Vamos Fazer um Brinde, de Sabrina Rosa e Cavi Borges |
Não tenho números em mãos, mas guardo a sensação de que a Lei 12.485/11, a Lei da TV Paga, que estabelece uma ocupação, por meio de cotas, do produto audiovisual brasileiro em horário nobre da televisão a cabo, tem surtido efeito na circulação de filmes.
Por um lado, já ouvi relatos de amigos sobre canais que passam subprodutos como os filmes recentes da Xuxa. Por outro, fui solapado pela surpresa de encontrar dois longas produzidos pelo Cavi Borges, carinhosamente apelidado de “Roger Corman brasileiro” por Inácio Araújo (que, com maior precisão, o comparou também ao Galante da Boca do Lixo), ocupando horário nobre.
Ver Vamos Fazer um Brinde e Vida de Balconista no canal Woohoo (que jamais acessara até descobrir que passa filmes brasileiros) foi uma grata surpresa que evidencia o óbvio: filmes antes de escopo restrito encontraram mais uma brecha para circular.
A exibição na televisão me possibilitou a revisão de Vamos Fazer Um Brinde. Por que tive uma reação tão agressiva com o filme na primeira exibição no CinePE em 2011? Na tevê, e num outro contexto, o filme de Sabrina Rosa e Cavi não me pareceu desconjuntado e esburacado como da primeira vez.
Tem falhas, sim. O desnível do elenco é uma delas. Ana Miranda arrasa como a coroa sabichona, Roberta Santiago é um desastre como a namorada arrependida. Há também um problema de diálogos, que flertam demais com o panfleto e as frases de efeito. O próprio espaço do apartamento que abriga a ação do filme poderia ser melhor filmado (a câmera fica caçando o plano ali na hora, no improviso, tateando uma decupagem).
Mas Vamos Fazer um Brinde exala também uma aura de comunhão entre os personagens, de lugar compartilhado, de passado comum que solidifica laços. Na revisão, gostei mais dos eventos banais que ilustram justamente esses laços, tornando uma noite qualquer na noite (a cena da mulher picanha, por exemplo).
Ver e escrever sobre filmes tem disso também. Pelo jeito deixei a insatisfação com a ruim seleção do CinePE do ano passado sobrecarregar a minha relação com Vamos Fazer um Brinde.
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Para uma pessoa sensata que gosta de futebol e programas esportivos, o trabalho da ESPN é de longe o melhor. Enquanto, grosso modo, o Sportv busca a conciliação, a ESPN faz o embate – o espaço dado para um cara como o Mauro Cezar Pereira ilustra essas intenções. O Linha de Passe é o melhor programa de mesa redonda da televisão brasileira, o Bate Bola o melhor no formato noticiário e opiniões. Mas sem idealizações porque o canal também tem seu momento Maria Vai com as Outras – vide a “notícia” do novo penteado do Neymar dentro do Sportcenter, esse vício de misturar cobertura esportiva e celebridade.
Puxo o assunto futebol para falar da série de quatro documentários que Lúcio de Castro fez sobre as relações entre futebol e ditadura na América do Sul. Memórias do Chumbo – O Futebol Nos Tempos de Condor fala sobre Brasil (Copa de 70), Uruguai (Mundialito de 80), Argentina (Copa de 78) e Chile.
Assisti aos dois primeiros e e um pedaço do chileno. Gostei bastante. Menos do que traz como audiovisual, mais pelo esforço de pesquisa, de mobilizar arquivos fechados ou pouco usados, de tocar em feridas que até hoje são problemáticas (vide a intimação ridícula a Silvio Tendler no caso do esculacho ao torturador). Um material com boa pesquisa e um trabalho sensato de entrevistas. Até no caso brasileiro, do qual estamos mais próximos, há coisas a serem reveladas -- por exemplo, o detalhamento da vigia dos boleiros. Até Afonsinho, possivelmente um dos mais injustiçados personagens do futebol canarinho, fala. Só faltou a série cutucar Zagallo, um dos que atrapalharam, por questões políticas, o caminho do meia de ligação do Botafogo.
Enfim, Memórias de Chumbo – O Futebol Nos Tempos de Condor [saiba mais aqui] merece ser acompanhado com afinco. Não seria o caso de a ESPN realizar uma parceria para lançamento em home video da série?
Em tempo: sobre Afonsinho, duas dicas básicas. Primeiro, Passe Livre, documentário de Oswaldo Caldeira que capta o calor do momento (anos 70); segundo, Afonsinho e Edmundo – A Rebeldia no Futebol Brasileiro, de José Paulo Florenzano, maravilhoso livro – um pouco das ideias do autor podem ser conferidas na matéria que fiz para a edição de abril deste ano para a Revista ESPN sobre o filme (e seu personagem) Heleno.