“Daí eu pensei em como fazer um filme agradável, legal e gânster: Brasília, I love you”.
O que esperar de um filme cuja sinopse é essa aí acima? Dá pra esperar muita coisa porque A Cidade é Uma Só?, filme vencedor da Mostra de Tiradentes deste ano, é exatamente isso: agradável, legal e gângster.
Mas faltou acrescentar algo: político. A Cidade é Uma Só? é uma comédia política de dramaturgia difícil comparação ou classificação com o que está sendo feito no cinema brasileiro contemporâneo. Quem acompanhar a sessão de sexta-feira (20/4), às 2340, na TV Brasil, vai ter a chance de conferir que cinema crítico e humor se dão muito bem.
Adirley Queirós, o diretor, segue e constrói três personagens: um especulador imobiliário da periferia; um faxineiro que quer se candidatar a vereador pelo PCN (Partido da Correria Nacional); e uma senhora que vivenciou a exclusão da população pobre do “embelezamento” de Brasília nos anos 1970. Pano de fundo: a invenção de Ceilândia pela Ditadura Militar, cidade satélite que foi literalmente inventada (o “cei” de “Ceilândia” significa Campanha de Erradicação de Invasões). Adirley se define como “da primeira geração pós-aborto territorial”.
A Cidade é Uma Só? não foge da raia e vai para a briga: questiona a máquina eleitoral e a manipulação, o processo histórico excludente de Brasília, o discurso escroto da Ditadura Militar. Mas em vez de nos entregar um filme engessado com entrevistas de especialistas, falas emocionadas e outros bla bla bla, vemos um filme de amor e de risos.
Sua dramaturgia dá um drible em quem fica preso nas denominações de documentário e ficção. Não se sabe muito bem o que é encenação orquestrada ou espontânea. Também isso não importa porque em A Cidade é Uma Só? é tudo verdade, mesmo que quase tudo seja mentira. Mas não vou entregar mais do que isso para não estragar a surpresa.
O que reitero é esse poder que o filme tem de ser crítico, mas não sisudo. Ora se apoia inteiramente no seu personagem mais carismático, Dildu, o candidato a vereador, dono de um jingle maravilhoso (“Vamô votá, votá legal, 77223 pra Distrital. Dildu!”). Ora concentra a força da crítica em planos de rara beleza cinematográfica (o próprio encontro de Dildu em sua campanha isolada com a máquina eleitoreira profissional, personificada por um gigante carro de som, assim como a caminhada do cavaleiro solitário num cenário descampado de desolação).
A Cidade é uma Só é uma pequena contribuição ao cinema brasileiro que se assume como crítico. É possível colocar em debate e questionar o passado ou o presente sendo, sim, muito agradável, legal. E gângster, se possível.
Em tempo: quem já assistiu ou vier a assistir ao filme pode buscar comparativos dramatúrgicos tanto com O Céu Sobre os Ombros quanto Avenida Brasília Formosa. Faz sentido, sim, mas o filme de Adirley tem um humor crítico que não vejo muito nos outros filmes. E disso eu gosto demais.
Em tempo 2: a sessão em Tiradentes foi lindíssima, uma das mais eletrizantes que já presenciei em festival de cinema. Cine Tenda lotado embarcando no filme e entoando o jingle de Dildu no final. OK, emocionante, mas tenho um pouco de receio se quem embarcou na comédia da superfície deixou de perceber o que está por baixo. O mesmo medo que tenho com o “agridoce” de As Neves do Kilimanjaro.
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