quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Um Estranho no lago



Gostaria de me ater mais pausadamente sobre Um Estranho no Lago, o primeiro filme de Alain Guiraudie a estrear formalmente no circuito brasileiro (ainda que seja uma estreia para lá de discreta, em apenas uma sala -- Reserva Cultural -- em São Paulo).

Mas o tempo é escasso, especialmente porque até sexta-feira, 20, ministro o curso Panorama do Cinema Brasileiro no CineSesc da Augusta. Gostaria de comentar com mais vagar o quão existencialista esse filme me parece, a despeito das "pirocas ao vento", como brincou Inácio no derradeiro post de seu blog.

Indico-lhes, pois, dois textos que, penso, dá conta de aspectos distintos do filme de Guiraudie. O primeiro é de Marcelo Miranda para a querida Revista Interlúdio [clique aqui e leia]. O segundo é o de Fábio Andrade para a Cinética [clique aqui e leia].

E, por favor, vá ao cinema assistir Um Estranho no Lago antes que seja chutado de cartaz.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Azul é a cor mais quente

Fui assistir ao filme de Kechiche, que já chegou ao Brasil cercado de expectativas. Primeiro problema: aguardei durante as três horas surgir o tal grande filme. Só encontrei um filme sólido, com clareza de interesses, momentos belos e outros bastante questionáveis. Enfim, aos que gostam de cotação: um três estrelas.

Clareza de interesses: Azul é a cor mais quente está todo estruturado na ausência de distanciamento entre a câmera e a personagem, Adèle, a encantadora menina em sua jornada de saída da infância e da adolescência para os primeiros passos na vida adulta. Ao colar a câmera na atriz incessantemente está explícito: teremos de enxergar e sentir o mundo tal como Adèle. Ela é, pois, nossa porta de entrada para o mundo. Não nos é dada muita possibilidade de respiro fora dos poros de Adèle. Na verdade, o ar que respiramos no filme vem sempre repassado de seus pulmões.

Momentos belos: o sexo é de uma beleza absurda em Azul é a cor mais quente. Minha sensação é que até esse filme chegar eu jamais tinha vivido uma representação cinematográfica autêntica do orgasmo feminino. Acho ainda mais curioso que o responsável por isso seja um diretOR, não uma diretORA.

Nessa falta de distância personagem-câmera-espectador, me soam muito bonitas as duas longas sequências em que Emma, se solidificando como pintora, é o centro das atenções (numa festa no jardim e numa vernissage). Adèle, ao mesmo tempo pertencente (porque companheira de Emma) e estrangeira (porque não é artista) à aquele mundo, está perdida. Na primeira, o que lhe resta é perguntar incessantemente “quer mais macarrão?”; na segunda, a atitude mais digna é assumir a derrota.



Fora isso e uma evidente capacidade olhar Adèle (especialmente no capítulo 1, quando ela está descobrindo o que é crescer), só vejo um filme correto e sólido – estão lá as necessárias elipses e o cuidado em escolher os intervalos certos para se recortar e apresentar ao público ou o amálgama da câmera com as personagens.

Há as escolhas questionáveis também: filmar no contraluz é tão arriscado quanto usar violino em trilha sonora, pois a chance de desandar é gigante. E quando Kechiche filma um beijo com a luz do sol estourando entre os lábios das meninas eu já acho um pouco boboca demais. Infantil também é voltar ao parque onde tudo começou e que agora guarda rastros de melancolia; ou terminar com aquele plano para lá de previsível; ou o maniqueísmo fácil dos pais de Emma serem liberais, enquanto os de Adèle são os conservadores.

[Quem leu o texto até agora não encontrou uma vez sequer a palavra “polêmica”. Simples: ela não existe. A maneira que o filme foi circundado e acusado de polêmico ou a prisão ao jornalismo declaratório, que ficou levando a troca de farpas entre diretor e atriz no tom “ele me explorou”-“ela quer tirar vantagem”, só vem a ilustrar o vazio do debate cultural].

Até agora, li duas críticas de Azul é a cor mais quente. Ambas escritas por quem gostou muito do filme. A primeira de Carol Almeida [clique aqui e leia], que faz uma defesa do filme sob o ponto de vista de quem embarcou. A segunda do Inácio Araújo [clique aqui e leia], que defende o filme por sentir que ele responde a uma inquietação que é cara ao crítico: a tendência do cinema contemporâneo se isolar do mundo.

