quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A revisão e a televisão: Vamos Fazer um Brinde e Memórias do Chumbo

Vamos Fazer um Brinde, de Sabrina Rosa e Cavi Borges

Não tenho números em mãos, mas guardo a sensação de que a Lei 12.485/11, a Lei da TV Paga, que estabelece uma ocupação, por meio de cotas, do produto audiovisual brasileiro em horário nobre da televisão a cabo, tem surtido efeito na circulação de filmes.

Por um lado, já ouvi relatos de amigos sobre canais que passam subprodutos como os filmes recentes da Xuxa. Por outro, fui solapado pela surpresa de encontrar dois longas produzidos pelo Cavi Borges, carinhosamente apelidado de “Roger Corman brasileiro” por Inácio Araújo (que, com maior precisão, o comparou também ao Galante da Boca do Lixo), ocupando horário nobre.

Ver Vamos Fazer um Brinde e Vida de Balconista no canal Woohoo (que jamais acessara até descobrir que passa filmes brasileiros) foi uma grata surpresa que evidencia o óbvio: filmes antes de escopo restrito encontraram mais uma brecha para circular.

A exibição na televisão me possibilitou a revisão de Vamos Fazer Um Brinde. Por que tive uma reação tão agressiva com o filme na primeira exibição no CinePE em 2011? Na tevê, e num outro contexto, o filme de Sabrina Rosa e Cavi não me pareceu desconjuntado e esburacado como da primeira vez.

Tem falhas, sim. O desnível do elenco é uma delas. Ana Miranda arrasa como a coroa sabichona, Roberta Santiago é um desastre como a namorada arrependida. Há também um problema de diálogos, que flertam demais com o panfleto e as frases de efeito. O próprio espaço do apartamento que abriga a ação do filme poderia ser melhor filmado (a câmera fica caçando o plano ali na hora, no improviso, tateando uma decupagem).

Mas Vamos Fazer um Brinde exala também uma aura de comunhão entre os personagens, de lugar compartilhado, de passado comum que solidifica laços. Na revisão, gostei mais dos eventos banais que ilustram justamente esses laços, tornando uma noite qualquer na noite (a cena da mulher picanha, por exemplo).

Ver e escrever sobre filmes tem disso também. Pelo jeito deixei a insatisfação com a ruim seleção do CinePE do ano passado sobrecarregar a minha relação com Vamos Fazer um Brinde.

***

Para uma pessoa sensata que gosta de futebol e programas esportivos, o trabalho da ESPN é de longe o melhor. Enquanto, grosso modo, o Sportv busca a conciliação, a ESPN faz o embate – o espaço dado para um cara como o Mauro Cezar Pereira ilustra essas intenções. O Linha de Passe é o melhor programa de mesa redonda da televisão brasileira, o Bate Bola o melhor no formato noticiário e opiniões. Mas sem idealizações porque o canal também tem seu momento Maria Vai com as Outras – vide a “notícia” do novo penteado do Neymar dentro do Sportcenter, esse vício de misturar cobertura esportiva e celebridade.

Puxo o assunto futebol para falar da série de quatro documentários que Lúcio de Castro fez sobre as relações entre futebol e ditadura na América do Sul. Memórias do Chumbo – O Futebol Nos Tempos de Condor fala sobre Brasil (Copa de 70), Uruguai (Mundialito de 80), Argentina (Copa de 78) e Chile.

Assisti aos dois primeiros e e um pedaço do chileno. Gostei bastante. Menos do que traz como audiovisual, mais pelo esforço de pesquisa, de mobilizar arquivos fechados ou pouco usados, de tocar em feridas que até hoje são problemáticas (vide a intimação ridícula a Silvio Tendler no caso do esculacho ao torturador). Um material com boa pesquisa e um trabalho sensato de entrevistas. Até no caso brasileiro, do qual estamos mais próximos, há coisas a serem reveladas -- por exemplo, o detalhamento da vigia dos boleiros. Até Afonsinho, possivelmente um dos mais injustiçados personagens do futebol canarinho, fala. Só faltou a série cutucar Zagallo, um dos que atrapalharam, por questões políticas, o caminho do meia de ligação do Botafogo.

Enfim, Memórias de Chumbo – O Futebol Nos Tempos de Condor [saiba mais aqui] merece ser acompanhado com afinco. Não seria o caso de a ESPN realizar uma parceria para lançamento em home video da série?

