sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Festival de Curtas no Crítica Curta



Leitores do Urso de Lata, breve aviso, que também serve como convite. O blog será pouco atualizado na próxima semana em decorrência do Festival de Curtas. Vou coordenar o projeto Crítica Curta, oficina de crítica que acontece durante o festival.

Os textos, produzidos por estudantes de audiovisual em São Paulo, serão publicados no Blog Crítica Curta [clique aqui e acesse]. Convido vocês a acompanhar diariamente as críticas por lá.

Até a próxima semana!

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Cinco Câmeras Quebradas - Mostra Mundo Árabe



Desolação e orgulho são sentimentos que acompanham a recepção a Cinco Câmeras Quebradas, crônica audiovisual em primeira pessoa dos crimes cometidos pelo Estado de Israel desde 2005 contra os palestinos do povoado de Bil'in.

A relação filme-espectador é direta. Não há rodeios. O camponês Emad Burnat comprou uma câmera para registrar o nascimento e crescimento de seu quarto filho, Jibreel. Cineasta autodidata, filma a família, as oliveiras, a terra, os amigos. Filma também o avanço gradual do Exército israelense e dos colonos, além dos protestos pacíficos do povoado.

Imagens que emanam sua origem endógena àquela realidade registradas por um cineasta camponês que filma guiado por uma vontade bastante clara: “Filmo para me curar”, diz Emad. Essa clareza no desejo é justamente o que potencializa o registro direto.

Aí entra o componente do desamparo inerente à experiência de Cinco Câmeras Quebradas: ocupação ilegal da terra, aparato bélico estrondoso, metralhadora de gás lacrimogênio, violência policial, prisão de crianças à noite, incêndios criminosos, assassinato de adultos, assassinato de crianças, impedimento do direito de ir e vir. Como não sentir-se desolado com essa repetição crônica de eventos, de um Estado que se esforça em suprimir, em sonegar ao outro qualquer coisa que lhe defina como humano?

Continue lendo a crítica de Cinco Câmeras Quebradas, destaque da Mostra Mundo Árabe, na Revista Interlúdio.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Cine Holliúdy - crítica



*originalmente publicado na Revista Interlúdio durante a cobertura da Mostra de SP

Alguns tentam ser cinema popular (leia-se Família Vende Tudo). Outros genuinamente o são. Este é o caso de Cine Holliúdy, um desavergonhado e cômico escancaramento da precariedade em se fazer cinema no Brasil.

Num momento de ultrarrealismo cultivado por ágeis avanços tecnológicos, sempre há o choque, para um espectador desavisado, com a precariedade. Já foi assim com Na Carne e na Alma, derradeira e maravilhosa obra de Alberto Salvá, repleta de coragem e carente de dinheiro. Invariavelmente será assim durante a trajetória de Cine Holliúdy.

Mas por trás da falta de recursos e da engenharia em se fazer um filme de época, ambientado nos anos 1970 no sertão cearense, existe um potência, um discurso e momentos eficazes. Halder Gomes, que recentemente produziu longas bem ruins como As Mães de Chico Xavier e Bezerra de Menezes, mostra um domínio do tempo e do texto cômico. O dialeto “cearencês” e suas expressões bastante atípicas para quem não vem do Ceará é um convite ao riso.

Há também uma precisão em caracterizar a cidade/bairro e seus tipos (a gostosa, o galã, o gay, a fofoqueira, o riquinho etc), assim como uma incorporação interessante do cinema de gênero, em especial os filmes de kung fu, na textura do filme.

Esses aspectos, porém, mesmo que suficientes para se assistir a um filme, encerram-se numa conversa de canto, numa recomendação “vá vê-lo porque é muito divertido”. O que interessa mesmo é que Cine Holliúdy tem um quê de alegoria sobre o cineasta brasileiro, esse misto de artista e bobo da corte, criador e animador de torcida: aquele que tem um discurso para reconstruir a realidade com a arte, mas que tem de se desdobrar para produzir e, quando feito o filme, rebolar para que seja visto, notado.

Pois é isso que representa Francisgleydisson na sua luta em tentar manter seu cineminha enquanto a televisão se alastra até por locais remotos. A película que se arrebenta em Cine Holliúdy e o personagem que tem de reinventar a história do filme dentro do filme pode ser lido como um edital que não se concretiza, por que não? É um reflexo do contexto brasileiro, misto de aspirações industriais e realidade artesanal, ação entre amigos.

Só que o filme não é romântico. Não há catarse, solução mirabolante e irreal. Não é um filme para se fugir da realidade, apenas para tomar fôlego e voltar para a briga. Com clareza, percebe que viver das brechas é algo ontológico do ofício de cineasta aqui – o subdesenvolvimento é um estado, não um estágio, provocaria Paulo Emillio Salles Gomes há quatro décadas.

