segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Homofobia e John Carpenter: Eles Vivem

O impacto de Frank quando põe os óculos e descobre o que está por trás das máscaras

Sábado, 14h da tarde. Manifestação em lembrança do assassinato de Lucas Fortuna, jornalista e militante LGBT morto em Recife por homofobia. Protesto atentando para a urgência em aprovar o PLC 122 [entenda aqui].

Uma hora depois do horário marcado para a concentração, poucas pessoas. Trinta, quarenta talvez. Obviamente um número ridículo dada a importância e urgência do tema. Panfletagem com os pedestres, faixas de “Homofobia mata” mostradas para os motoristas no sinal vermelho.

Fico feliz que ao menos algumas dezenas de pessoas se mobilizaram. Mas bastante melancólico também: para um assunto como esses um pequeno grupo resolveu sair de casa, num sábado à tarde, para falar algo. Do outro lado da avenida, uma bateria de (acho) alguma agremiação de atlética de universidade estava ensaiando. Havia mais gente por lá tirando foto do que do outro lado. Observando o que há de generalização no comentário que segue, esse cenário fala um pouco sobre nós.

Lembro novamente de um dos grandes filmes de John Carpenter, Eles Vivem. Para quem nunca viu o filme, a história: um cidadão descobre uma caixa de óculos com poderes especiais em revelar a manipulação da mídia e da propaganda. A olho nu, vemos num anúncio com uma mulher gostosa; com os óculos, a inscrição “COMPRE”. O cidadão – ironicamente chamado de Nada – passa a lutar desesperadamente para difundir a verdade.

Se quisermos ser mais rigorosos, Eles Vivem é mais do que uma crítica, por meio do cinema de gênero, ao consumismo. É primordialmente anticapitalista porque ataca um dos esteios do sistema – a criação de falsas necessidades.

Mas esse filme do Carpenter serve para ilustrar vários tipos de cegueira, da escolha deliberada em não ver. Quando se põe os óculos causa dor de cabeça, incômodo. E alertar para a importância de estar de óculos é um exercício bastante dolorido. Carpenter, gênio, teve essa percepção e filmou a maravilhosa cena abaixo, quando Nada tenta colocar os óculos no amigo Frank.



***

A edição de 12 de novembro da New Yorker, melhor revista contemporânea de reportagem, publicou um longo artigo sobre a situação das mulheres no Egito pós-Primavera Árabe e a queda de Hosni Mubarak [leia aqui]

Uma bola de neve que torna bastante complicado entender detalhes, avanços e retrocessos. Um trecho:

Eu perguntei para o grupo [de mulheres ativistas] se elas achavam que a participação da mulher na revolução teria mudado a posição delas na sociedade como um todo.
Hana respondeu com cautela. “Nós mostramos para a sociedade através da revolução que nós existimos, que estamos aqui (…)
Perguntei se elas achavam que a revolução havia ajudado as mulheres no Egito. Hana disse que “sim”.
Samar: “Ainda não”.
Badawi: “Certamente não”.

O jornalista Wendell Steavenson faz ainda um panorama das contradições da Irmandade Islâmica, que ensaiou regredir em alguns aspectos da condição feminina – aumento para a idade mínima do matrimônio, criminalização da circuncisão feminina, divórcio sem penalidades, direito sobre o filho após a separação.

Mas um câncer da sociedade egípcia, diz Steavenson, não diminuiu: assédio sexual. “É uma endemia no Egito. Segundo uma pesquisa de 2008, 60% da população masculina admite ter assediado sexualmente uma mulher – e todas as mulheres que conheci no Egito tinham alguma história sobre assédio para me contar”.

Cairo 678 aborda realidade de assédio sexual no Egito

A Imovision lançou um filme que joga luzes no assunto, Cairo 678. São três histórias distintas de mulheres de diferentes classes sociais. Todas são vítimas e respondem aos abusos de maneira distinta.

Uma pena, porém, que o filme embarque numa confusão entre melodrama e linguagem televisiva. Em parte, entendo, é o desespero em sensibilizar, chamar a atenção, sair da obscuridade. Mas não podemos esquecer que o cinema tem um leque de possibilidades para evitar tais tiques.

Mas ao menos Cairo 678 vale de ilustração para a condição da mulher egípcia, retratada na pós-Primavera Árabe pela reportagem da New Yorker.

Textos relacionados:
Cairo 678 - crítica na Revista Interlúdio
John Carpenter: entrevista com o diretor no Valor Econômico

Nenhum comentário: