Ainda acho que a sequência (inteligentemente chamada por Ricardo Calil em texto para a Folha de “remake”) poderia render mais pano para a manga nas críticas do que tem rendido. Basicamente, existem os que adoram como Todd Phillips tornou seu filme ainda mais grosseiro. Do outro lado, os que se incomodam profundamente justamente pela grosseria do filme.
Dar risada ou não em Se Beber, Não Case! Parte II é pura questão de gosto. Imagino que fãs do tipo de humor dos irmãos Farrelly, por exemplo, vão adorar a sequência/refilmagem de Phillips. Por estar na fronteira do gosto, penso que poderia haver outras leituras para a existência desses três homens – Stu, Phil e Alan – que não passam de adolescentes que projetam uma Tailândia como fuga da mediocridade diária.
Que tipo de homem é esse que só aceita viver (eu disse “viver”, não “sobreviver”) quando está a milhares de quilômetros de casa, num país estranho e profundamente bêbado? Como o humor que surge das constrangedoras situações que eles atravessam (aliás, nem considero que haja mesmo humor nelas) leva espectadores ao delírio?
Seria por que quem vai assistir a Se Beber, Não Case! Parte II se identifica tacitamente com o “bando de lobos” que embarca na esbórnia na Tailândia? Então somos todos reprimidos a fingir uma felicidade diária e permitir o gozo apenas num momento de exceção?
Da dezena de críticas que li até agora – adoraria compreender mais línguas para perceber a reação da crítica croata, dinamarquesa, alemã –, os textos batem na mesma tecla: perdeu-se a originalidade do primeiro, aumentaram as grosserias das piadas e repetiu-se todas as situações do enredo, sintoma de que a sequência justifica-se apenas pelo dinheiro a ser faturado. Cria-se uma falsa dicotomia entre politicamente correto e incorreto ou textos de críticos órfãos da catarse causada pelo primeiro.
Ainda acho que é o caminho mais fácil de leitura, talvez porque a crítica tenha gasto muita energia com Se Beber, Não Case! e agora, como o filme é um repeteco do primeiro, mudando apenas a cor local, resolveu engatar marcha lenta.
Entre discutir se Se Beber, Não Case! Parte II provoca risos ou não, ainda acho mais produtivo tentar entender como a humanidade se reflete, ou não, em Stu, Phil e Alan. Por isso, a crítica de Manohla Dargis é precisa ao dizer: “Nos dois filmes, adultos abandonam a existência diária, deixando para trás namoradas, esposas, pais e trabalho de forma a curtir, sentir, viver, e é por isso que esse tipo de comédia são melhores se encaradas como tragédias”.
sexta-feira, 27 de maio de 2011
terça-feira, 17 de maio de 2011
Manoel de Oliveira e a rapariga loura
Que Portugal é essa que tem a tecnologia (ilustrada por um moderníssimo monitor de computador) e a tradição (homem tem de pedir a mão da amada à sua mãe) lado a lado? Questão levantada indiretamente por Singularidades de uma Rapariga Loura, do centenário Manoel de Oliveira.
Macário é um contador que no escritório praticamente não tem papeis. Tudo é feito no ambiente virtual, no computador, com barulhinhos de teclado. Estamos diante de uma Portugal moderna, certo? Nem tanto: o rapaz vive uma numa prisão invisível na casa de seu tio e parece não ter espaço para exercer seu desejo, sair das amarras.
Os carros que vemos nas ruas de Lisboa são modernos, mas os costumes de seus donos não. Como vemos na cena do recital: parece que presenciamos uma reunião de elite do Século 19! Uma mulher (Ana Miranda) toca Debussy numa harpa (!)
Na atmosfera, Singularidades de uma Rapariga Loura (e só lá no final vamos saber porque a tal moça tem certas “singularidades”) vive entre o presente e o passado. Em O Estranho Caso de Angélica a genialidade de Oliveira vinha do desvario apaixonado do fotógrafo, o que há de mais encantador vem da construção da paixão de Macário (Ricardo Trêpa) e Luísa Villaça (Catarina Wallenstein, que me lembrou muito Lea Seydoux em A Bela Junie).
Como esse português filma bem o jogo da conquista! Ele olha atravessado, ela dá duas voltas no leque. Ele pega o papel e se aproxima da janela, tímido ao dirigir um olhar à musa; ela olha para baixo, mexe novamente o leque chinês.
Cada plano tem a duração certa, milimetricamente calculada. Oliveira faz pinturas que se movem. É verdade que Singularidades de uma Rapariga Loura tem uma estrutura mais simples, baseada no flashback que faz de Macário um narrador de seu próprio amor e desventura. Mas, mesmo que não se saia estatelado da sala de cinema
Em tempo, um elogio: Leon Cakoff, da Mostra Internacional de Cinema, é um dos responsáveis por possibilitar ao espectador brasileiro o acesso, na sala de cinema, à obra de Manoel de Oliveira. Ano passado, O Estranho Caso de Angélica abriu a Mostra e, se não tivesse adoecido, o cineasta centenário teria vindo ao Brasil.