Talvez sem saber, Gomes realizou o espelho do nipo-iraniano Cut, um dos melhores filmes da Mostra no ano passado. Misto de filme de mafioso com declaração de amor ao cinema, Shuji, o protagonista, literalmente apanha para viver, com o corpo, sua paixão. Seu alimento não é a comida, mas os clássicos – Welles, Ford, Ozu, Mizoguchi.

Francisgleydisson somos nós.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Camille Claudel, 1915 - Crítica



À aprisionada Camille observada pelo cinema de Bruno Dumont em Camille Claudel, 1915 não é oferecido o contraplano, o horizonte.

Quase tudo se dá no plano. Juliette Binoche percorre uma extensa partitura para dar uma cara às emoções. Mas o que olha o rosto dessa mulher? Qual ponto da paisagem – se é que há um – lhe chama a atenção? O que está nesse contraplano oculto que completaria o que vemos no plano?

Dumont sonega o contracampo. Quando o entrega, é a imagem do desespero. Uma árvore desavergonhadamente seca. Uma colega de hospício dizendo coisas desconexas. Uma enfermeira com olhar de falsa caridade. Há também, por vezes, o horizonte, a natureza, a vegetação bem distribuída. Mas Camille Claudel, 1915 se concentra tanto na personagem a observar algo que consolida, deliberadamente, a incômoda sensação de que esse lugar que ela enxerga fica mais e mais inalcançável.

Continue lendo a crítica de Camille Claudel, 1915 na Revista Interlúdio.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

É som de preto



A Mostra Oscar Micheaux: O Cinema Negro e a Segregação Racial é o mais forte evento de cinema do ano até o momento. Não necessariamente pela qualidade do conjunto de filmes – aí fica difícil bater as retrospectivas de Rivette e Hawks –, mas pelo gesto político que representa.

Pois se trata de uma página imprescindível de ser consultada por qualquer pessoa interessada pelo cinema americano numa perspectiva histórica: os Race Movies. Filmes feitos, protagonizados e voltados para o público negro, entre os anos 1920 e 50. Numa cinematografia majoritariamente racista até o final da década de 50, Oscar Micheaux e Spencer Williams tentaram encontrar e apresentar imagens autênticas da realidade afro-americana.

O que é autenticidade nesse contexto? Filmes que se negam a reproduzir os cinco principais esteriótipos gradualmente construídos por Hollywood sobre os negros: a estoica mucama, o serviçal dedicado e dócil, o trágico mulato dividido, o imbecilizado brincalhão e o violento rebelde ameaçador de mulheres virgens e brancas[1].

Filmes como Dentro de Nossas Portas (Within our Gates, 1920), no qual uma professora mulata do sul segue rumo ao norte para arrecadar fundos para manter uma escola voltada à alfabetização de negros pobres. Impossível não especular o furor que um filme como esse causou no público negro à época. Afinal, coloca-se o dedo em várias feridas: os linchamentos e assassinatos de negros cometidos por brancos no Sul, a manipulação da religião, o discurso reacionário por trás do aparente progressismo, o peso da educação para reverter o estado de subserviência.



No universo abarcado pela Mostra Oscar Micheaux até mesmo filmes com sérios problemas nos revelam algo. Marchando! (Where's my Man To-Nite! / Marching on!, 1943) adota um discurso proselitista a favor do patriotismo (o que se justifica no desejo da população marginalizada dizer “hey, eu também pertenço a essa nação”). Interessante lembrar que o cenário se alteraria radicalmente nos anos 1960, quando soldados e filhos de soldados cobrariam a conta do país, dizendo “por que matar vietnamitas a favor de um país que só me deu preconceito, linchamento, moradia precária e subempregos?”.

Enquanto em Marchando! o personagem é convertido e pela providência divina percebe que estava errado ao questionar o Exército, em No Vietnamese Ever Called me Nigger (1968) uma mãe diz: “Nossos filhos vão pra guerra, mas nós continuamos morando em casas com ratos”.

Revisitar os Race Movies da Mostra Oscar Micheaux – que prossegue no CCBB-SP até o dia 4 e no CCBB-RJ até o dia 19 – é ganhar munição para se relacionar com outra página insuficientemente refletida na crítica: o Blaxploitation. Conceitos como relevância social e autenticidade são transformados se comparamos Micheaux com um Ossie Davis, mas existem as relações de um cinema que não esconde suas intenções: somos negros e queremos um público de negros.

Parece bobo esse movimento de olhar para trás, reconstruir os traços do passado. Não é. Django Livre não existiria sem o Blaxploitation. Possivelmente jamais veríamos o Eddie Murphy de Um Tira da Pesada não fosse um Shaft, que viria responder à passividade dos filmes-veículo para Sidney Poitier, que por sua vez remontam justamente aos... Race Movies.

[1] BOGLE, Donald (1988). Blacks in American Films and Television: An Encyclopedia: 1930–1971. New York, Garland.

Abaixo a programação do restante da mostra em São Paulo.


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