O tempo aperta, mas não posso deixar de lembrar a exibição nesta segunda-feira (29/8) do curta-metragem Poeira de Estrelas (Stardust) no Festival de Curtas de SP (veja aqui os horários).
Um dos curtas mais marcantes que vi em tempos recentes. Nicolas Provost, o diretor, artista belga que não se dedica apenas ao cinema, aproxima-se de uma investigação dos diálogos entre as convenções do documentário e da ficção. Porém, utilizando recursos diferentes de Coutinho em Jogo de Cena, Rodrigo Siqueira em Terra Deu, Terra Come e outras investidas no assunto.
Stardust é uma ficção feita de imagens documentais. Câmeras escondidas registram a rotina de jogadores e funcionários de um cassino de Las Vegas. Desse registro, Provost usa as convenções do cinema e cria uma trama de suspense de deixar todos os pelos do corpo em pé!
O tempo não permite um comentário mais aprofundado sobre o filme - mesmo porque já o fiz num texto para o Cineclick (leia aqui). Mas, quem puder dar uma passada na Cinemateca às 19h, não deixe de assistir a Stardust.
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Claude Lelouch deixa testamento cinematográfico
O testamento cinematográfico de Claude Lelouch está prestes a ser compartilhado com o público brasileiro. Esses Amores (Ces Amours-là), que estreia dia 26 de agosto, é a síntese da paixão de um realizador pelo cinema. Mais: uma carta de apresentação (ou despedida) do por que Lelouch faz filmes.
Os que não associam o nome à pessoa, Lelouch é o resmungão que se diz subestimado porque a exibição e discussão maciça da Nouvelle Vague soterrou o reconhecimento que o cineasta acha merecido. Sempre que pode, ele, que até Oscar venceu, reclama que tem muito mais talento do que aceitam admitir as más línguas.
O crítico André Setaro, no fim do ano passado, ao publicar um maravilhoso pequeno perfil do cineasta, ainda considerou que há um desrespeito da crítica. “Há, por parte da crítica, uma total indiferença diante dos filmes de Claude Lelouch, um certo preconceito em relação a este brilhante realizador do cinema francês (...). Talvez a explicação para a marginalização do autor de Um homem, uma mulher esteja no fato dele falar mal da nouvelle vague e, apesar do seu público fiel, a chamada intelligentzia o colocou no índex”.
Grosso modo, o cineasta vive às turras com a crítica: ele a acusa de ter apenas a nouvelle vague como farol do grande cinema, enquanto ela acusa Lelouch de fazer cinema “fru-fru”. Tirando o ti-ti-ti, Lelouch é o diretor de Um Homem, Uma Mulher (Oscar de Filme Estrangeiro e Palma de Ouro em Cannes), Viver por Viver (de 1967, muito interessante e no mesmo nível do filme que deu estatueta a ele), A Nós Dois e, mais recentemente, Amantes & Infiéis e Crimes de Autor.
Se depois de cinquenta anos de carreira, ainda não está claro para os fãs do cineasta suas motivações cinematográficas ou o por quê da insistência em filmar histórias de amor, Esses Amores dá a resposta: para Lelouch, só o amor pode salvar a humanidade. Por isso que, desde o começo da década de 1960, seja num curta alucinante como C'était un rendez-vous ou no longa mais famoso dele, tudo é sobre o amor.
Para ele, trata-se do único sentimento capaz de limpar toda a sujeira inerente à humanidade, a ferramenta primordial para superar traumas e construir pontes.
O que um cineasta que escolheu o seu grande tema e já o abordou de diversas maneiras – narrativa poética como Um Homem, Uma Mulher ao suspense de Crimes de Autor – ainda pode querer do cinema após Esses Amores? Após atravessar a história do Século XX, colocar nas entrelinhas suas motivações artísticas e escrever a história de uma personagem cujo amor incondicional a levou do céu ao inferno pode querer do cinema?
Esses Amores não é o melhor filme de Lelouch, mas é seu definitivo. Seu testamento.
Em tempo: leia neste link a íntegra do perfil de Claude Lelouch escrito por André Setaro.
Em tempo2: em 2009, o crítico Sérgio Alpendre acompanhou a passagem de Lelouch pelo Amazonas Film Festival e relatou algumas das alfinetadas do cineasta.
