domingo, 27 de maio de 2012

Fassbinder: a desesperança, high society e Jacques Nolot



Rainer Werner Fassbinder não é um cineasta recomendado para quem está em busca de esperança. Um dos melhores encenadores que o cinema já teve, Fassbinder é também um mestre em colocar a crueldade como algo ontológico ao humano.

Nos vários filmes em que ela, a crueldade, é o que medeia a relação entre os personagens, há um que gostaria de comentar: O Direito do Mais Forte é a Liberdade (Faustrecht der Freiheit), que a Lume Filmes, de Frederico Machado, lançou em DVD no Brasil – a Lume, aliás, tem coberto a lacuna da produção de Fassbinder por aqui, enquanto a Versátil lançou a maravilhosa cópia restaurada do filme/série/tratado Berlin Alexanderplatz.

Lançado em 1975, ano em que Fassbinder realizaria outros três filmes (o que lhe dá, com conforto, o posto de mais prolífico entre os grandes diretores), O Direito do Mais Forte é a Liberdade é uma anti-epopeia de Franz “Fox” Biberkopf, gay, sem instrução que é introduzido no mundo da sofisticação blasé por seu amante, Euge.

Ironia chamar seu protagonista de Fox, já que, conforme descobriremos, de raposa ele não tem nada. Está mais para pássaro inocente pronto para ser devorado por um ninho de cobras. Fox é a caça, Euge (e seus amigos) são os caçadores.


A cena mais "teatral" de O Direito do Mais Forte é a Liberdade

Fassbinder, que jogou merda no ventilador com quase todos seus filmes, dessa vez mira sua metralhadora especialmente para a burguesia. E que pontaria! A construção da dominação de classe que aos poucos se estabelece em torno de Fox vale como cartilha didática sobre opressão.

Se em Whity a crítica às relações de poder se dá num registro híbrido de apropriação das convenções do melodrama e do distanciamento brechtiano, O Direito do Mais Forte é a Liberdade mostra um cineasta mais seco, direto. Não sei se realista, mas certamente mais próximo do realismo.

Como ilustram as cenas no inferninho gay que Fox frequenta. Ou as cenas da fábrica. Ou a viagem a Marrocos. Ou as festinhas da high society que Fox teima tentar se encaixar – e sua irmã, num gesto de consciência que tenta romper com o teatro burguês, brada “Isso aqui fede, fede demais”.

“Ele amava seus personagens, mas ele tinha consciência que apenas o amor não é suficiente para tornar algo visível”, disse Juliane Lorenz, montadora de Fassbinder pós-Num Ano de 13 Luas.

Há um ponto de diálogo entre a leitura de Lorenz sobre os filmes do parceiro, O Direito do Mais Forte é a Liberdade e o cinema de Jacques Nolot, do qual já se falou tanto neste blog e também na Revista Interlúdio.

Nolot, cujas cenas de seu A Gata de Duas Cabeças (La chatte à deux têtes) falam diretamente com o inferninho do filme de Fassbinder, é um herdeiro do cinema do alemão. Em especial, da desesperança. Herdeiro de um olhar seco, que não poetiza a poesia, muito direto com o mundo gay.

Nolot à direita em A Gata de Duas Cabeças

Claro, em Fassbinder há a questão do melodrama, que inexiste em Nolot. Mas em ambos existe o rigor da encenação e a coragem em dizer uma coisa quando ela precisa ser dita. Mesmo que isso signifique chamar o espectador de canto e falar: “Tenha esperança não, porque isso aqui é tudo uma merda”.

Pois o plano final de Antes que me esqueça (Avant que J'oublie) é irmão do plano final de O Direito do Mais Forte é a Liberdade.

Ronald Reagan, um gênio da atuação

Este grande ator chamado Ronald Reagan.



Bom domingo.


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Rutger Hauer, do plano calculado ao fetichizado

Rutger Hauer em cena de O Moinho e a Cruz, Melhor Flme do Festival Lume em 2011

Rutger Hauer, que eternamente será lembrado como o antagonista de Harrison Ford em Blade Runner, é um ator de assombrosa versatilidade.

