segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Rapidinhas do Festival do Rio 3

Leon Cakoff – Apesar de saber que uma perene cordialidade mantém a relação entre o Festival do Rio e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, imaginei que, por ocasião da morte de Leon Cakoff, o criador da Mostra, o evento carioca fosse se manifestar oficialmente – seja por nota ou por meio de Andreia Cals, coordenadora da Première Brasil.

Não o fez, a não ser que eu tenha deixado passar batida alguma sessão. No máximo, um membro da equipe de Amanhã Nunca Mais pediu, na apresentação do longa no Cine Odeon, uma salva de palmas a Leon. Além disso, a produtora Vânia Catani, de O Palhaço, rendeu uma homenagem a ele enquanto apresentou o filme de Selton Mello.



Vaias 2 – A Première Brasil teve filmes muito bons, bons, médios e ruins. Uma constante, porém, na competição brasileira foram as vaias quando a vinheta da RioFilme, apresentada por Bruno Mazzeo, subia à tela.

Como disse no post abaixo, ainda não sei se a crítica é direcionada à mudança de perfil da RioFilme, que tem investido financeiramente para trazer produções estrangeiras (caso de Crepúsculo) para filmar no Rio de Janeiro; ao Bruno Mazzeo, que na vinheta se diz um homem de cinema; ou aos dois.

Há uma dica, porém: a intensidade das vaias é diretamente proporcional às pretensões artísticas do longa exibido após a vinheta.. Em filmes assumidamente comerciais (A Novela das 8 ou Amanhã Nunca Mais), poucas ou praticamente nenhuma vaia. Em filmes com mais fôlego, a crítica era uníssona.

O episódio demonstra que há uma fissura envolvendo a entidade, realizadores e cinéfilos.



Sem Abel Ferrara – O grande imprevisto da edição 2011 do Festival do Rio envolve 4:44 Last Day on Earth e seu criador, o diretor Abel Ferrara.

Primeiro, por problemas técnicos (que, na verdade, envolvem medidas seguranças para impedir a reprodução do arquivo), a sessão para a imprensa deixou de ser realizada na última quarta-feira (12/10). Depois, a primeira sessão foi cancelada, sendo substituída por um filme que fez feio em Veneza.

Na sequência, nova sessão cancelada. Não será desta vez que Abel Ferrara vai mostrar ao seu público no Brasil se voltou a filmar bem.

sábado, 15 de outubro de 2011

Leon Cakoff, a alma da Mostra: memórias de um cinéfilo

Tarefa muito difícil escrever sobre Leon Cakoff. A idade não me permitiu estar in loco quando, muito antes do compartilhamento de filmes por torrent e a cinefilia de internet, a Mostra trouxe filmes então raríssimos e de nacionalidades exóticas. Sem legenda. A urgência de ver cinema naquele momento só me é trazida por relatos de amigos.

Também não posso falar sobre Leon numa perspectiva pessoal: só o conheço como “homem de cinema”. Conversar mesmo só uma vez, meio en passant, no jantar da crítica na Mostra de 2010, esforço da Margarida Oliveira, a Margô, em reunir a um grupo que geralmente está disperso na correria da Mostra.

Nos trombamos em corredores, intervalos de sessões e rodas de amigos em comum. Ele não sabia quem eu era. Em um momento, porém, atravessei sua vida de maneira cômica: o acidente no debate com Wim Wenders.

Um dos preferidos de Leon, o alemão, que tenho a sensação de ser uma presença constante na Mostra, deu uma entrevista coletiva sobre sua exposição fotográfica. Na plateia, a senhora Teruyo Nogami, assistente de Akira Kurosawa, em São Paulo para lançar À Espera do Tempo – Filmando com Kurosawa.

Acaba o debate, “obrigado” com sotaque alemão, aplausos etc. Atrás de mim, a senhora Nogami tropeça e, num reflexo espalhafatoso, agarro-a e deixo seu corpo desabar sobre o meu. “Arigatô, arigatô”, diz ela. Sua tradutora agradece. Renata de Almeida, codiretora da Mostra, também agradece. Leon agradece. Salvei a memória viva do cinema japonês, brinco. Rimos e nos vamos, a correria nos chama.

Esta foi a única vez que nos “relacionamos” pessoalmente. De resto, sempre foi uma relação unilateral entre eu e sua cria, a Mostra. É sobre esta que pretendo falar: o compartilhamento do cinema e, agora, a orfandade da cinefilia.

Há cinco edições

Cinéfilo tardio que tateou por cinematografias às escuras, fui entender o que significava a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo aos 20 anos, três décadas após o surgimento da Mostra. Foi a edição do pôster vermelho.

