É tolice procurar por qualquer traço de autoria em Gato de Botas, um filme cuja perfeição técnica e esterilidade narrativa o colocam como um típico produto de fábrica. O spin-off da franquia Shrek, que estreia nesta sexta-feira (9/12) e é inspirado numa fábula francesa do Século 17, tem intenções muito claras.
Sabemos que produzir hoje em Hollywood significa colocar milhões em propaganda, aproveitar o potencial que mercados emergentes (como o Brasil) representam especialmente para o consumo de 3D e recuperar dinheiro com licenciamento da marca.
Numa engenhoca financeira dessas, o filme de indústria, aquele que está comprometido em cobrir o orçamento e dar lucro, toma cada vez menos riscos. Tudo é dado mastigadinho para o espectador não perder nada da trama entre uma saída ao banheiro ou para comprar pipoca, uma twittada no celular...
Gato de Botas começa tratando o espectador como alguém com minúscula idade mental. Já de cara duas cenas repletas de diálogos para contar o porquê de o galanteador herói felino ter se tornado um forasteiro que busca recuperar sua honra. Fala-se, e muito. Depois de tanto parlar, ação, aventura, movimento, rapidez.
Quando o filme engata – o que acontece dado o carisma de um gato de sotaque paraguaio, destemido e honrado –, puxa-se novamente o freio de mão. Um flashback irritantemente óbvio vem novamente (re) explicar o que se passou. Por que não diluir a revelação do passado do Gato? Por que não deixar o espectador descobrir aos poucos a desconfiança dele com Humpty, seu amigo duas caras?
Parque de diversões
Num filme visualmente deslumbrante como Gato de Botas, é uma pena que não haja espaço para descobertas, dúvidas, incertezas. É como uma ida ao parque de diversões, em que o consumidor senta-se na cadeira e a parafernália remexe, vira, rebola, chacoalha, mas devolve o consumidor são e salvo no final, no chão.
No meio do caminho, o máximo que ele tem de fazer é berrar: esse é o entretenimento. E é assim que um filme como Gato de Botas espera que seu público se comporte: como uma ida ao parque de diversões, em que se senta e a bugiganga à sua frente faz todo o trabalho.
Nisso, o filme novo da DreamWorks Annimation SKG é igualzinho à produção anterior, Kung Fu Panda 2. Basta reparar nas situações comuns aos dois roteiros: uma uma sequência de dança, duas ou mais longas sequências de perseguição, tiradas cômicas, heroína que abandona o filme para deixar o herói reinar, mas volta num momento crucial e salva sua pele, uma jornada moralista etc.
A semelhança não é por falta de criatividade dos roteiristas e produtores de Gato de Botas, mas sim da escolha deliberada em oferecer um produto igual aos outros. Oferecer uma paralisante segurança ao espectador: ele vai ao cinema e já sabe o que irá encontrar, sem risco algum de ser desafiado durante o filme.
Reflexo desse momento conservador da indústria: investe-se apenas no que já tem potencial de dar certo financeiramente (já que Gato de Botas herda de bandeja os fãs da franquia Shrek). E na feitura do filme, não se toma risco algum.
Mas onde fica o prazer em descobrir aos poucos o filme que se vê? Uma animação como Gato de Botas não deixa o menor espaço para ser descoberta, pois tudo é dado de bandeja.
Por isso que, da safra recente, destacam-se tanto Como Treinar Seu Dragão e Toy Story 3: são animações que não tratam seu público como incapacitado em se aventurar. O curioso é que Dragão também é produção da DreamWorks e não deixa de trabalhar em cima de arquétipos há muito estabelecidos (o peixe fora d'água).
Talvez a grande diferença entre ambas as produções é que naquela há uma encenação que prioriza o humanismo dos personagens – seja ele um garoto ou um dragão. Em Gato de Botas, porém, dá-se vazão a um moralismo raso.
Ficha técnica
Gato de Botas (Puss in Boots), 2011
Avaliação: 2,5 de 5
Direção: Chris Miller
Estúdio: DreamWorks Annimation SKG
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