quarta-feira, 20 de março de 2013
Breves Notas
-- Super Nada, segundo longa de Rubens Rewald em parceria com Rossana Foglia, é a estreia mais interessante do último fim de semana. Na revisão, o filme cresceu bastante. O principal incômodo quando assisti ao filme na Mostra – a queda no terço final – diluiu-se ao revê-lo. Há um porquê de a crise do personagem Guto não estar no meio do filme, mas no desfecho.
O que mais gosto nessa “comédia depressiva”, roubando a precisa definição de Tales Ab'Saber, é a ambiguidade. Apesar da clareza de algumas situações – a pegada “documental” do circuito teatral off –, Super Nada toma atalhos inesperados e se envereda por provocadoras bifurcações. Ele segue por um caminho, te faz acreditar que o levará a um lugar, mas o aborta.
Exemplo: a natureza dos personagens. Seria Guto um ator de talento, mas injustiçado pela precariedade de recursos? Não tenho certeza. Seria Zeca, o histriônico comediante vivido por Jair Rodrigues, um velhinho boa praça ou um talarico comedor da mulher alheia? Não sei.
Gosto desse não saber que Super Nada deliberadamente procura.
-- A Revista Cinética, um dos endereços necessários para quem se interessa num olhar que se detém mais atenciosamente ao cinema, entrou numa nova fase, como eles explicam no editorial. Mais enxuta, concentrada, agora editada inteiramente por Fábio Andrade.
Da nova edição que acaba de entrar no ar, li dois textos e ambos valem a pena. Um sobre O Som ao Redor [clique aqui e leia], outro é a entrevista com Luc Moullet feita por Francis Vogner dos Reis [clique aqui e leia].
-- Assistir aos longas anteriores de Joachim Lafosse trouxe ainda mais clareza do que me incomoda em Perder a Razão, seu hit na mostra do ano passado: tentar a construção à força de uma atmosfera claustrofóbica (câmera colada que não deixa seus personagens respirar).
Na carreira do belga o centro está nos processos de coerção dentro da família, seja ela de sangue ou dos laços afeitvos improvisados. Em Propriedade Particular, Lafosse não tem agonia em criar um estado. Planta a câmera como observadora privilegiada e deixa o pau comer solto. Em Lições Particulares, vez ou outra senta praça na nuca de seus personagens, mas em geral trabalha com muita inteligência o fora de quadro, aquilo que não se vê e não se diz – este é também seu filme de relações mais ambíguas, em que não há uma consequência final das relações doentias.
Em Perder a Razão, ele abandona a sutileza cinematográfica e tenta se garantir só na meritocracia do soco no estômago, tal como Kim Ki-duk em Pieta, outra estreia desta semana. A cada vez que penso nesse filme do Lafosse me lembro como Claude Chabrol, apenas com os dois primeiros planos de Trágica Separação (La Rupture, 1970) estabeleceu o desconforto, apenas administrando-o no restante do filme, sem alarde.
-- Caverna dos Sonhos Esquecidos, cujo encantamento que provoca no espectador já foi abordado neste post aqui [clique e leia], tornou-se o “blockbuster” entre os filmes de arte deste começo de ano. Exibido exclusivamente no CineSesc, tem me lembrado um pouco das filas para Cópia Fiel, de Kiarostami, no Reserva Cultural.
Herzog dividiu, na semana passada, sessões com Na Neblina, de Sergei Loznitsa. Li a cotação baixa (uma estrela ou bola preta) dada por meus coletas de Revista Interlúdio durante a Mostra e vejo um exagero. Na Felicidade, o filme anterior de Loznitsa, é uma bomba, distante dos bons documentários que ele fez.
Na Neblina é bem filmado e estruturado, ambienta a ação numa floresta, numa situação-limite, e nos faz conhecer os personagens por meio de flashback. E o final é bastante coerente com o restante do filme. Acho que os filmes de Loznitsa e Herzog involuntariamente se complementaram: o segundo fala de um encantamento pelo passado, um desejo de representar, e o outro fala sobre quando nada disso faz mais sentido e a morte é a única saída.
-- A nova edição da Revista Rebeca, publicação da Socine (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual), entrou no ar. Destaque para a seção Fora de Quadro, que traz um dossiê com seis artigos a respeito do cinema de Carlão Reichenbach.
Clique aqui e leia. Obrigatório.
terça-feira, 19 de março de 2013
O Futuro, de Miranda July, no CineSesc
sexta-feira, 15 de março de 2013
Pieta, de Kim Ki-duk
Pieta, de Kim Ki-duk |
A simples menção ao cinema de Kim Ki-duk desperta humores. Citar seus filmes pregressos – A Ilha, Casa Vazia – é pisar em areia movediça onde se misturam tanto os apaixonados pela “potência do discurso” do coreano quanto os céticos – às vezes raivosos – que dizem “nesse conto eu não caio mais”.
