Voltando ao “açougueiro de Lyon”, o título deste post, a nem um pouco louvável alcunha foi imputada a Klaus Barbie, um dos maiores criminosos de guerra e responsável pela execução de sofisticadas técnicas de tortura contra judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Com o fim do confronto, trabalhou como “consultor” para o governo norte-americano em repressões anti-comunistas, mas mudou-se para a América do Sul no fim dos anos 1950.
Estabeleceu-se na Bolívia e, de lá, tentou implementar um novo Reich. Antes disso, já havia emprestado seus conhecimentos de torturador para regimes ditatoriais em países sul-americanos. Sua história é retratada no interessante documentário O Inimigo do Meu Inimigo (My Enemy's Enemy, 2007), lançado em DVD no Brasil pela Imagem Filmes.
Na linguagem, um documentário tipicamente americano, conduzido no talking head, ou seja câmera registrando os depoimentos dos entrevistados, bem diferente, então, do que o cinema documental brasileiro tem feito – mas isso é outra história. O que interessa, de fato, em O Inimigo do Meu Inimigo é o personagem e os acontecimentos.
Em vez de se dedicar a uma afirmação superficial do Bem e do Mal, o filme de Kevi McDonald prefere as áreas cinzas. A saber: o papel que oficiais e burocratas nazistas tiveram, após o término da Segunda Guerra Mundial, no xadrez político conduzido pelos Estados Unidos. Com o fim da guerra, Hitler deixou de ser o grande inimigo norte-americano, substituído pela União Soviética no contexto de estabelecimento da Guerra Fria.
E quem conhecia como ninguém os soviéticos? Os alemães! Como lembram as entrevistas em O Inimigo do Meu Inimigo, os EUA convenientemente ignoraram as atrocidades nazistas, contrataram seus “serviços” e mais, deram-lhes proteção.
Aos poucos o documentário chega onde quer: até mesmo a condenação de um criminoso como Klaus Barbie integra o teatro da política internacional. É obviamente indiscutível a dor das famílias torturadas por ele e a justiça em sua prisão perpétua decretada em 1987. Mas e o colaboracionismo dos franceses que entregaram a creche em que 44 crianças foram mortas (o que rendeu o apelido de “açougueiro de Lyon” a Barbie)? Ou a proteção dos EUA?
Para apimentar mais o caldo: o que difere as atrocidades de Barbie com as do exército francês na Argélia?
São algumas questões que o documentário O Inimigo do Meu Inimigo inteligentemente coloca.
Em tempo: quem defendeu Barbie no julgamento na França foi o advogado Jacques Vergès, de formação maoista, personagem tão ou mais interessante que o açougueiro no documentário. Na fila de clientes de Vergès está Carlos, o Chacal, retratado na obra-prima de Olivier Assayas, Carlos.
Textos relacionados:
Putin e fraudes nas eleições da Rússia: precisamos de Marina
Nenhum comentário:
Postar um comentário