Acho o texto da Carol bonito, leitura complementada na conversa que tivemos. Mas como ela fala de um lugar de quem embarcou, o diálogo vai só até certo ponto. Já o do Inácio fala de uma questão que também me interessa, mas não acho que esse mérito do filme (lidar com o real, mostrar em vez de demonstrar) o torna grande, apenas interessante e respeitável.

Talvez numa revisão aconteça o encantamento que não veio num primeiro contato. Porém, sintoma de que o filme não bateu em mim, sequer me animo de fato a revê-lo. Se tivesse odiado, o faria; como só achei bom, vou priorizar outras revisões – Bressane – ou a primeiros contatos – Guiraudie, Lina Chamie.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Em breve, Educação Sentimental


Julio Bressane é um dos poucos realizadores brasileiros que, quando tomamos conhecimento de um filme novo seu, desperta a ansiedade por vê-lo, revê-lo. Pois os filmes de Bressane provocam algo raro: a necessidade de deslocamento do espectador em direção ao filme. Mais: a obrigação em reter o filme, continuar elaborando-o muitos dias após a sessão; assistir novamente, descobrir o que esteve oculto na primeira sessão, decodificar racionalmente um encantamento inicial do sensível.

Estreia nesta sexta (6/11) Educação Sentimental [atualização: estreia adiada para 13/12], que recentemente passou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - para mim, um dos três melhores longas do festival ao lado de Cães Errantes, de Tsai Ming-Liang, e Tatuagem, de Hilton Lacerda. Nele Bressane elabora duas coisas do passado: uma certa maneira de se relacionar com a cultura (especialmente a leitura) e com o amor (prefere-se o mistério e a sugestão à exposição); algo que se perde: a película, essa espécie em extinção.

A matéria do amigo Paulo Camargo [clique aqui e leia], misto de entrevista com o realizador e apanhado de impressões a respeito do filme, capta precisamente o que é Educação Sentimental. Recomendo também aos que já assistiram/assistirão ao filme e buscam uma leitura complementar de forma a dialogar percepções distintas as críticas de Sergio Alpendre na Revista Interlúdio [clique aqui e leia] e de Marcelo Miranda no Filmes Polvo [clique aqui e leia].

domingo, 1 de dezembro de 2013

Crô, o filme - Crítica

Quando O Segredo de Brokeback Mountain construiu sua trajetória nos cinemas brasileiros uma parte significativa do público gay abraçou o filme como sendo seu, emocionando-se com a tragédia de Jack e Ennis, sentindo-se representado com tal obra.

À parte das qualidades evidentes que o filme tem, o que nós, gays, não percebemos – ou preferimos não perceber à época – é o quão heteronormativo é o filme de Ang Lee. Recapitulemos: Jack é morto como um animal a golpes de foice que assistimos em flashes; Já Ennis experencia um outro tipo de morte, a da alma, prendendo-se numa relação de fachada com uma mulher.

No olhar do filme, Jack e Ennis – e, em última instância, o homossexual – são pobres vítimas que tentam lutar contra essa atração que se mostra incontornável: o desejo por outro homem. O gay como um sofredor, fraco e dividido, vítima da própria sexualidade remonta longe e tem em Meu Passado me Condena um de seus exemplos mais fortes – não à toa o título original é Victim. Em Brokeback Mountain os dois únicos personagens gays do filme morrem e o mundo continua seguindo sua ordem “normal”. Uma coisa é repetir o discurso da vitimização em 1961, caso do filme de Basil Dearden. Outra é fazer o mesmo em 2005, como o de Lee.

Chegamos, pois, a Crô – o Filme, contraditoriamente heteronormativo e que, ao contrário da obra de Ang Lee, não tem quase nada de cinema (Ana Maria Braga, Ivete Sangalo e Gaby Amarantos não são participações especiais, mas casos assombrosos de product placement, ou marketing indireto). No longa de Bruno Barreto entra ainda um outro componente: a comédia sórdida.

Continue lendo a crítica de Crô, o filme na Revista Interlúdio.