No meio dessa cena “eu já sei o que pensar do Kim Ki-duk” aparece Pietá, uma observação dos limites (ou ausência deles) do amor entre mãe e filho tendo como pano de fundo um comentário sobre o capitalismo. O ambiente é um distrito industrial decadente. Donos de pequenos negócios de metalurgia afogam-se em dívidas com um agiota. Entra em ação o malvado Kang-do para cobrá-las, com a violência que for necessária: amputam-se dedos ou braços, pernas são estraçalhadas, filhos são humilhados na frente de suas mães.
Partindo da representação de Michelangelo do corpo de Jesus nos braços de Maria, o filme constrói sua maneira de registrar os rostos da mãe e do filho. Rostos sempre à espera, em posição de clemência. Esses olhos puros que inspiram piedade – seja de um personagem ou do espectador – tornam-se perturbadores quando o filme investe pesado na ambiguidade da relação de Kang-do, o sanguinário, e Mi-son, a mulher que repentinamente aparece afirmando ser sua mãe.
Continue lendo a crítica de Pieta na Revista Interlúdio.
quinta-feira, 14 de março de 2013
Filme da Semana
Os Residentes, de Tiago Mata Machado |
Fez um bem danado rever Os Residentes em casa, sozinho, sem aquele clima de festival -- que é ótimo por possibilitar acesso a filmes, mas que demanda respostas rápidas para filmes que pedem uma relação gradual, sem afobação.
Os Residentes ganhou a Mostra de Tiradentes em 2011, após ser ignorado no Festival de Brasília no ano anterior. Falou-se muito da coletiva de imprensa, das respostas dúbias de seu diretor -- Tiago Mata Machado --, mas pouco do filme em si.
A Lume lançará o longa em DVD no próximo mês. Ótima oportunidade para revisão. Escreverei sobre o filme para a seção Home da Revista Preview, que tem aberto um espaço nobre, na área de resenhas, a filmes "fora do centro" -- vale a leitura mensal da revista.
Indico vivamente a leitura do texto Das Ruínas: livre reflexão a partir de duas exceções, escrito por Francis Vogner dos Reis para a Revista Cinética, traçando diálogos entre Os Residentes e Santos-Dumont - Pré-Cineasta?, de Carlos Adriano, filme que gosto mais até do que o de Mata Machado [clique aqui e leia].
segunda-feira, 11 de março de 2013
Francofonia - Ecos no Cinema de Língua Francesa
Prezados leitores do Urso de Lata, peço licença para fazer propaganda em causa própria. Entre os dias 25 e 27 de março darei o curso Francofonia - Ecos no Cinema de Língua Francesa no CineSesc, que acontece paralelamente à Festa da Francofonia.
Informações adicionais seguem abaixo. Estão todos convidados.
Informações adicionais seguem abaixo. Estão todos convidados.
Um Homem que Grita, de Mahamat-Saleh Haroun, um dos destaques do curso |
FRANCOFONIA:
ECOS NO CINEMA DE LÍNGUA FRANCESA
A
Festa da Francofonia, importante janela para a circulação no Brasil
de filmes falados em língua francesa ou coproduzido pela França,
traz em 2013 ao CineSesc os novos longas de realizadores de destaque
como Jean Marc-Valée (C.R.A.Z.Y.
– Loucos de Amor),
Bernard Émond (A
Doação), Lucas
Belvaux (O Sequestro
de um Herói), Amos
Gitai (Aproximação),
entre outros.
O
curso Francofonia:
Ecos no Cinema de Língua Francesa,
ministrado pelo crítico de cinema Heitor
Augusto entre 25 e
27 e março, vai traçar um panorama da produção francófona
recente. Filmes do Canadá e Quebec, Argélia, Suíça, Chade,
Senegal e Bélgica estarão no centro das aulas, que vai traçar
relações estéticas entre os filmes, observar as proximidades com
investigações contemporâneas de narrativa e analisar como eles se
relacionam com a História e com o presente.
Na
primeira aula estará em destaque a produção contemporânea da
Argélia e de outros países da África Francófona. Os lastros do
impacto da colonização francesa na África no Século XIX vistos
pelo cinema de Rachid Bouchareb (Dias
de Glória e
Foras da Lei), a
divisão entre modernidade e tradição em Nadir Moknèche (Viva a
Argélia), a religião na obra de Merzak Allouache (O
Arrependido), a
imigração no retrato do senegalês Moussa Toure (O
Barco da Esperança),
além da poesia nos longas de Mahamat-Saleh Haroun (Um
Homem que Grita,
Nosso Pai),
realizador do Chade..
Na
segunda aula o foco é a prolífica produção do Canadá, em
especial a província de Quebec, marcada pela diversidade de
propostas: a identificação local de Sébastien Pilote (O
Vendedor), a
família como epicentro em Jean-Marc Valée (Café
de Flore), o
pós-modernismo de Xavier Dolan (Laurence
Anyways), a
religiosidade na produção do veterano Bernard Émond (Tudo
o que Você Tem), a
identidade do imigrante em Philipe Falardeau (Monsieur
Lazhar).