Assista ao trailer do longa-metragem:
Os que não associam o nome à pessoa, Lelouch é o resmungão que se diz subestimado porque a exibição e discussão maciça da Nouvelle Vague soterrou o reconhecimento que o cineasta acha merecido. Sempre que pode, ele, que até Oscar venceu, reclama que tem muito mais talento do que aceitam admitir as más línguas.
O crítico André Setaro, no fim do ano passado, ao publicar um maravilhoso pequeno perfil do cineasta, ainda considerou que há um desrespeito da crítica. “Há, por parte da crítica, uma total indiferença diante dos filmes de Claude Lelouch, um certo preconceito em relação a este brilhante realizador do cinema francês (...). Talvez a explicação para a marginalização do autor de Um homem, uma mulher esteja no fato dele falar mal da nouvelle vague e, apesar do seu público fiel, a chamada intelligentzia o colocou no índex”.
Grosso modo, o cineasta vive às turras com a crítica: ele a acusa de ter apenas a nouvelle vague como farol do grande cinema, enquanto ela acusa Lelouch de fazer cinema “fru-fru”. Tirando o ti-ti-ti, Lelouch é o diretor de Um Homem, Uma Mulher (Oscar de Filme Estrangeiro e Palma de Ouro em Cannes), Viver por Viver (de 1967, muito interessante e no mesmo nível do filme que deu estatueta a ele), A Nós Dois e, mais recentemente, Amantes & Infiéis e Crimes de Autor.
Se depois de cinquenta anos de carreira, ainda não está claro para os fãs do cineasta suas motivações cinematográficas ou o por quê da insistência em filmar histórias de amor, Esses Amores dá a resposta: para Lelouch, só o amor pode salvar a humanidade. Por isso que, desde o começo da década de 1960, seja num curta alucinante como C'était un rendez-vous ou no longa mais famoso dele, tudo é sobre o amor.
Para ele, trata-se do único sentimento capaz de limpar toda a sujeira inerente à humanidade, a ferramenta primordial para superar traumas e construir pontes.
O que um cineasta que escolheu o seu grande tema e já o abordou de diversas maneiras – narrativa poética como Um Homem, Uma Mulher ao suspense de Crimes de Autor – ainda pode querer do cinema após Esses Amores? Após atravessar a história do Século XX, colocar nas entrelinhas suas motivações artísticas e escrever a história de uma personagem cujo amor incondicional a levou do céu ao inferno pode querer do cinema?
Esses Amores não é o melhor filme de Lelouch, mas é seu definitivo. Seu testamento.
Em tempo: leia neste link a íntegra do perfil de Claude Lelouch escrito por André Setaro.
Em tempo2: em 2009, o crítico Sérgio Alpendre acompanhou a passagem de Lelouch pelo Amazonas Film Festival e relatou algumas das alfinetadas do cineasta.
Assista ao trailer do longa-metragem:
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Sean Penn e Brad Pitt: a maldição de Terrence Malick
Ganhar Cannes com dois atores muito populares (Brad Pitt e Sean Penn) é uma faca de dois gumes para o filme de Terrence Malick. O lado bom é a visibilidade excessiva para A Árvore da Vida. O lado ruim é a mesma visibilidade excessiva.
Se não fosse a Palma de Ouro e a dupla de atores, o filme ficaria restrito ao círculo de cinéfilos que já conhece os outros quatro longas de Malick, a um público interessado pela pretensão filosófica e metafísica do filme ou a leitores que acompanharam críticas favoráveis e decidiram dar uma chance ao introvertido cineasta texano. Porém, a visibilidade excessiva tem criado, ao menos em São Paulo, uma onda de “cidadãos indignados” que se sentiram traídos por seus dois atores-fetiche.
Comentários no Twitter, Facebook, blogs ou em críticas deixam transparecer, nas entrelinhas, a sensação de “comprei gato por lebre”. Esperavam um “filme de arte” como O Curioso Caso de Benjamin Button ou Milk – A Voz da Igualdade e levaram uma tijolada na cabeça que obriga ao espectador a articular pensamentos para defender uma opinião de qualidade.
As reações animalescas ao filme e aos críticos que o defendem (me incluo no grupo) são sintoma do que o crítico de cinema Inácio Araújo já apontara: não temos leitores de cinema, mas consumidores. Nada contra á existência de uma fatia de pessoas que vão às críticas para decidir assistir ou não a um filme.
O problema é encarar a análise de cinema apenas como guia de consumo, posição que permite os comentários arrogantes e ofensivos. Opera-se da seguinte maneira: se eu, espectador, gosto do filme, mas o crítico não, o escriba é um burro; se a operação é inversa, o crítico também é um burro.
Como costuma dizer Julio Bressane, é o reino da mediocridade, da falta de entusiasmo do ser humano em sair do lugar naturalmente mediano que todos nós dividimos e caminhar em direção a algo que não compreendemos. Cada vez mais esse movimento tem parecido um esforço penoso para muita gente.
Por isso, a reação animalesca de leitor/consumidor que se sente traído e roubado por quem apontou méritos em A Árvore da Vida: “O pior filme que vi na minha vida”, “uma merda”, “fiquei feliz quando acabou”, “o diretor se perdeu na história”, “idiota”. Idiota, pois, é quem, no anonimato da internet, xinga em vez de articular, ofende em vez de defender posicionamentos com ideias.
A “maldição” de Terrence Malick é ter dois medalhões no elenco e ter ganho uma Palma de Ouro. Com isso, será metralhado por espectadores/consumidores que se sentiram traído por seus atores terem embarcado num projeto “sem pé nem cabeça”, “uma viagem”.
Se não fosse a Palma de Ouro e a dupla de atores, o filme ficaria restrito ao círculo de cinéfilos que já conhece os outros quatro longas de Malick, a um público interessado pela pretensão filosófica e metafísica do filme ou a leitores que acompanharam críticas favoráveis e decidiram dar uma chance ao introvertido cineasta texano. Porém, a visibilidade excessiva tem criado, ao menos em São Paulo, uma onda de “cidadãos indignados” que se sentiram traídos por seus dois atores-fetiche.
Comentários no Twitter, Facebook, blogs ou em críticas deixam transparecer, nas entrelinhas, a sensação de “comprei gato por lebre”. Esperavam um “filme de arte” como O Curioso Caso de Benjamin Button ou Milk – A Voz da Igualdade e levaram uma tijolada na cabeça que obriga ao espectador a articular pensamentos para defender uma opinião de qualidade.
As reações animalescas ao filme e aos críticos que o defendem (me incluo no grupo) são sintoma do que o crítico de cinema Inácio Araújo já apontara: não temos leitores de cinema, mas consumidores. Nada contra á existência de uma fatia de pessoas que vão às críticas para decidir assistir ou não a um filme.
O problema é encarar a análise de cinema apenas como guia de consumo, posição que permite os comentários arrogantes e ofensivos. Opera-se da seguinte maneira: se eu, espectador, gosto do filme, mas o crítico não, o escriba é um burro; se a operação é inversa, o crítico também é um burro.
Como costuma dizer Julio Bressane, é o reino da mediocridade, da falta de entusiasmo do ser humano em sair do lugar naturalmente mediano que todos nós dividimos e caminhar em direção a algo que não compreendemos. Cada vez mais esse movimento tem parecido um esforço penoso para muita gente.
Por isso, a reação animalesca de leitor/consumidor que se sente traído e roubado por quem apontou méritos em A Árvore da Vida: “O pior filme que vi na minha vida”, “uma merda”, “fiquei feliz quando acabou”, “o diretor se perdeu na história”, “idiota”. Idiota, pois, é quem, no anonimato da internet, xinga em vez de articular, ofende em vez de defender posicionamentos com ideias.
A “maldição” de Terrence Malick é ter dois medalhões no elenco e ter ganho uma Palma de Ouro. Com isso, será metralhado por espectadores/consumidores que se sentiram traído por seus atores terem embarcado num projeto “sem pé nem cabeça”, “uma viagem”.
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
A Árvore da Vida: dia especial para o cinema
Hoje, sexta-feira, 12 de agosto, é um dia especial para o cinema. Trata-se da data de estreia de A Árvore da Vida, de Terrence Malick. Como já indiquei na crítica para o Cineclick, considero um grande filme, mas que poderia ser uma obra-prima -- digo isso, claro, sem ter feito uma delicada revisão, a qual pode destruir todas as certas do início desta sentença.
Mas não é especial porque eu gostou ou deixo de gostar. A razão é simples: vemos chegar aos cinemas um filme de imensas pretensões tanto na narrativa cinematográfica quando na inquietação do discurso: por que estamos vivos?
Especial por ser muito raro, para quem trabalha no exercício diário da crítica de cinema, ter um filme-tijolo (no bom sentido) como esse. Pois 90% do que assistimos vai embora no xixi logo após a exibição, 9% permanece até o fim do mês e 1% resiste na cabeça com o passar dos anos.
A Árvore da Vida tem todo potencial de permanecer em nós e se revelar maior a cada revisão. Poucos são os filmes do nosso cotidiano que possibilitam receber grandes textos com premissas completamente diferentes como ele tem recebido aqui no Brasil.
Até agora, meados de agosto, coloco a mais recente invenção de Malick ao lado de Cópia Fiel e Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas como os grandes filmes de 2011.
Olhando para o que deve estrear até o fim do ano, acho bem difícil algum chegar perto da tríade. Vejo potencial em três brasileiros como bons filmes (com "b" maiúsculo), mas um pouco abaixo dos de Malick, Kiarostami e Apichatpong: Febre do Rato, Trabalhar Cansa e O Palhaço.
A ver.
Mas não é especial porque eu gostou ou deixo de gostar. A razão é simples: vemos chegar aos cinemas um filme de imensas pretensões tanto na narrativa cinematográfica quando na inquietação do discurso: por que estamos vivos?
Especial por ser muito raro, para quem trabalha no exercício diário da crítica de cinema, ter um filme-tijolo (no bom sentido) como esse. Pois 90% do que assistimos vai embora no xixi logo após a exibição, 9% permanece até o fim do mês e 1% resiste na cabeça com o passar dos anos.
A Árvore da Vida tem todo potencial de permanecer em nós e se revelar maior a cada revisão. Poucos são os filmes do nosso cotidiano que possibilitam receber grandes textos com premissas completamente diferentes como ele tem recebido aqui no Brasil.
Até agora, meados de agosto, coloco a mais recente invenção de Malick ao lado de Cópia Fiel e Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas como os grandes filmes de 2011.
Olhando para o que deve estrear até o fim do ano, acho bem difícil algum chegar perto da tríade. Vejo potencial em três brasileiros como bons filmes (com "b" maiúsculo), mas um pouco abaixo dos de Malick, Kiarostami e Apichatpong: Febre do Rato, Trabalhar Cansa e O Palhaço.
A ver.
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
Cinema Pernambucano: a tapioca
Leio relato de amigos da crítica sobre a passagem de O País do Desejo no Festival de Gramado. Nenhuma opinião empolgada, até o momento, com o terceiro filme de ficção de Paulo Caldas (Baile Perfumado e Deserto Feliz). Uma pena, pois certamente nele são depositadas muitas das esperanças da qualidade cinematográfica da edição deste ano do festival.
Em dois textos diferentes – um do amigo de Cineclick Roberto Guerra, outro do pernambucano e amigo de crítica Luiz Joaquim no Cinema Escrito –, o realizador reclama de uma suposta pré-indisposição contra o cinema produzido em Pernambuco que não lide abertamente com tema social.
Diz ele: “Todos nós cineastas pernambucanos estamos fugindo desse clichê que é o 'cinema pernambucano'. Você se sente às vezes uma tapioca, e nós não somos tapioca. Parece que nós não podemos tratar de outro assunto que não o social. É como se cineasta pernambucano não pudesse falar de gente rica porque Pernambuco é pobre”.
Talvez Caldas esteja falando, nas entrelinhas, mais sobre uma cobrança para que seu cinema permaneça na mesma freqüência (drama social) do que em relação ao “cinema pernambucano”.
Ouvi o mesmo termo durante o processo de pesquisa para Cinema Pernambucano: Visão Panorâmica de Uma Geração, no qual este que vos escreve imprimiu um olhar en passant sobre cinco realizadores envolvidos com o ressurgimento da produção daquele estado: Claudio Assis, Hilton Lacerda, Lírio Ferreira, Marcelo Gomes e Paulo Caldas. Foi justamente Gomes que usou a tapioca como metáfora para encaixar esses e outros cineastas no mesmo balaio.