Singularidades de Uma Rapariga Loura está em cartaz distribuído pelo selo da Mostra e numa linda cópia em 35mm!
Macário é um contador que no escritório praticamente não tem papeis. Tudo é feito no ambiente virtual, no computador, com barulhinhos de teclado. Estamos diante de uma Portugal moderna, certo? Nem tanto: o rapaz vive uma numa prisão invisível na casa de seu tio e parece não ter espaço para exercer seu desejo, sair das amarras.
Os carros que vemos nas ruas de Lisboa são modernos, mas os costumes de seus donos não. Como vemos na cena do recital: parece que presenciamos uma reunião de elite do Século 19! Uma mulher (Ana Miranda) toca Debussy numa harpa (!)
Na atmosfera, Singularidades de uma Rapariga Loura (e só lá no final vamos saber porque a tal moça tem certas “singularidades”) vive entre o presente e o passado. Em O Estranho Caso de Angélica a genialidade de Oliveira vinha do desvario apaixonado do fotógrafo, o que há de mais encantador vem da construção da paixão de Macário (Ricardo Trêpa) e Luísa Villaça (Catarina Wallenstein, que me lembrou muito Lea Seydoux em A Bela Junie).
Como esse português filma bem o jogo da conquista! Ele olha atravessado, ela dá duas voltas no leque. Ele pega o papel e se aproxima da janela, tímido ao dirigir um olhar à musa; ela olha para baixo, mexe novamente o leque chinês.
Cada plano tem a duração certa, milimetricamente calculada. Oliveira faz pinturas que se movem. É verdade que Singularidades de uma Rapariga Loura tem uma estrutura mais simples, baseada no flashback que faz de Macário um narrador de seu próprio amor e desventura. Mas, mesmo que não se saia estatelado da sala de cinema
Em tempo, um elogio: Leon Cakoff, da Mostra Internacional de Cinema, é um dos responsáveis por possibilitar ao espectador brasileiro o acesso, na sala de cinema, à obra de Manoel de Oliveira. Ano passado, O Estranho Caso de Angélica abriu a Mostra e, se não tivesse adoecido, o cineasta centenário teria vindo ao Brasil.
Singularidades de Uma Rapariga Loura está em cartaz distribuído pelo selo da Mostra e numa linda cópia em 35mm!
quinta-feira, 12 de maio de 2011
O Cine PE 2011 não acabou
Apesar de as exibições do 15º Cine PE terem acabado na sexta-feira, dia 6, parece que o festival ainda não terminou. Ou melhor: que a edição de 2012 já começou. Motivo: a aproximação (ou falta dela) do festival com a evolução do cinema feito em Pernambuco nos últimos 15 anos.
Na cerimônia de encerramento, um grupo de realizadores subiu ao palco do Teatro Guararapes para pedir “Menos Glamour, mais Cinema!”, conforme dizia uma faixa. No texto de balanço escrito para o Cineclick, comentei, na figura de um admirador estrangeiro dos vários cinemas que vêm de lá, a sensação de distância entre a produção e a janela de exibição dentro do Cine PE.
O sentimento é esse: a gente vê Um Lugar ao Sol despertar reações raivosas ou apaixonadas na Mostra de Tiradentes, Recife Frio conquistar os espectadores de Brasília, e muitos outros curtas e longas criarem possibilidades de diálogo com outros festivais. Mas não se vê a mesma reverberação desses filmes feitos em Pernambuco no festival local.
O protesto do encerramento do Cine PE teve mais um capítulo na noite de quarta-feira (11/5). Ressaltando que se trata de uma tentativa de diálogo, postura que talvez os realizadores hoje quarentões que se envolveram na feitura do renascimento da produção local em 1996, com Baile Perfumado, já não tenham mais paciência para bancar. Cabe aos mais jovens que ainda buscam se estabelecer como realizadores abrir essa porta.
O crítico Luiz Joaquim, do Cinema Escrito e da Folha de Pernambuco, nos conta que aconteceu uma reunião entre o grupo que pediu menos flashes, mais filmes. Segundo Joaquim, cerca de 30 realizadores discutiram oito temas que sugerem mudanças no formato do festival. A carta de reivindicações só será tornada pública quando chegar ao conhecimento de Alfredo e Sandra Bertini, organizadores do Cine PE, e do governo do Estado.
O 15º Cine PE não terminou. Ou o 16º já começou.
Em tempo: André Dib, crítico do Diário de Pernambuco, relatou, até com mais propriedade, essa sensação de distanciamento festival-realizadores e conversou com o diretor do Cine PE a respeito. Ah, Dib é autor da foto que ilustra este post.
Na cerimônia de encerramento, um grupo de realizadores subiu ao palco do Teatro Guararapes para pedir “Menos Glamour, mais Cinema!”, conforme dizia uma faixa. No texto de balanço escrito para o Cineclick, comentei, na figura de um admirador estrangeiro dos vários cinemas que vêm de lá, a sensação de distância entre a produção e a janela de exibição dentro do Cine PE.