Cego a uma cinefilia mais aprumada, perdi, porém, a retrospectiva da obra de Joaquim Pedro e a retrospectiva do cinema político italiano, período que só viria a descobrir três anos depois por meio da paixão de Carlos Reichenbach.

Veio a edição de 2007, a do pôster com Babenco, cujo O Passado me frustrou bastante. Tivemos a linda sessão de Cartola: quando a tela ficou preta por quase um minuto, o público começou a xingar achando se tratar de problema na projeção. Era, porém, um recurso narrativo de Hilton Lacerda e Lírio Ferreira. Desci a rua Augusta atordoado pelo filme – à época cantava e estudava samba. Chorei.

Foi o ano também de Irina Palm, filme médio que adorei à época: meu primeiro debate sério. Logo após a sessão, ainda inebriado pela trama, um colega destruiu o filme. Fiquei atônito. Marcou-me também Vocês, os Vivos, de Roy Anderson, sueco que abriu os olhos para outro tipo de cinema. Foi neste ano também que a Mostra trouxe um dos autores que hoje me define e no qual me projeto, mas que descobri recentemente por meio do amigo e crítico Sergio Alpendre: o francês Jacques Nolot e sua obra-prima Avant que J’oublie.

Já ia me esquecendo: 2007 foi o ano também em que Claude Lelouch escreveu mais um capítulo da sua cruzada contra a Nouvelle Vague, à qual acusa (especialmente aos críticos que a tomam como farol) de ter ofuscado seu cinema de amor. Vê-lo falar de cinema na FAAP foi bem mais interessante que seu filme daquele ano, Crimes de Autor.

Assayas e Jia Zhang-ke

Em 2008, a edição do pôster de Tomie Othake, já escrevia mais assiduamente sobre cinema e tinha um discernimento mínimo. Deu para aproveitar muito mais a Mostra. Foi o ano que descobri Olivier Assayas, com Horas de Verão, e Jia Zhang-ke, com Em Busca da Vida.

Naquela mesma edição, a Mostra teve a coragem de trazer a íntegra de Berlin Alexanderplatz, programou uma linda projeção de O Poderoso Chefão e ousou ao colocar num patamar superestimado a obra de Pablo Trapero. Ano também em que Hugh Hudson mostrou um novo corte de Revolução Revisitada e reclamou do ostracismo.

Assistimos também a um cinema português vivo, representado por Aquele Querido Mês de Agosto. Reclamamos, todavia, da má qualidade das projeções em digital, tema que se tornou presente em todas as mostras desde então.

De Haneke a Kiarostami

Nos últimos dois anos, a Mostra continuou na mesma toada: superlotada, projeções de qualidade duvidosa e filmes apaixonantes. Em 2009, alguns realizadores tradicionais decepcionaram, como Almodóvar (Abraços Partidos) e Ang Lee (Aconteceu em Woodstock). Do outro, os velhinhos deram conta do recado: Resnais (Ervas Daninhas), Wajda (Alma Doce) e Manoel de Oliveira (Singularidades de uma Rapariga Loura).

Foi o ano em que vi bons filmes que imaginei reencontrar nos meses seguintes no circuito comercial, mas nunca chegaram a ser lançados. Casos de Lebanon e Fish Tank. Ano também em que descobri o valor de rever um filme do qual não se gosta à primeira vista, como Vincere, que se tornaria um dos grandes após revê-lo.

Em 2010, quase tive a honra de ver Manoel de Oliveira de perto. Convidado para a abertura da Mostra, ficou doente e mandou apenas uma mensagem em vídeo, bem humorada. Em compensação, vi uma obra-prima que defendo como tal com unhas e dentes: Cópia Fiel, apaixonante filme de Kiarostami. Porém, o evento mais marcante foi a exibição da inédita cópia na íntegra de Metrópolis: milhares de pessoas esparramadas no Gramado do Ibirapuera para ver um filme mudo de 1927! Eu estava lá e foi a Mostra que me proporcionou esta experiência.

Fechando o diário

Os cânones do jornalismo asséptico condenariam este texto de memórias construído em primeira pessoa. Às batatas, que se vão! Como cinéfilo, não há como falar de Leon Cakoff sem passar automaticamente à sua cria, a Mostra. E não dá para conversar sobre ela sem passar por memórias.

Cakoff foi um daqueles tipos que se salvaram por causa do cinema, que se enxergou e projetou em personagens, cenas e cineastas. Assim somos muito de nós, os cinéfilos, que passam a se dedicar à reflexão crítica e à troca de ideias no texto.