Discordo de ambos. A pressão para uma “repetição” ou a cobrança por uma suposta coerência temática pode existir entre os próprios realizadores, mas não enxergo isso na crítica. Desde Baile Perfumado, que interrompeu um hiato de 20 anos de Pernambuco sem um longa-metragem, a produção se diversificou. Os realizadores que hoje estão na casa dos 40 anos assistiram a chegada de outro geração, hoje trintona, fazendo um dos cinemas mais vibrantes do país.
Não vi a crítica cobrando deles uma postura social de cinema. Alguns exemplos: Mens Sana in Corpore Sano é um grande curta que envereda para o gênero filme de zumbi ao fazer uma crítica à estética da perfeição corporal; Pacific vai à classe média ascendente para discutir como esse grupo se enxerga na imagem; Febre do Rato, grande ganhador em Paulínia, apresenta um lugar de resistência que tem na poesia o principal combustível.
Creio que não deixamos de gostar mais de Superbarroco porque ele não lidou com a pobreza de Pernambuco da mesma maneira que Árido Movie. Ou de Recife Frio porque a violência não tem tanta importância como em Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas.
A variedade de abordagens e a potência cinematográfica dos filmes pernambucanos recentes, longas ou curtas, já tiraram há muito a obrigação da referida cinematografia em se restringir a abordagens sociais.
Em dois textos diferentes – um do amigo de Cineclick Roberto Guerra, outro do pernambucano e amigo de crítica Luiz Joaquim no Cinema Escrito –, o realizador reclama de uma suposta pré-indisposição contra o cinema produzido em Pernambuco que não lide abertamente com tema social.
Diz ele: “Todos nós cineastas pernambucanos estamos fugindo desse clichê que é o 'cinema pernambucano'. Você se sente às vezes uma tapioca, e nós não somos tapioca. Parece que nós não podemos tratar de outro assunto que não o social. É como se cineasta pernambucano não pudesse falar de gente rica porque Pernambuco é pobre”.
Talvez Caldas esteja falando, nas entrelinhas, mais sobre uma cobrança para que seu cinema permaneça na mesma freqüência (drama social) do que em relação ao “cinema pernambucano”.
Ouvi o mesmo termo durante o processo de pesquisa para Cinema Pernambucano: Visão Panorâmica de Uma Geração, no qual este que vos escreve imprimiu um olhar en passant sobre cinco realizadores envolvidos com o ressurgimento da produção daquele estado: Claudio Assis, Hilton Lacerda, Lírio Ferreira, Marcelo Gomes e Paulo Caldas. Foi justamente Gomes que usou a tapioca como metáfora para encaixar esses e outros cineastas no mesmo balaio.
Discordo de ambos. A pressão para uma “repetição” ou a cobrança por uma suposta coerência temática pode existir entre os próprios realizadores, mas não enxergo isso na crítica. Desde Baile Perfumado, que interrompeu um hiato de 20 anos de Pernambuco sem um longa-metragem, a produção se diversificou. Os realizadores que hoje estão na casa dos 40 anos assistiram a chegada de outro geração, hoje trintona, fazendo um dos cinemas mais vibrantes do país.
Não vi a crítica cobrando deles uma postura social de cinema. Alguns exemplos: Mens Sana in Corpore Sano é um grande curta que envereda para o gênero filme de zumbi ao fazer uma crítica à estética da perfeição corporal; Pacific vai à classe média ascendente para discutir como esse grupo se enxerga na imagem; Febre do Rato, grande ganhador em Paulínia, apresenta um lugar de resistência que tem na poesia o principal combustível.
Creio que não deixamos de gostar mais de Superbarroco porque ele não lidou com a pobreza de Pernambuco da mesma maneira que Árido Movie. Ou de Recife Frio porque a violência não tem tanta importância como em Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas.
A variedade de abordagens e a potência cinematográfica dos filmes pernambucanos recentes, longas ou curtas, já tiraram há muito a obrigação da referida cinematografia em se restringir a abordagens sociais.