O sentimento é esse: a gente vê Um Lugar ao Sol despertar reações raivosas ou apaixonadas na Mostra de Tiradentes, Recife Frio conquistar os espectadores de Brasília, e muitos outros curtas e longas criarem possibilidades de diálogo com outros festivais. Mas não se vê a mesma reverberação desses filmes feitos em Pernambuco no festival local.
O protesto do encerramento do Cine PE teve mais um capítulo na noite de quarta-feira (11/5). Ressaltando que se trata de uma tentativa de diálogo, postura que talvez os realizadores hoje quarentões que se envolveram na feitura do renascimento da produção local em 1996, com Baile Perfumado, já não tenham mais paciência para bancar. Cabe aos mais jovens que ainda buscam se estabelecer como realizadores abrir essa porta.
O crítico Luiz Joaquim, do Cinema Escrito e da Folha de Pernambuco, nos conta que aconteceu uma reunião entre o grupo que pediu menos flashes, mais filmes. Segundo Joaquim, cerca de 30 realizadores discutiram oito temas que sugerem mudanças no formato do festival. A carta de reivindicações só será tornada pública quando chegar ao conhecimento de Alfredo e Sandra Bertini, organizadores do Cine PE, e do governo do Estado.
O 15º Cine PE não terminou. Ou o 16º já começou.
Em tempo: André Dib, crítico do Diário de Pernambuco, relatou, até com mais propriedade, essa sensação de distanciamento festival-realizadores e conversou com o diretor do Cine PE a respeito. Ah, Dib é autor da foto que ilustra este post.
segunda-feira, 2 de maio de 2011
Família Vende Tudo e a comédia arrogante
-- de Recife*
Será mesmo que o público disposto a pagar os preços salgados dos ingressos de cinema, acrescido de algum combo de pipoca com refrigerante, rejeita qualquer comédia que não seja estrambótica? A questão do “gosto do público”, cuja tentativa de compreensão é sustentada tanto por dados de pesquisa quanto pela chutologia, é pertinente a Família Vende Tudo, exibido no domingo (1º de maio) aqui no Cine PE.
Pornochanchada, Zorra Total e comédia italiana se encontram nesse filme. Uma família pobre que rebola para sobrevier decide vender a filha para um cantor famoso e sair da miséria. Espera aí: rebobine, por favor: decide vender a filha para um cantor. É isso mesmo: como pacote de Trakinas no supermercado, Lindinha é oferecida para o primeiro endinheirado pronto a cair nas armadilhas de uma Maria Chuteira – no caso, uma Maria Violão, já que a vítima é o cantor Ivan Carlos. Sai o ser humano, entra a mercadoria. E está tudo bem, tudo ótimo.
Família Vende Tudo pisa sem dó em todos os seus personagens. Vai até o cotidiano do pobre, trata com arrogância a família do título, faz troça e oferece isso em forma de filme. O evangélico é um babaca com seus cultos risíveis cheio de música; a lésbica é uma dike que quer trepar com a gostosona (e burra) do filme, Luana Piovani; o cantor popular é um brega que precisa ser castigado pela Direção de Arte, disposta a dizer “olha como ele tem mau gosto”; o negro é um potencial bandido, como ilustra a sequência final.
O filme não está disposto a entender seus personagens, mas em utilizá-los como matéria-prima do riso em cima do pré-conceito – e dele não escapa ninguém. A sensação é de que o propósito é tirar sarro de todos eles. E a comédia já provou que não precisa ser arrogante para se dar muito bem com a atmosfera da classe média baixa: basta assistir a dois episódios do longa coletivo 5x Favela – Agora Por Nós Mesmos: Arroz com Feijão e Acende a Luz.
O brega
Durante a sessão aqui no Cine PE, lembrei da minha referência mais recente de cinema que vai a elementos populares (especialmente a música, chamada de brega ou romântica) e conta a história de uma família pobre: Falsa Loura.
Por que não surge a sensação de estranhamento com o filme de Carlos Reichenbach? Por que o correspondente do Ivan Carlos não é risível? Por que a ideia de príncipe encantado de Silmara (Rosane Mulholland) não provoca gargalhadas? Porque Falsa Loura não olha seus personagens de cima para baixo, estão todos no mesmo nível. Porque o filme respeita seus personagens.
Outro exemplo: o documentário Faço de Mim o Que Quero, de Sérgio Oliveira e Petrônio Lorena, que se infiltra na cena brega recifense. As músicas de melodia simples e refrões-chiclete estão lá, assim como as roupas coloridas e coladas dos dançarinos. E por que esse filme não causa estranhamento? Porque também está no mesmo nível do que retrata (tanto que, já na primeira cena, a câmera é encaixada dentro do carrinho do camelô de CDs, ou seja, conotando que estamos todos nesse barco e o filme não vem sacanear um universo com seus códigos próprios. Enquanto Faço de Mim o que Quero nos leva junto na toada, Família Vende Tudo faz troça do mesmo universo.
*O repórter viajou a convite da organização do festival e cobre o Cine PE também para o Cineclick
Assinar:
Postagens (Atom)