Falar dele – em que pese, advertem os amigos ou colaboradores, seu ar tratorista e autoritário nos bastidores – é recuperar as memórias de uma formação: de cinéfilo e de ser humano.

Esta é a memória que vou guardar.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Leon Cakoff: 1948-2011

Leon Cakoff, o fundador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o evento de cinema que peitou a ditadura nos anos 1970 e 80, morreu nesta sexta-feira (14/10) em São Paulo. Leon brigava com um câncer há tempos.

Ainda estou sem palavras. Triste, sim. Estava redigindo a entrevista com Dario Argento que fiz aqui no Festival do Rio quando soube da notícia. É muito triste para um cinéfilo que tem em sua cria, a Mostra, o principal veículo fomentador da cinefilia.

Muitas de minhas memórias com o cinema estão lá, na Mostra. Descobrir cinematografias e autores, ter meu gosto contestado, iniciar a reflexão sobre cinema... várias coisas em que a primeira vez aconteceu na Mostra.

Escrevi um breve texto com memórias minhas que passam pelos filmes da Mostra - publicarei em algumas horas. Lamentamos, sim, sua morte. Porém, a maneira de honrarmos sua cria é ajudando a mantê-la e construí-la, coletivamente, apontando problemas e ressaltando sua força. É não deixar a peteca cair.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Rapidinhas do Festival do Rio 2

Vaias – Uma das vinhetas deste ano é a da RioFilme propagandeando suas bem-feitorias ao cinema brasileiro. Seu garoto-propaganda por alguns segundos é Bruno Mazzeo.

Todas as noites, a vinheta é exibida antes da sessão dos longas e curtas de ficção. Todas as noites, é vaiada – à exceção de segunda-feira, curiosamente, o dia em que se exibiu A Novela das 8. Resta saber para quem é a vaia: para a RioFilme, cuja mudança de perfil é criticada; ao Bruno Mazzeo, que no vídeo se diz um profissional de cinema; ou para ambos.



Nicolas Provost – O festival trouxe o filme mais intenso e carnal que já assisti sobre a imigração. Chama-se O Invasor e a direção é do belga Nicolas Provost, curta-metragista que fez uma obra-prima neste ano, Stardust (Poeira de Estrelas), exibida no Festival de Curtas de SP.

O Invasor não opera o sequestro emocional de Terraferma. Pelo contrário, propõe apenas uma relação de sensações, que o espectador sinta na pele a agonia de ser um mano negra na Europa.



Camila PitangaEu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios não é um filme de começo, meio e fim, mas um ritual xamânico que tem em Camila Pitanga sua vida e energia.

O filme é baseado no livro de Marçal Aquino e representa uma digna evolução comparado com o filme anterior de Beto Brant, o chato O Amor Segundo B. Schianberg, ou o último dirigido pela dupla Brant/Ciasta, Cão sem Dono. Um filme muito intenso cujas síncopes contaminam.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Rapidinhas do Festival do Rio 1

Caçula das Irmãs Olsen – Um filme muito interessante está passando silenciosamente pelo Festival do Rio. Trata-se do americano Martha Marcy May Marlene, Melhor Direção em Sundance e uma das atrações de Cannes na mostra paralela Um Certo Olhar.

Não sei se terei tempo para escrever apropriadamente sobre ele no Cineclick, mas ao menos deixo um breve comentário. Uma menina (Elizabeth Olsen, “de beleza irritante”, como diz uma das personagens) vive em duas situações diferentes: na primeira, num modo coletivo com alguns valores familiares e morais mais que dúbios. No outro, quando reencontra sua irmã mais velha, típica pequena burguesa.

Dois momentos dos quais não sabemos muito e aprendemos aos poucos. Montagem e direção espetacular: assim como a cabeça da protagonista está confusa com esses dois tempos distintos que a deixam à deriva, também ficamos perdidos. Filme de sensações, de experiência dentro e após a sala de cinema.

Fora de sintonia – A Première Brasil, grande janela para filmes brasileiros aqui no Festival do Rio, vive um contrassenso. De um lado, aposta em longas ousados como os dos três primeiros dias de competição – Histórias que Só Existem Quando Lembradas, Girimunho e Mãe e Filha)

Os curta-metragens, porém, tocam em outra nota. Além de fracos, os curtas Cavalo, Gisela e Assim como Ela não estabelecem diálogo formal algum com o longa que introduzem nas sessões noturnas no Cine Odeon. Na sessão de domingo (9/10), um curta de fotografia acética e sem nuances (Assim como ela) veio antes de um longa de fotografia vigorosa e narrativa rigorosa (Mãe e Filha).