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
Philip Seymour-Hoffman em filme-aprendizado
Jack Goes Boating, que no circuito brasileiro estreou como Vejo Você no Próximo Verão, me passaria despercebido se não fosse pela insistência de dois amigos que sempre trazem coisas boas sobre cinema, Filippo Cecílio e Julio Delmanto. Depois de ambos me catequizarem, em momentos distintos e sem orquestrarem a iniciativa, para dar uma chance ao primeiro longa de Philip Seymour-Hoffman como diretor, peguei o filme pela rabeira, já quase saindo de cartaz.
Muito bom, por sinal. Se não uma grande direção, ao menos um fino tato para estender as cenas na intensidade certa, deixando escapar a volúpia, o descontrole e as imperfeições de seus personagens. Digo que Vejo Você no Próximo verão passaria despercebido por conta do meu cansaço com o que se entende por “cinema independente americano”, aqueles filmes de baixo orçamento que fogem do esquema massivo de produção, mas não de sua estética.
Nessa linha vão Once, os filmes do Jason Reitman (especialmente Juno), Pequena Miss Sunshine e outros filmes que, ao terminarem, deixam a sensação de “história fofinha”. Filmes que, com o tempo, aproximam-se da nulidade, “saem no xixi”, como diz um colega de crítica que, por discrição, não revelarei a identidade. Por sorte, o filme de Seymor Hofman é bem mais duro, verdadeiro, mesmo que isso não signifique menor ternura ou alegria.
Quando parece que vai assumir os cacoetes desse “cinema independente americano” (obviamente estou exagerando na generalização, mas quem disse que estereótipos não têm um pé na realidade?), o filme escapa, desenvolvendo algumas cenas com aquela verdade que nos deixa embasbacado.
Interessantes na mesma medida são os comentários sutis sobre os Estados Unidos que consomem fortunas em roupas de grife e os que observam. Marginais minimamente alinhados com o mundo do consumo, mas comendo produtos de terceira linha: enquanto os chefes se deliciam com lombo defumado, eles se contentam em comer pão com apresuntado. No caso do filme, motoristas de limusine, entre eles Jack e Clyde, e duas secretárias, Connie e Lucy.
Mas não se enganem, pois não se trata de personagens que não são só tipos para demonstrações sociais de filmes-tese, mas que amam também. Amam e não sabem muito bem o que fazer com esse amor, especialmente numa Nova York friorenta, sob neve. O jeito é “fumar um” e fazer alguma coisa até que o próximo verão chegue e novas portas se abram
Como é comum a filmes com atores/autores na direção, as interpretações são interessantes, comentário que não se restringe ao protagonista que vai passear de barco, mas aos três amigos que sustentam o filme: John Ortiz, Amy Ryan e Daphne Rubin Vega.
Sem estender o breve comentário, Vejo Você no Próximo Verão é, mas não é, cinema independente americano. Só vendo o filme para entender.
Muito bom, por sinal. Se não uma grande direção, ao menos um fino tato para estender as cenas na intensidade certa, deixando escapar a volúpia, o descontrole e as imperfeições de seus personagens. Digo que Vejo Você no Próximo verão passaria despercebido por conta do meu cansaço com o que se entende por “cinema independente americano”, aqueles filmes de baixo orçamento que fogem do esquema massivo de produção, mas não de sua estética.
Nessa linha vão Once, os filmes do Jason Reitman (especialmente Juno), Pequena Miss Sunshine e outros filmes que, ao terminarem, deixam a sensação de “história fofinha”. Filmes que, com o tempo, aproximam-se da nulidade, “saem no xixi”, como diz um colega de crítica que, por discrição, não revelarei a identidade. Por sorte, o filme de Seymor Hofman é bem mais duro, verdadeiro, mesmo que isso não signifique menor ternura ou alegria.
Quando parece que vai assumir os cacoetes desse “cinema independente americano” (obviamente estou exagerando na generalização, mas quem disse que estereótipos não têm um pé na realidade?), o filme escapa, desenvolvendo algumas cenas com aquela verdade que nos deixa embasbacado.