No ano passado, protagonizou dois filmes de propostas e resultados inteiramente diferentes.

Em O Moinho e a Cruz, escolhido melhor filme do I Festival Internacional Lume de Cinema, em São Luís do Maranhão, bravamente organizado por Frederico Machado, Hauer vive o pintor Peter Bruegel.

Mais do que a natureza do personagem, o que se destaca no filme é a encenação milimetricamente calculada pela direção de Lech Majewski. Toda a história é baseada no quadro A Procissão para o Calvário, cujos personagens saltam da tela e ganham vida, têm suas histórias projetadas.

Planos lentos, organização simétrica do quadro, sisudez são aspectos marcantes de O Moinho e a Cruzneste texto escrito para o Cineclick há mais comentários, e alguns deles hoje me soam equivocados.

Do outro lado da trincheira, Hauer protagoniza um filme que é um fetiche do cinema de gênero,  O Vingador, que chegará às locadoras em junho distribuído, se não me falha a memória, pela Califórnia Filmes.

Hauer como o mendigo matador de Hobo With a Shotgun

Neste filme, spin-off do Projeto Grindhouse de Tarantino e Robert Rodriguez, Hauer é, como ilustra o título original Hobo with a Shotgun, um mendigo com uma escopeta. Quando chega numa cidade cuja lei é justamente não ter Lei nenhuma, a indignação toma conta do cansado mendigo que, armado com a tal escopeta, inicia um derramamento de sangue.

Tão fetichista que as mortes ultra sanguinolentas não assustam, mas provocam risos. Felizes risos, eu diria, compartilhados pelos neófitos desse cinema pós-moderno que faz referência (e reverencia) o exploitation.

Está aí um exercício divertido: comparar a atuação canastrona de Rutger Hauer em O Vingador com o registro detalhista de O Moinho e a Cruz.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Mônica e o Desejo, de Ingmar Bergman



Da série Coisas que Escrevemos pelo Caminho:

Não é bonita, bonita, mas tampouco feia (...) Bastante rodada, pelo que sugere sua roupa estilo saco de batatas.

Jacques Doniol-Valcroze, Cahiers du Cinema, 1954, a respeito de Harriet Andersson em Monica e o Desejo (citado por Antoine de Baecque em Cinefilia).


sexta-feira, 4 de maio de 2012

Cinema Americano dos Anos 70 - Curso no CineSesc

Prezad@s leitores deste blog, peço licença para fazer uma autopromoção. Começa no próximo dia 14 de maio, no CineSesc, o curso Cinema Americano dos Anos 70, o qual ministrarei ao lado do crítico de cinema Sergio Alpendre. Aos interessados pelo assunto, informações completas vão abaixo.



Cinema Americano – Anos 70

Estados Unidos, anos 1970. Com o surgimento dos vários Cinemas Novos ao redor do mundo na década anterior e uma sensível mudança comportamental, uma geração de jovens cineastas – Scorsese, Coppola, De Palma, Friedkin, entre outros, que seriam identificados como Nova Hollywood – abre espaço por entre os estúdios e consegue fazer outro tipo de cinema, mais próximo dos anseios da juventude e num modo de produção menos engessado.

Enquanto isso, os mestres do Cinema Clássico – Billy Wilder, Mankiewicz, Kazan, Cukor – rodam seus últimos longas, assistindo ao crepúsculo de uma era. Contemporâneo à geração da Nova Hollywood, outros talentosos diretores começam a ganhar reconhecimento (Woody Allen, Robert Altman, Sam Peckinpah), espinafram o status quo (John Waters), veteranos mantém o espírito de risco (John Cassavetes) ou alcançam o sucesso (Don Siegel).

À margem, dois cinemas de gênero se fortalecem: o Horror, que tem em George Romero um sintoma do mal estar da sociedade norte-americana no período, e o Blaxploitation, que pela primeira vez coloca os negros como protagonistas em filmes de ação com heróis charmosos e incorretos, embalados pela música soul.

