.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Em Nome De Deus, de Brillante Mendoza

Os refés e sequestradores do filme de Brillante Mendoza

Os filmes de Brillante Mendoza já me causaram raiva – não por seus temas, mas pela esquizofrenia no trato da câmera. Por isso me surpreendi ao ver Em Nome de Deus (Captive), que ainda resiste em apenas dois horários em São Paulo, ambos no CineSesc.

Mas da raiva fui para outra relação bastante incômoda: a indiferença. O que é bastante estranho para um filme com tiros, pipocos, sobe selva, desce selva, mortos, deterioração física e tudo mais de um filme sobre reféns e sequestradores ambientado na mata.

Aquela câmera que não para quieta, tão típica dos filmes de Mendoza, encaixa-se melhor neste filme. Há um clima de tensão que só faz crescer, investidas constantes do exército atirando contra qualquer um que se move. Então o tal balancê se justifica pelo realismo de Mendoza, em que a ficção precisa ser mais assustadora que a realidade – não atende ao meu gosto, mas não me parece uma escolha inteiramente equivocada.

Depois de duas horas de filme, não saquei o que Mendoza queria afirmar, para além de mostrar, com Em Nome de Deus. Ilustrar o que resta de humanidade (os afetos entre as enfermeiras, a relação da personagem de Isabelle Huppert com Ahamed)? Questionar o desinteresse do Estado para resgatar os reféns? Sobrevoar uma questão de difícil resolução política? Comentar como tem se tornado cada vez mais inseparável a religião da guerra?

Que o filme é OK, correto, com uma noção aguçada de ritmo, isso se atesta, não questiono – mas também isso é obrigação para um diretor alçado num lugar de prestígio por Cannes. Mas o algo a mais, aquilo que causa a permanência do filme, aquilo que vai à realidade para devolver o espectador algo diferente, que exorcize, nem de longe Em Nome de Deus o é.

Por vezes senti que Mendoza fazia um especial de televisão bem produzido, com uma ou outra passagem próxima do cinema.

Filme da Semana

A cena mais frenética de Boy Meets Girl

Boy Meets Girl (1984), de Leos Carax. Aquecimento para a estreia nesta sexta-feira (30/11) de Holy Motors, o novo filme do diretor francês. Para quem se encantou com (500) Dias com Ela e outros filmes hype do gênero "garoto encontra garota", o de Carax é obrigatório porque está a muitas léguas cinematográficas à frente.

No Brasil, nenhum dos três longas de Carax foi lançado em DVD. Porém, estão disponíveis para download em fóruns de compartilhamento -- Making Of, o mais seletivo, e o Kick-ass Torrent. Lá fora, o selo Artificial Eye (publiquei anteriormente que fora a Criterion Collection, mas o Paulo Santos Lima me corrigiu), lançou uma caixa da obra do francês -- é possível adquirir na Amazon.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Homofobia e John Carpenter: Eles Vivem

O impacto de Frank quando põe os óculos e descobre o que está por trás das máscaras

Sábado, 14h da tarde. Manifestação em lembrança do assassinato de Lucas Fortuna, jornalista e militante LGBT morto em Recife por homofobia. Protesto atentando para a urgência em aprovar o PLC 122 [entenda aqui].

Uma hora depois do horário marcado para a concentração, poucas pessoas. Trinta, quarenta talvez. Obviamente um número ridículo dada a importância e urgência do tema. Panfletagem com os pedestres, faixas de “Homofobia mata” mostradas para os motoristas no sinal vermelho.

Fico feliz que ao menos algumas dezenas de pessoas se mobilizaram. Mas bastante melancólico também: para um assunto como esses um pequeno grupo resolveu sair de casa, num sábado à tarde, para falar algo. Do outro lado da avenida, uma bateria de (acho) alguma agremiação de atlética de universidade estava ensaiando. Havia mais gente por lá tirando foto do que do outro lado. Observando o que há de generalização no comentário que segue, esse cenário fala um pouco sobre nós.

Lembro novamente de um dos grandes filmes de John Carpenter, Eles Vivem. Para quem nunca viu o filme, a história: um cidadão descobre uma caixa de óculos com poderes especiais em revelar a manipulação da mídia e da propaganda. A olho nu, vemos num anúncio com uma mulher gostosa; com os óculos, a inscrição “COMPRE”. O cidadão – ironicamente chamado de Nada – passa a lutar desesperadamente para difundir a verdade.

Se quisermos ser mais rigorosos, Eles Vivem é mais do que uma crítica, por meio do cinema de gênero, ao consumismo. É primordialmente anticapitalista porque ataca um dos esteios do sistema – a criação de falsas necessidades.

Mas esse filme do Carpenter serve para ilustrar vários tipos de cegueira, da escolha deliberada em não ver. Quando se põe os óculos causa dor de cabeça, incômodo. E alertar para a importância de estar de óculos é um exercício bastante dolorido. Carpenter, gênio, teve essa percepção e filmou a maravilhosa cena abaixo, quando Nada tenta colocar os óculos no amigo Frank.