Interessantes na mesma medida são os comentários sutis sobre os Estados Unidos que consomem fortunas em roupas de grife e os que observam. Marginais minimamente alinhados com o mundo do consumo, mas comendo produtos de terceira linha: enquanto os chefes se deliciam com lombo defumado, eles se contentam em comer pão com apresuntado. No caso do filme, motoristas de limusine, entre eles Jack e Clyde, e duas secretárias, Connie e Lucy.
Mas não se enganem, pois não se trata de personagens que não são só tipos para demonstrações sociais de filmes-tese, mas que amam também. Amam e não sabem muito bem o que fazer com esse amor, especialmente numa Nova York friorenta, sob neve. O jeito é “fumar um” e fazer alguma coisa até que o próximo verão chegue e novas portas se abram
Como é comum a filmes com atores/autores na direção, as interpretações são interessantes, comentário que não se restringe ao protagonista que vai passear de barco, mas aos três amigos que sustentam o filme: John Ortiz, Amy Ryan e Daphne Rubin Vega.
Sem estender o breve comentário, Vejo Você no Próximo Verão é, mas não é, cinema independente americano. Só vendo o filme para entender.
No Brasil, Catherine Deneuve nega imagem de ícone
Carheine Deneuve em cena de Potiche - Esposa Troféu |
Um ícone pedindo para ser comum. Catherine Deneuve, nome fundamental para qualquer espectador próximo ao cinema francês produzido desde os anos 1960, tornou-se uma musa já nos primeiros trabalhos com Buñuel, Jacques Demy e Roman Polanski. Agora, aos 67 anos, 54 deles como atriz e se dedicando cada vez mais a cineastas jovens, Deneuve quer negar a marca de ícone inalcançável.
“Ícone é uma palavra perigosa, representa uma idealização e é pesado carregar”, afirmou a atriz nesta quarta-feira (8/6) à imprensa em São Paulo. Deneuve está no Brasil para divulgar Potiche – Esposa Troféu, filme de François Ozon que integra a programação do Festival Varilux – que acontece em 20 cidades – e com data de estreia para 17 de junho.
Em seus trabalhos mais recentes, como 8 Mulheres, Diário Perdido e Um Conto de Natal, a atriz francesa tem interpretado mulheres comuns, do cotidiano, longe do glamour construído em torno de Deneuve, especialmente nos anos 1960 e 70, quando foi dirigida por Buñuel (A Bela da Tarde), Jacques Demy (Pele de Asno), Jean Aurel (Manon 70), Polanski (Repulsa ao Sexo), entre outros.
Continue lendo a entrevista com Catherine Deneuve no Cineclick.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Dia do Orgulho Hétero: o fascismo nos ameaça
O Urso de Lata é um blog de cinema, mas que não se furta de comentar os absurdos que aparentemente não têm nada a ver com filmes. O absurdo da vez é a aprovação na Câmara de Vereadores da Cidade de São Paulo de um projeto para instituir o Dia do Orgulho Heterossexual, aparente contraponto ao Orgulho Gay.
Vamos colocar uns pingos nos is que parecem ter se perdido no caminho: por que existe o Dia do Orgulho Gay? Por que os homossexuais, assim como outras “minorias”, são historicamente discriminados, não desfrutam de legislação que os coloque no mesmo patamar de cidadania que outros grupos sociais (só para lembrar que a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo só foi aprovada há três meses – pelo Judiciário). A criação de um dia para celebrar o Orgulho Gay é apenas uma afirmação política de um grupo cujo grau de exclusão social tem diminuído ao longo dos anos, uma maneira de dizer: estamos aqui e temos de ser respeitados como qualquer outra pessoa.
Qual seria, então, o fundamento do Dia do Orgulho Heterossexual? Qual é a opressão que eles sofrem? Os héteros tiveram seu ingresso no Exército Proibido numa política semelhante ao “Don't ask, Don't Tell”? Não! Por conta de sua condição sexual, foram assassinados ou mandados para campos de concentração durante regimes ditatoriais? Não! Tem um romance proibido de ser abordado em uma novela de horário nobre justamente por sua sexualidade?
Ou seja, não há fundamento algum para a criação de um Dia do Orgulho Heterossexual, pois nunca lhe foram roubados direitos por sua sexualidade ou tratados como distorção. Em todas as frentes políticas, culturais, econômicas e sociais, sempre se reforçou a heterossexualidade como o padrão: héteros nunca precisaram incluir-se, ao passo que os homossexuais sim.