O curso Cinema Americano – Anos 70, ministrado pelos críticos de cinema Sérgio Alpendre e Heitor Augusto no CineSesc, vai traçar um panorama de um dos momentos mais ricos da produção norte-americana, marcado por algumas obras-primas, filmes conectados com o espírito de seu tempo e outros saudosos de um passado irrecuperável.

Cronograma

AULA 1: CREPÚSCULO DOS MESTRES

Crise em Hollywood, novos modos de produção e a chegada de jovem cineastas: para onde vão os mestres? Breves notas sobre os últimos filmes de Billy Wilder, Joseph L. Mankiewicz, Orson Welles, Elia Kazan, Vincente Minnelli e George Cukor.

AULA 2: BLAXPLOITATION E OS HERÓIS SEDUTORES

Panteras Negras, cinema jovem e heróis mal educados: quando os negros invadem o cinema em divertidos filmes de ação como Shaft e Cleópatra Jones. Ecos da mostra Tela Negra no CineSesc.

AULAS 3 E 4: NOVA HOLLYWOOD

Os cineastas que ficaram mais identificados com a Nova Hollywood: Scorsese, Coppola e De Palma. Mas também Friedkin, Bogdanovich, Bob Rafelson e Schrader. Como essa geração de cineastas-cinéfilos mudou a cara da indústria com seus filmes.

AULA 5: HOLLYWOOD ALÉM DA NOVA HOLLYWOOD

Não se enxergavam como um grupo, mas também fizeram cinema de um jeito diferente: os filmes de Woody Allen, John Cassavetes, Robert Altman, Sam Peckinpah, Don Siegel e John Waters.

AULA 6: ROMERO E O CINEMA DE HORROR

O gênero e seu tempo: seguindo a afirmação do crítico Robert Paul “Robin” Wood, a proliferação do horror no cinema americano dos anos 70 era um sintoma do mal-estar pelo qual passava a sociedade americana.


Serviço
Local: CineSesc (Rua Augusta, 2075)
Período do curso – 14 a 25 de maio
Horário – 19h30 às 21h30
Dias – Segundas (14 e 21), Quartas (16 e 23) e Sextas (18 e 25)
Valor total do curso: R$ 40 (inteira), R$ 20 (usuário inscrito no SESC e dependentes, +60 anos, professores da rede pública de ensino e estudantes com comprovante) e R$ 10 (trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo matriculado no SESC e dependentes)
Inscrições somente no CineSesc (3087-0500) - http://www.sescsp.org.br/sesc/programa_new/mostra_detalhe.cfm?programacao_id=220425


Biografia dos professores

Sergio Alpendre é crítico de cinema, professor, pesquisador e jornalista. Pós-graduando em cinema pela USP. Editor e fundador da Revista Interlúdio. Foi redator da Contracampo de 2000 a 2010. Colaborou para diversos veículos, incluindo Foco, Taturana, Cadernos Mais e Ilustrada (Folha de S. Paulo), Cineclick e revistas Bravo e MOVIE. Foi curador das mostras Retrospectiva do Cinema Paulista e Tarkovski e Seus Herdeiros, para as quais editou também os catálogos. Foi editor da 4ª edição da Revista da Programadora Brasil. Atualmente é redator do UOL Cinema e colaborador do Guia Folha (livros, discos, filmes). Ministra cursos de história do cinema e oficinas de crítica por todo o Brasil.

Heitor Augusto é jornalista e crítico de cinema colaborador das revistas Interlúdio, Preview, ESPN, além do site Cineclick. Escreve sobre filmes do circuito comercial, além de cobrir os principais festivais de cinema no Brasil e publicar ensaios temáticos. Colabora também com a Revista Zingu!, dedicada à História do cinema brasileiro. Publicou ensaio no livro Os Filmes que Sonhamos sobre o longa-metragem E A Vida Continua. Escreveu também para a Revista de CINEMA e Agência Carta Maior. Sócio-fundador da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, é editor do site da entidade. Mantém também o blog Urso de Lata.