Na
terceira aula os holofotes vão para as principais produções
contemporâneas da Bélgica e da Suíça. A referência de veteranos
como os irmãos Dardenne (O
Garoto de Bicicleta),
o suspense em Lucas Belvaux (38
Testemunhas), a
claustrofobia tanto do imigrante (Nicolas Provost, O
Invasor) quanto da
família (Joachim Lafosse, Perder
a Razão), as
inspiraçõres do teatro em David Lambert (Além
dos Muros).
Cronograma
AULA
1: ARGÉLIA E ÁFRICA FRANCÓFONA, TRAÇOS DA HISTÓRIA
Partilha
da África: o mundo pós-1880
Relações
dúbias entre metrópole e colônia: descontinuidade de políticas
públicas
Os
laços históricos nos filmes de Rachid Bouchareb
Modernidade
e tradicionalismo: a religião em Merzak Allouache e Nadir Moknèche
Chade:
o cinema poético de Mahamat-Saleh Haroun
AULA
2: CANADÁ E QUEBEC: PRODUÇÃO PROLÍFICA
Colonizações
francesa (Nova França) e britânica: identidade quebequense
Negação
da História: os filmes de Xavier Dolan (Laurence
Anyways, Amores
Imaginários)
Bernard
Émond: religiosidade e a Trilogia das Virtudes Teologais
Jean-Marc
Valée: família e liberdade (C.R.A.Z.Y.,
A Jovem Rainha
Victoria, Café
de Flore)
AULA
3: BÉLGICA E SUÍÇA
Irmãos
Dardenne: referência de realização
Nicolas
Provost: a claustrofobia do imigrante em O
Invasor.
Joachim
Lafosse: a prisão da família em Perder
a Razão
Lucas
Belvaux: suspense político (Sequestro
de um Herói, 38
Testemunhas)
Biografia
do professor
Heitor
Augusto é crítico
de cinema e jornalista com colaborações para as revistas
Interlúdio,
Preview,
Monet,
de CINEMA,
Caros Amigos,
além do jornal Valor
Econômico e do
site Cineclick.
Ministrou o curso Cinema
Americano – Anos 70 no
CineSesc. Integra o grupo de entrevistadores do projeto Memória do
Cinema (Heco Produções/MIS). Participou de júris oficiais e da
crítica em festivais de cinema no Brasil. Mantém o blog Urso
de Lata. É
sócio-fundador da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos
de Cinema.
Serviço
Curso
Francofonia – Ecos no Cinema de Língua Francesa
25,
26 e 27 de março – das 19h30 às 21h30
CineSesc
– Rua Augusta, 2075 – Cerqueira Cesar
Valores:
R$ 30 [inteira]; R$ 15 [usuário matriculado no Sesc e dependentes,
aposentado, pessoa com mais de 60 anos, pessoa com deficiência,
estudante e professor da rede pública com comprovante]; R$ 7,50
[trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no
Sesc e dependentes]
Inscrições
e informações: 3087-0500
sexta-feira, 8 de março de 2013
Morre Damiano Damiani
Morreu ontem o diretor italiano Damiano Damiani. A notícia, ainda veiculada em poucos lugares, é confirmada pelo La Reppublica. Damiani morreu em sua casa, em Roma, aos 90 anos, de insuficiência respiratória.
Damiani não dirigia há onze anos, quando fez Assassini dei giorni di festa. Já nos anos 1990 sua produção já tinha rareado. Passou os últimos anos pintando.
Posso colocar na conta de Carlão Reichenbach o fato de ter conhecido seus filmes. Foi numa longa conversa, em que falávamos sobre cinema setentista que Carlão efusivamente indicou Confissões de um Comissário de Polícia ao Procurador da República (1971). O filme é cru, direto, com planos bastante desesperançosos, que me deixaram embasbacados.
Não vi tudo de Damiani e ainda prefiro seus filmes de máfia e/ou policiais – O Dia da Coruja (Il giorno della civetta, 1968), Só Resta Esquecer (L'istruttoria è chiusa: dimentichi, 1971), Io ho paura (1977).
Damiani não dirigia há onze anos, quando fez Assassini dei giorni di festa. Já nos anos 1990 sua produção já tinha rareado. Passou os últimos anos pintando.
Posso colocar na conta de Carlão Reichenbach o fato de ter conhecido seus filmes. Foi numa longa conversa, em que falávamos sobre cinema setentista que Carlão efusivamente indicou Confissões de um Comissário de Polícia ao Procurador da República (1971). O filme é cru, direto, com planos bastante desesperançosos, que me deixaram embasbacados.
Não vi tudo de Damiani e ainda prefiro seus filmes de máfia e/ou policiais – O Dia da Coruja (Il giorno della civetta, 1968), Só Resta Esquecer (L'istruttoria è chiusa: dimentichi, 1971), Io ho paura (1977).
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