segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Azul é a cor mais quente

Fui assistir ao filme de Kechiche, que já chegou ao Brasil cercado de expectativas. Primeiro problema: aguardei durante as três horas surgir o tal grande filme. Só encontrei um filme sólido, com clareza de interesses, momentos belos e outros bastante questionáveis. Enfim, aos que gostam de cotação: um três estrelas.

Clareza de interesses: Azul é a cor mais quente está todo estruturado na ausência de distanciamento entre a câmera e a personagem, Adèle, a encantadora menina em sua jornada de saída da infância e da adolescência para os primeiros passos na vida adulta. Ao colar a câmera na atriz incessantemente está explícito: teremos de enxergar e sentir o mundo tal como Adèle. Ela é, pois, nossa porta de entrada para o mundo. Não nos é dada muita possibilidade de respiro fora dos poros de Adèle. Na verdade, o ar que respiramos no filme vem sempre repassado de seus pulmões.

Momentos belos: o sexo é de uma beleza absurda em Azul é a cor mais quente. Minha sensação é que até esse filme chegar eu jamais tinha vivido uma representação cinematográfica autêntica do orgasmo feminino. Acho ainda mais curioso que o responsável por isso seja um diretOR, não uma diretORA.

Nessa falta de distância personagem-câmera-espectador, me soam muito bonitas as duas longas sequências em que Emma, se solidificando como pintora, é o centro das atenções (numa festa no jardim e numa vernissage). Adèle, ao mesmo tempo pertencente (porque companheira de Emma) e estrangeira (porque não é artista) à aquele mundo, está perdida. Na primeira, o que lhe resta é perguntar incessantemente “quer mais macarrão?”; na segunda, a atitude mais digna é assumir a derrota.



Fora isso e uma evidente capacidade olhar Adèle (especialmente no capítulo 1, quando ela está descobrindo o que é crescer), só vejo um filme correto e sólido – estão lá as necessárias elipses e o cuidado em escolher os intervalos certos para se recortar e apresentar ao público ou o amálgama da câmera com as personagens.

Há as escolhas questionáveis também: filmar no contraluz é tão arriscado quanto usar violino em trilha sonora, pois a chance de desandar é gigante. E quando Kechiche filma um beijo com a luz do sol estourando entre os lábios das meninas eu já acho um pouco boboca demais. Infantil também é voltar ao parque onde tudo começou e que agora guarda rastros de melancolia; ou terminar com aquele plano para lá de previsível; ou o maniqueísmo fácil dos pais de Emma serem liberais, enquanto os de Adèle são os conservadores.

[Quem leu o texto até agora não encontrou uma vez sequer a palavra “polêmica”. Simples: ela não existe. A maneira que o filme foi circundado e acusado de polêmico ou a prisão ao jornalismo declaratório, que ficou levando a troca de farpas entre diretor e atriz no tom “ele me explorou”-“ela quer tirar vantagem”, só vem a ilustrar o vazio do debate cultural].

Até agora, li duas críticas de Azul é a cor mais quente. Ambas escritas por quem gostou muito do filme. A primeira de Carol Almeida [clique aqui e leia], que faz uma defesa do filme sob o ponto de vista de quem embarcou. A segunda do Inácio Araújo [clique aqui e leia], que defende o filme por sentir que ele responde a uma inquietação que é cara ao crítico: a tendência do cinema contemporâneo se isolar do mundo.

Acho o texto da Carol bonito, leitura complementada na conversa que tivemos. Mas como ela fala de um lugar de quem embarcou, o diálogo vai só até certo ponto. Já o do Inácio fala de uma questão que também me interessa, mas não acho que esse mérito do filme (lidar com o real, mostrar em vez de demonstrar) o torna grande, apenas interessante e respeitável.

Talvez numa revisão aconteça o encantamento que não veio num primeiro contato. Porém, sintoma de que o filme não bateu em mim, sequer me animo de fato a revê-lo. Se tivesse odiado, o faria; como só achei bom, vou priorizar outras revisões – Bressane – ou a primeiros contatos – Guiraudie, Lina Chamie.

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