***

A edição de 12 de novembro da New Yorker, melhor revista contemporânea de reportagem, publicou um longo artigo sobre a situação das mulheres no Egito pós-Primavera Árabe e a queda de Hosni Mubarak [leia aqui]

Uma bola de neve que torna bastante complicado entender detalhes, avanços e retrocessos. Um trecho:

Eu perguntei para o grupo [de mulheres ativistas] se elas achavam que a participação da mulher na revolução teria mudado a posição delas na sociedade como um todo.
Hana respondeu com cautela. “Nós mostramos para a sociedade através da revolução que nós existimos, que estamos aqui (…)
Perguntei se elas achavam que a revolução havia ajudado as mulheres no Egito. Hana disse que “sim”.
Samar: “Ainda não”.
Badawi: “Certamente não”.

O jornalista Wendell Steavenson faz ainda um panorama das contradições da Irmandade Islâmica, que ensaiou regredir em alguns aspectos da condição feminina – aumento para a idade mínima do matrimônio, criminalização da circuncisão feminina, divórcio sem penalidades, direito sobre o filho após a separação.

Mas um câncer da sociedade egípcia, diz Steavenson, não diminuiu: assédio sexual. “É uma endemia no Egito. Segundo uma pesquisa de 2008, 60% da população masculina admite ter assediado sexualmente uma mulher – e todas as mulheres que conheci no Egito tinham alguma história sobre assédio para me contar”.

Cairo 678 aborda realidade de assédio sexual no Egito

A Imovision lançou um filme que joga luzes no assunto, Cairo 678. São três histórias distintas de mulheres de diferentes classes sociais. Todas são vítimas e respondem aos abusos de maneira distinta.

Uma pena, porém, que o filme embarque numa confusão entre melodrama e linguagem televisiva. Em parte, entendo, é o desespero em sensibilizar, chamar a atenção, sair da obscuridade. Mas não podemos esquecer que o cinema tem um leque de possibilidades para evitar tais tiques.

Mas ao menos Cairo 678 vale de ilustração para a condição da mulher egípcia, retratada na pós-Primavera Árabe pela reportagem da New Yorker.

Textos relacionados:
Cairo 678 - crítica na Revista Interlúdio
John Carpenter: entrevista com o diretor no Valor Econômico

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Filme da semana

Richard Carlson e Bette Davis em Pérfida (The Little Foxes)

Pérfida (The Little Foxes, 1941), um dos grandes filmes de William Wyler. Queria ter encontrado no YouTube a cena em que, no momento que a câmera encontra a personagem de Bette Davis, a iluminação diminui, criando um efeito de negatividade que ela exerce na família.

Segue, então, um pedaço longo. Preste atenção do trecho 0:55 a 1:26.

domingo, 18 de novembro de 2012

Louis Malle e Eduardo Coutinho: o teatro

Tio Vânia em Nova York, de Louis Malle

Eduardo Coutinho permanece como o nome brasileiro mais conhecido entre os que investigaram as possibilidades de o cinema lidar com o teatro para além do registro da peça em imagem, do teatro filmado.

O resultado de Jogo de Cena é consenso, encantou espectadores, seduziu a crítica. Moscou, por outro lado, dividiu, carregando o séquito de defensores e detratores. Justifica-se: é um filme-impasse que versa mais sobre o que há no ator antes de existir, ou melhor, ao lado da existência do personagem que acompanhamos numa encenação. Parte-se do personagem para chegar no ator.

Lançado em 2009, Moscou talvez seja o último filme brasileiro a gerar um debate interessante envolvendo setores distintos. De lá para cá, tivemos uma breve discussão em torno de O Palhaço, se o filme de Selton Mello seria de fato uma alternativa para conciliar cinema e público, arte e bilheteria. Esqueci de algo ou foi só isso?

Moscou, de Eduardo Coutinho

Mas falo de Coutinho para chegar em Louis Malle e seu Tio Vânia em Nova York (Vanya on 42nd Street), programado na retrospectiva do diretor que acontece simultaneamente no CCBB-SP e no Cinusp [programação aqui]. A cópia, aliás, fornecida pela Pandora, está bastante castigada, comendo pedaços de diálogos.

Malle, sabe-se, é bastante versátil no tratamento dos gêneros. Foi da sátira Zazie no Metrô para o erótico Perdas e Danos. Já havia jogado com as fronteiras do ator e personagem em Meu Jantar com André. Mas esse Tio Vânia de Malle não me atrai quase nada.

Especialmente porque, à exceção dos primeiros minutos, quando os atores estão misturados na paisagem da cidade, embaralhando o ponto inicial da peça, o filme se assume um teatro filmado. Decupado, é verdade, mas ainda assim mero registro de temas elementares do texto de Chekhov.



Entre o que Malle fez em 1994 no seu derradeiro filme (morreria em 1995) e Coutinho em 2009, fico com Moscou, pois este bagunça o lugar do espectador.

Para retomar o que o antepenúltimo filme de Coutinho fornece à discussão – viriam ainda Um Dia na Vida e As Canções – vale recuperar alguns textos.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Filme da semana

Wadeck Stanczak e Juliette Binoche em clássico de Téchiné

Rendez-vous (1985), de André Téchiné, lançamento de dezembro em DVD pela Lume Filmes. Aguardem texto na próxima edição da Revista Preview.

domingo, 11 de novembro de 2012

MixBrasil: filmes e projeções + Louis Malle no CCBB

A Idade Atômica, atração do MixBrasil, e Os Amantes, da retrospectiva Louis Malle

Cidade que se lembrou há pouco que pode voltar a oferecer amor, São Paulo tem dois eventos cinematográficos fortes acontecendo simultaneamente. Não há tempo para ficarmos com ressaca da Mostra por causa do MixBrasil e da retrospectiva do Louis Malle.

Do segundo, muita coisa em película, apesar do DVD de Perdas e Danos. Malle é daqueles cuja obra carrega um estigma: parece que toda vez que seu nome é citado faz-se necessário acompanhar o adjetivo “polêmico”. Não à toa, o subtítulo da retrospectiva no CCBB é “Versátil e Polêmico”.

A retrospectiva serve de convite para que o véu da polêmica não encubra o seu cinema, especialmente o que ele oferece de erotismo, seja na fase francesa como em Os Amantes, seja na estrangeira – Atlantic City é um dos filmes especiais.

Mas há também o MixBrasil, que chega à 20ª edição. Ainda vejo um quê de milagre na solidez deste festival. Não em 2012, em que as demandas GLBT estão mais às vistas (e a contrapartida negativa é a escalada da homofobia), mas em 1992, ano que ele foi fundado. Ainda não existiam nem Filadélfia nem E A Vida Continua, dois filmes que, apesar do tom trágico, tiram os gays do gueto e os colocam nas portas das casas das famílias.

O MixBrasil tem proporcionado boas descobertas. Caso de Tomboy, um prosseguimento bastante digno da carreira da diretora Céline Sciamma (Lírios D'água) [leia a crítica aqui], ou do ótimo curta Na Sua Companhia, de Marcelo Caetano que circulou por vários festivais em 2012, mas estreou no Mix ano passado [leia a crítica aqui].

Mas como qualquer festival que abra uma janela para a produção, o Mix já trouxe algumas bombas. O que dizer de Do Começo ao Fim ou Homem ao Banho?

Em três dias de festival, assisti a três longas da programação. A Última Vez que Vi Macau, de João Pedro Rodrigues, que já tinha conferido no Festival do Rio [leia o diário aqui]; Um Homem Adorável, de Teddy Soeriaatmadja. Acompanhar uma história ambientada na Indonésia sobre um pai travesti que recebe a visita da filha foi o que me despertou a curiosidade.

O roteiro é bom. A solução heroica do final também, tal como a relação acidental de afeto desabrocha entre pai e filha. Ou seja, o filme passa perto de ser bom, se não fosse a direção implodir o que estava de pé. Primeiro porque Soeriaatmadja tem um entendimento bastante confuso do melodrama: acha que basta colocar algumas notas no piano, câmera colada e diálogo empolado e pronto. É preciso aprender que isso não é melodrama, mas televisão.

Segundo: a praga da câmera irriquieta. Isso é realmente uma praga! Num momento típico de tableau, pai e filha conversam, abrem o coração, e a câmera balança, bêbada, simplesmente impossibilitando o espectador de apreciar a construção dos atores para chegar em tal estado emocional. Isso se repete durante todo o filme. É medo de que a câmera estática, no tripé, seja vista como falta de ação? Quanto equívoco!

O outro longa que vi até agora no MixBrasil é Idade Atômica, que chegou aos meus ouvidos por recomendação de amigos – após a sessão descobri que havia ganho o Prêmio da Crítica da mostra Panorama do Festival de Berlim. Bem verdade, foi mais interessante a experiência durante o filme do que os pensamentos após a sessão. Ele acaba ali, na sala de cinema.



Mas tem momentos bons, que se não permanecem, ao menos levam o espectador a um estado quase hipnótico. A sequência na boate, com os corpos banhados do azul, do amarelo, do vermelho e do preto da iluminação causam um estranhamento. Ou o subtexto da velada paixão do amigo Rainer por Victor, além do duplo sentido do título – a tal idade atômica pode se referir tanto à adolescência quanto ao contexto de Guerra Fria.

Apreciaria mais os momentos puramente visuais de A Idade Atômica não fosse a projeção sofrível. Imagino que não seja responsabilidade do CineSesc, onde assisti ao filme, já que as exibições da MostraSP em DCP estavam belíssimas – como esquecer as cores vibrantes de Lawrence da Arábia?

Em anos anteriores, a Mostra aceitou filmes com qualidade de imagem horrorosa, vexatória, como Carlos, do Assayas. Neste ano, porém, pairou a sensação de que o festival finalmente levou o problema a sério, tomando as rédeas e melhorando bastante o nível das projeções. Palmas para a Mostra.

O MixBrasil tem de fazer o mesmo: levar o assunto das projeções a sério. Não dá para trazer um filme que aposta na beleza das cenas noturnas, mas exibi-lo numa qualidade que impede o olhar de realmente ver o que está na imagem.