Por conta da seleção, nem sempre é possível estabelecer uma conversa entre longa e curta, mas seria de ótimo proveito fomentá-la sempre que factível. Ajuda na potencialização e permite uma compreensão mais ampla de ambos os formatos.

Béla Tarr?! – Após a bela sessão aqui no Festival, Mãe e Filha, que teve uma recepção morna, o que é uma injustiça com o tamanho do filme, as reações foram divididas (assim como o filme de Cronenberg, Um Método Perigoso).

Em brevíssimas conversas após o filme, surgiu uma comparação com o cinema de planos longos do húngaro Béla Tarr, do qual o Indie exibiu a obra-prima Satantango em mais de sete horas no CineSesc. Apesar de a composição dos planos ter obviamente bebido nele, não vejo intenção alguma do filme ou de seu realizador, Petrus Cariry, em fazer citações.

Trata-se de uma influência no inconsciente. Assim como Tarkovski, Pedro Costa, Velázquez... imagens que nos deixamos contaminar enquanto estamos vivos, procedimento comum a qualquer cinéfilo. Apesar de ambos mostrarem rigor com a câmera, a encenação em Cariry me parece mais solta do que em Tarr. Tenho a impressão também de que os filmes do húngaro (como O Cavalo de Turim tem pretensões filosóficas bem maiores.

Mãe e Filha mostra méritos suficientes para escapar de comparações que se detém na superfície.

domingo, 2 de outubro de 2011

Vladimir Putin até 2024 e o cinema de Marina Goldovskaya

Em abril deste ano, o É Tudo Verdade, maior festival internacional de documentários da América Latina, trouxe para o Brasil Marina Goldovskaya, realizadora russa que começou nos anos 1960 como fotógrafa de televisão, mas que desde os anos 80 tornou-se peça-chave na reflexão sobre os caminhos da então União Soviética e, num momento posterior, o surgimento de um novo país, a Rússia, e suas contradições.

Tive o prazer de conversar por 45 minutos com ela, uma senhora genuinamente preocupada em falar sobre os grandes temas, sendo a Liberdade o principal deles. Marina registrou as aspirações de pessoas comuns e com isso colocou-se numa privilegiada posição de observadora: com sua câmera de vídeo, liberdade possibilitada pelo desenvolvimento tecnológico, foi às ruas no início dos anos 90 para sentir o que a população russa esperava dos novos ventos.

Viu e registrou a euforia da liberdade em O Gosto da Liberdade (1991) e as esperanças de O Espelho Estilhaçado (1992). Mas Marina não parou de posicionar sua câmera nos lugares certos, resultando em filmes que passaram a confrontar a complexidade da Rússia pós-União Soviética, como em A Sorte de Nascer na Rússia (1994).

Mais recentemente, o cinema de Marina percebeu, com sensibilidade, o fracasso da Perestroika e a tentativa de estabelecer processos democráticos. No ultrapessimista O Gosto Amargo da Liberdade (2010), contou a trajetória da Anna Politkovskaya, jornalista assassinada em 2006 por cobrir a violência do governo russo contra a população da Chechênia. A única repórter a se posicionar abertamente contra os desmandos Vladimir Putin.

No finalzinho da entrevista, perguntei para Marina o que ela esperava do futuro russo. “Em 1991, eu via manifestações e chorava porque sentia que todos nós estávamos juntos, felizes e finalmente nos tornando uma nação lutando por liberdade. Hoje somos uma nação dividida entre os querem e democracia e os que não”.

Haja perspicácia! Há uma semana, Putin anunciou que voltará à presidência da Rússia, posto do qual havia oficialmente se retirado em 2008, e terá direito a se reeleger por dois mandatos. Ou seja, se nenhuma crise política o abalar, pode permanecer no comando até 2024.

Em artigo para o The New York Times, Ellen Barry, diagnostica o seguinte: “Dada sua aparência numa roupa de mergulhador no último verão, Putin não demonstra estar em declínio físico, além de que os russos não parecem muito interessados em ocupar as ruas com protestos exigindo mudança. As elites esclarecidas, que constituem o grupo mais insatisfeito com Putin, são tão cínicas quanto ao governo que fica difícil imaginá-las fazendo algo mais que reclamar pelos cantos e reservar uma mensa num bom restaurante”.

Pois é, querida Marina, os que você diz quererem democracia não parecem estar inclinados em brigar por ela. Uma vez mais, seu cinema se faz necessário.