Uma lei como essa só representa o desejo dos conservadores que querem retomar o privilégio de oprimir minorias. É uma ilustração da frustração dos fascistas de não poderem mais apontar o dedo para um gay afetado na rua e gritar “viado” sem ter alguma consequência, moral ou legal. É uma frustração com o fim da barbárie e com a construção gradativa de respeito com todos os grupos sociais.
Autor do projeto, Carlos Apolinário (DEM, o ex-PFL, partido intrínseco à ditadura que agora se autodenomina “Democratas”), justifica-se da seguinte maneira: “a criação do Dia do Hétero não simboliza uma luta contra a figura humana dos gays, e sim contra aquilo que considero que são excessos e privilégios”.
Ele deve estar falando do privilégio de ser respeitado, né? Um privilégio pelo qual os héteros nunca tiveram de lutar em assuntos concernentes à sua sexualidade.
Para piorar, Apolinário solta a pérola “meu cabeleireiro é homossexual”. Olha como o vereador é democrata! Ser cabeleireiro, maquiador sidekick em novelas pode. Agora, esse papo de querer constituir uma família normal como as outras, tornar-se político, executivo de grandes empresas ou simplesmente exigir respeito, não.
Enfim, esse projeto é um sofisma, indicação clara do reino da mediocridade.
Voltemos a falar de cinema no próximo post.
Vamos colocar uns pingos nos is que parecem ter se perdido no caminho: por que existe o Dia do Orgulho Gay? Por que os homossexuais, assim como outras “minorias”, são historicamente discriminados, não desfrutam de legislação que os coloque no mesmo patamar de cidadania que outros grupos sociais (só para lembrar que a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo só foi aprovada há três meses – pelo Judiciário). A criação de um dia para celebrar o Orgulho Gay é apenas uma afirmação política de um grupo cujo grau de exclusão social tem diminuído ao longo dos anos, uma maneira de dizer: estamos aqui e temos de ser respeitados como qualquer outra pessoa.
Qual seria, então, o fundamento do Dia do Orgulho Heterossexual? Qual é a opressão que eles sofrem? Os héteros tiveram seu ingresso no Exército Proibido numa política semelhante ao “Don't ask, Don't Tell”? Não! Por conta de sua condição sexual, foram assassinados ou mandados para campos de concentração durante regimes ditatoriais? Não! Tem um romance proibido de ser abordado em uma novela de horário nobre justamente por sua sexualidade?
Ou seja, não há fundamento algum para a criação de um Dia do Orgulho Heterossexual, pois nunca lhe foram roubados direitos por sua sexualidade ou tratados como distorção. Em todas as frentes políticas, culturais, econômicas e sociais, sempre se reforçou a heterossexualidade como o padrão: héteros nunca precisaram incluir-se, ao passo que os homossexuais sim.
Uma lei como essa só representa o desejo dos conservadores que querem retomar o privilégio de oprimir minorias. É uma ilustração da frustração dos fascistas de não poderem mais apontar o dedo para um gay afetado na rua e gritar “viado” sem ter alguma consequência, moral ou legal. É uma frustração com o fim da barbárie e com a construção gradativa de respeito com todos os grupos sociais.
Autor do projeto, Carlos Apolinário (DEM, o ex-PFL, partido intrínseco à ditadura que agora se autodenomina “Democratas”), justifica-se da seguinte maneira: “a criação do Dia do Hétero não simboliza uma luta contra a figura humana dos gays, e sim contra aquilo que considero que são excessos e privilégios”.
Ele deve estar falando do privilégio de ser respeitado, né? Um privilégio pelo qual os héteros nunca tiveram de lutar em assuntos concernentes à sua sexualidade.
Para piorar, Apolinário solta a pérola “meu cabeleireiro é homossexual”. Olha como o vereador é democrata! Ser cabeleireiro, maquiador sidekick em novelas pode. Agora, esse papo de querer constituir uma família normal como as outras, tornar-se político, executivo de grandes empresas ou simplesmente exigir respeito, não.
Enfim, esse projeto é um sofisma, indicação clara do reino da mediocridade.
Voltemos a falar de cinema no próximo post.
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