Em tempo: sobre Afonsinho, duas dicas básicas. Primeiro, Passe Livre, documentário de Oswaldo Caldeira que capta o calor do momento (anos 70); segundo, Afonsinho e Edmundo – A Rebeldia no Futebol Brasileiro, de José Paulo Florenzano, maravilhoso livro – um pouco das ideias do autor podem ser conferidas na matéria que fiz para a edição de abril deste ano para a Revista ESPN sobre o filme (e seu personagem) Heleno.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Cinema Brasileiro: 1992-2012

A Erva do Rato, meu filme preferido dentro do Dossiê Cinema Brasileiro: 1992-2012

Recomendação de leitura para o fim de ano: o dossiê Cinema Brasileiro: 1992-2012 que a Revista Interlúdio, da qual sou um dos colaboradores, acaba de publicar.

Um material amplo que envolve tanto os colaboradores fixos quanto críticos convidados. O conteúdo se relaciona com várias frentes.

Para os que gostam de listas, a relação dos filmes preferidos de 51 votantes -- críticos, pesquisadores, jornalistas e professores. Há também um Top 20 dos filmes mais significativos, sendo cada um comentado por um texto.

O dossiê guarda também um conjunto de 12 ensaios sobre os mais diversos aspectos dentro do escopo -- as obras de Eduardo Coutinho, Beto Brant, Karim Aïnouz, Carlos Reichenbach, curta-metragem, horror, blockbuster etc.

Assino os textos sobre Madame Satã e Cinema, Aspirinas e Urubus, 5º e 6º, respectivamente, na minha lista, além de dois ensaios: um sobre a obra de Karim Aïnouz e outro um balanço do curta-metragem no referido período.

Convido vocês à leitura, ao diálogo. Clique aqui para acessar todos os textos.

sábado, 15 de dezembro de 2012

O Hobbit - Crítica

O blockbuster é fonte inesgotável de amaciamento da realidade. Quando os palestinos lutam pelo reconhecimento como Estado, reivindicando o direito à terra, recebem indiferença ou são massacrados por uma situação de guerra absurdamente desigual.


Quando, porém, a luta pela terra é retirada da realidade, tornada fábula do herói por acidente, em que humanos são substituídos por anões, elfos, magos, orcs, anéis, minada em tudo que leva de político, temos um filme como O Hobbit: Uma Jornada Inesperada.

Ignorando esse contexto extra-fílmico, resta o que O Hobbit tem de cinema. Ou seja, sobra quase nada. Peter Jackson dispõe de um arsenal tecnológico de possibilidades subaproveitado pelo excesso de cenas expositivas. O roteiro perde de vista que, em cinema, um personagem se define não pelo que diz, mas pelo que faz. São poucos os momentos em que essa noção sydfieldiana é posta com eficiência em prática.

Continue lendo a crítica de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada na Revista Interlúdio.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Holy Motors - Dossiê na Abraccine

O acasalamento cibernético em Holy Motors

Acaba de entrar no Blog Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) um dossiê reunindo seis textos sobre Holy Motors, de Leos Carax, além de um sobre Os Amantes da Ponte Neuf.

Os escritos sobre Holy Motors foram publicados em três momentos distintos: na primeira exibição em Cannes, na estreia brasileira e após a primeira semana de exibição. Textos com propostas de reflexão e aproximação bastante distintas.

O post está neste link [clique aqui].

Boa leitura.


sábado, 8 de dezembro de 2012

De dentro pra fora: a política

A Fuga da Mulher Gorila

Finalmente assisti ao primeiro longa da Trilogia Coração no Fogo, A Fuga da Mulher Gorila, trazido pela retrospectiva em São Paulo da Semana dos Realizadores [veja programação aqui]. A Alegria e Desassossego completam a trilogia articulada por Felipe Bragança e Marina Meliande.

Ver o primeiro filme ajudou a delinear alguns dos sentimentos esparsos vividos durante a visão (e revisão) de A Alegria. O principal é o incômodo que me causou a ideia de política que os personagens trazem.

Em A Fuga da Mulher Gorila, duas irmãs viajam com uma kombi apresentando um show mambembe da mulher que se transforma em gorila. O sentimento de busca, de imobilidade, de acessar o lúdico (as justaposições das imagens da mão da menina e as luzes de balada) guiam as personagens e o filme, com um leve gosto de melancolia por trás.

À exceção de breves encontros e paradas, as irmãs passam quase todo o filme juntas perdidas na estrada, no mato, em frente ao rio. Mesmo que o rio represente a imensidão a se buscar, elas continuam isoladas.

Situação parecida de A Alegria, em que Luiza e seus amigos ficam quase todo o tempo juntos – também ou no mato ou no apartamento. Ela diz ter um anel que a fará atravessar paredes.

Em ambos, personagens que falam de dentro para dentro, que se protegem com os amigos, mas de pouco embate com o mundo.

