segunda-feira, 31 de maio de 2010
Easy Rider e Dennis Hopper
Dennis Hopper se foi. Não dá nem para lamentar muito porque, como ele estava brigando com um câncer há tempos, a morte é alívio. Sem contar que ele aproveitou, e muito, a liberdade da vida.
Falando em liberdade, peguei “Easy Rider”, co-protagonizado, co-roteirizado e dirigido por ele. No Brasil, saiu como “Sem Destino”, para assistir. Uma edição linda, comemorativa do 30º aniversário do longa, lançada pela Columbia, com direito a legendas em tailandês, chinês e coreano – alguém se aventura nessas línguas?.
Sim, liberdade é o assunto, mas não está nas palavras, nem nos diálogos. Está sim nos gestos, mas não só. Está principalmente pela não necessidade de causa e efeito, ou da explicação de onde os personagens vieram. The ride is easy, é isso que Denis Hopper quer com o filme.
“Easy Rider” é de 1969 e só poderia ter sido feito como um road movie. No vazio das estradas, nas imensidões das paisagens do Arizona ou do Novo México, na imprevisível aparição de novos personagens no caminho da dupla.
Só que o filme tem várias portas que permanecem abertas após o fim. Frases que indicam algo muito sério, mas que está extremamente imbuído no subtexto, como um “We blew it” que sai do nada, logo antes da grande última sequência, ou a própria conclusão do filme, um grande ponto interrogação digno de fazer os irmãos Coen tirarem o chapéu.
Como, para mim, o grande assunto do filme é a liberdade – tratada sob a perspectiva da contracultura e da mistura entre drogas, política e sexo –, chuto um significado para o final. Para mim, o roteiro de Hopper, Peter Fonda e Terry Southern previu o que se tornaria os Estados Unidos dos anos 70.
O espaço para os hippies e para a liberdade sem controle estava indo para o saco. O país “entrou na ordem”, embarcou em suas guerras e foi caindo cada vez mais à direita na esfera política. A resposta à contracultura foi um crescimento do conservadorismo que só viria a pisar no freio em meados dos anos 90, com Clinton, e sair de cena (ao menos, temporariamente) com Obama.
Mesmo sendo um filme que responde efetivamente à sua época, “Easy Rider” fica impregnado, viu? Hopper dirige como se fosse Scorsese e ainda se inspira em Hitchcock para filmar um assassinato.
Falando em Scorsese, me veio um livro que finalmente começo a ler hoje à noite, “Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’roll Salvou Hollywood”, cuja edição brasileira foi traduzida por Ana Maria Bahiana.
O subtítulo fala justamente de “Easy Riders, Ranging Bulls”, em referência tanto ao filme de Hopper como o “Touro Indomável” de Scorsese. Ouvi coisas maravilhosas do livro e, só pelo título, me fez pensar o seguinte: dá pra pensar o cinema americano dos anos 70 em diante sem Scorsese e sem Coppola? Difícil, né?
Se essa geração salvou Hollywood do marasmo, quem é que irá salvá-la agora? As adaptações de quadrinhos? Como tem ficado cada vez mais difícil se surpreender com um filme americano contemporâneo. Por isso que, a cada novo longa do Clint Eastwood, a expectativa vai lá em cima.
PS: chamada da primeira página da “Folha de S. Paulo” neste domingo: “O astro de cinema Dennis Hopper, 74, morreu em sua casa em Venice, na Califórnia. Americano, ele sofria de câncer de próstata. Hopper ficou mundialmente famoso como ator e diretor do filme “Sem Destino” (“Easy Rider”), de 1969, em que contracenou com Peter Fonda”.
Chamada preguiçosa que ainda perdeu a chance de contar que o filme revelou um tal de Jack Nicholson. Já a matéria de dentro, provavelmente escrita às pressas, é irritantemente burocrática e presa a um infográfico com uma linha do tempo com os principais trabalhos do ator.
O texto complementar de André Barcinski ainda tenta salvar a colheita, lembrando que Hopper foi um símbolo de rebeldia dentro dos estúdios e um dependente de cocaína por muitos anos. E só.
Já o “Estado de S. Paulo”, ao menos no Caderno2, não publicou sequer uma linha.
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