Muitos filmes crescem dias depois de serem assistidos. No caso do drama histórico de Tom Hopper, tem acontecido o oposto. A cada dia que passa, o filme tem caído mais e mais. Resumindo o incômodo que ele traz: O Discurso do Rei é como fazer sexo “papai e mamãe” por dois anos interruptos. Sem gosto, novidade, aventura ou surpresa.
Dá para falar que é ruim? Claro que não, já que é tecnicamente irrepreensível, certinho. Mas todos os elementos do filme são irritantemente quadrados e previsíveis. Especialmente direção e roteiro, que deixam claro que se trata de uma história de superação com final feliz.
Apontar a caretice desse filme é uma birra com a narrativa cinematográfica clássica? Não. Pensemos no maior expoente desse estilo de cinema vivo, Clint Eastwood – do qual, infelizmente, ainda não vi Além da Vida. Mas pego dois filmes bons da safra recente, Gran Torino e A Troca.
Nestes filmes, os enquadramentos de Clint são soberbos, enquanto os de Tom Hooper são de um burocrata. Os roteiros com os quais o veteraníssimo trabalha permite idas e vindas dos personagens, subidas e descidas, felicidades e tristezas. No caso do trabalho de David Seidler, o espaço para escorregões da vida são mínimos: George VI, o gago, conhece Lionel Longue, o professor, e inicia uma jornada sempre para cima, tendo como cume a superação do protagonista.
Pensemos também na abordagem psicológica dos porquês da gagueira do futuro rei George VI. O Discurso do Rei entrega ao espectador, sem pedir muito esforço dele, as razões: criação opressora, o medo de se tornar a sombra do irmão mais velho e de admitir seu desejo de assumir o trono. É só juntar “lé” com “cré” que fica bem simples de entender a composição do gago mais famoso da Inglaterra.
Quando quer entrar na mente de um personagem e em seu espírito de superação, Clint não tem medinho de causar dor – por exemplo, Sobre Meninos e Lobos ou Menina de Ouro.
Resumindo, acho um equívoco subentender que quem aponta em O Discurso do Rei uma caretice exagerada é movido por uma premissa anti-narrativa clássica. Está aí Clint Eastwood, por exemplo, para me socorrer.
Em tempo: uma crítica mais elaborada sobre o filme de Tom Hooper, que deve,a propósito, papar o Oscar deste ano, foi escrita para o Cineclick [clique aqui].
Em tempo 2: Para o The New York Times, Manohla Dargis abre assim sua crítica: “Filmes britânicos que chegam às telas americanas nos dias de hoje geralmente se encaixam em dois estilos: a vida é miserável e a vida é doce (pegando emprestado um título do diretor Mike Leigh, que costuma oscilar entre ambos). Dada a qualidade dos protagonistas e o alto perfil comercial (ding-dong, é o Oscar chamando), não é surpresa que O Discurso do Rei, uma história camarada sobre dois personagens charmosos e agressivamente opostos – Colin Firth como o gago que se tornaria rei e Geoffrey Rush como o terapeuta do discurso –, vem com um montão de colheres de açúcar”.
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