Daí o porquê de Esse Amor que nos Consome, de Allan Ribeiro, me encantar muito mais que os dois longas da Trilogia Coração no Fogo. Pois seus personagens também querem acessar o lúdico e pintar o mundo, mas o faz indo para fora, saindo do espaço de conforto – a inteiração na praça movimentada no Rio de Janeiro, a dança do cais etc.

São nesses momentos que, paralelamente ao aspecto de a companhia de dança do filme ter que se equilibrar em arame farpado para sobreviver, os personagens de Esse Amor que Nos Consome tentam fazer do Rio uma cidade melhor.

A política desse filme me interessa mais que a dos outros dois.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Holy Motors, de Leos Carax - Crítica

A preparação do acasalamento cibernético em Holy Motors

O maior desafio que Holy Motors pede a seu espectador é disposição para percorrer caminhos que não os considerados lógicos, explicáveis e naturais no cinema. Apenas com esse espírito, livre e corajoso, que será possível viver o filme, lidar com ele frontalmente, seja para exaltá-lo ou desmascará-lo.

O alicerce de Holy Motors é inserir-se no próprio cinema, oferecendo, entre as diferentes leituras possíveis, uma interpretação de que aborda, de maneira extasiante, a oportunidade única que o cinema dá de viver outras vidas e histórias que não as nossas, possibilidade compartilhada tanto por quem faz cinema quanto por quem vê cinema: reviver a cada filme, a cada cena, a cada plano, a cada gesto belo.

Mas até mesmo dentro dessa leitura não é aconselhável um olhar cartesiano. Pois essa chance de viver vidas outras pode ser tomada tanto como exaltação das possibilidades do cinema quanto como crítica a uma sociedade virtualizada e de avatares, que adota personagens diversos em diferentes momentos para recuperar o prazer do instante inicial.

Ou seja, se fecharmos uma única leitura do filme, um rio de possibilidades vai passar do lado, imperceptível. Mas não seria essa justamente a graça do cinema e da cinefilia, (re)descobrir um filme a cada revisão? Abrir outros canais de relacionamento com ele, expandindo ou negando os anteriores? Viver um filme além do esgotamento instantâneo do “gostei” ou “não gostei”?

Continue lendo a crítica de Holy Motors na Revista Interlúdio.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Filme da Semana

Filme de Amor, de Julio Bressane

Filme de Amor (2003), de Julio Bressane, um dos grandes longas da última década, lançado em DVD pela Europa Filmes.

Um filme sobre a possibilidade de sonhar num cotidiano hostil, de construir ilhas de proteção para fugir da mediocridade. O sexo é um dos passaportes. A cena dos corpos voadores que tocam as paredes do casarão velho permanecerá eternamente na minha memória cinematográfica.

Um momento bastante feliz não só da carreira de Bressane, mas também do fotógrafo Walter Carvalho.


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Semana dos Realizadores: sobre filmes obrigatórios

A Cidade é uma Só?, o filme pop-político de Adirley Queiroz

Pela primeira vez desde 2009, quando foi criada no Rio de Janeiro, a Semana dos Realizadores: Voos do Cinema Brasileiro Contemporâneo aporta em São Paulo. Começa nesta quarta-feira (5/11) com a exibição do bom documentário Doméstica, de Gabriel Mascaro, às 19h no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo, em forma de retrospectiva.

Há filmes obrigatórios, especialmente nesse contexto esquizofrênico do circuito exibidor, enxuto, reduzido, que atira certos filmes (especialmente os autorais brasileiros) em algum horário. Alguns dos filmes infelizmente terão sua passagem pelas salas de cinema restritas a festivais.

A Cidade é uma Só?, Estrada Para Ythaca, O Homem que Não Dormia, Praça Walt Disney, As Hiper Mulheres, Doméstica, Eles Voltam, Esse Amor que Nos Consome, Ovos de Dinossauro na Sala de Estar, Na Carne e Na Alma, Dona Sônia Pediu uma Arma para seu Vizinho Alcides, Pacific, Corpo Presente são alguns dos filmes que ilustram caminhos que as várias ramificações da produção brasileira seguem.

No meio da programação haverá debates, dos quais chama a atenção o do dia 12, “O que pode ser hoje um cinema político?”. E um par de aulas ministradas pelos críticos Francis Vogner dos Reis e Luiz Carlos Oliveira Jr., que falarão sobre os diálogos entre os filmes exibidos na Semana nos últimos quatro anos, traçando um contexto amplo que remonta ao começo dos anos 2000.

A programação está no site do CCBB-SP [clique aqui] e da Semana em São Paulo [clique aqui]. Abaixo, links para críticas, resenhas e comentários que escrevi -- publicadas em diferentes momentos veículos e, por isso mesmo, de profundidades distintas -- de alguns dos filmes que passarão na Semana.