sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Triângulo Amoroso - Crítica

Finalmente Tom Tykwer, o realizador alemão que se mostrou para o mundo em 1998 com Corra, Lola, Corra, volta a fazer um filme interessante. Antes de comentar o que é bom ou ruim no filme, Triângulo Amoroso (3/Drei), lançado nesta sexta-feira (30/12) em São Paulo exclusivamente no CineSesc, pede que tenha sua atenção chamada por ser instigante.

Não há muito o que esconder do enredo já que o próprio título não faz questão de ser discreto quanto à trama. Um típico exemplo da quadrilha drummoniana ou da versão de Chico Buarque em Flor da Idade. Porém, em vez de Carlos, temos Simon; Dora é Hanna; Paulo é Adam.

No mínimo corajoso, num cenário careta do cinema, inverter o mito de Tristão e Isolda para um triângulo amoroso fechado nele mesmo. O elemento externo que entra na vida do casal torna-se corpo orgânico deles, tão orgânico que dá um nó nos próprios personagens. Não são mais os dois homens divididos pelo amor de uma mulher como em Cidade Baixa, mas três pessoas que amam umas às outras.

Corajoso, sim, mas também conciliador. Para justificar o mergulho amoral de seus personagens num amor inédito para eles, Tykwer cria uma trama de aprendizado. Aos 40 e tantos anos, Simon, Hanna e Adam aprendem algo a mais na vida. O primeiro descobre o desejo também por um homem; ela redescobre o prazer do sexo; o terceiro se lembra como é bom amar verdadeiramente.



Tykwer oferece explicações quase que didáticas para seus personagens. Desnecessárias por vezes, penso eu, mas quiçá foi o jeito encontrado para fazer o filme chegar ao seu público e sobreviver com a força do boca a boca.

Assim como busca a conciliação – prefiro a radicalização, mas entendo e respeito a opção de Tykwer –, Triângulo Amoroso também faz algumas escolhas certas. Em geral, perceptíveis no tom do filme e no destino do trio. Em vez de adotar a postura do julgamento e condenação moral, ele decide andar junto e pisar a mesma areia de seus personagens, respeitando suas motivações e verdades.

Há outro detalhe do filme que me sinto obrigado a ressaltar: o ritmo. Em Triângulo Amoroso, talvez nem fosse preciso ler os créditos para descobrir quem dirigiu o filme. Há nele uma composição de ritmo dinâmica, mas não frenética, de divisão múltipla da tela para dar conta de vários acontecimentos ao mesmo tempo. Tykwer voltou a trabalhar com Mathilde Bonnefoy, montadora de todos os seus filmes, exceto Perfume – A História de um Assassino. Que bom!

Fico feliz também que, às vésperas do ano novo, a sala de 300 lugares do CineSesc estivesse ocupada e com fila já para a próxima sessão. Triângulo Amoroso não é um exemplo de ruptura rumo a outra ordem comportamental, mas não deixa de fazer dois ou três bem-vindos questionamentos sobre o estado das coisas.

Ficha técnica

Triângulo Amoroso (3/Drei), 2010
Avaliação: 3,5 de 5
Direção: Tom Tykwer
Distribuição: Lume Filmes
Estúdio: X-Filme Creative Pool
Veja aqui os horários da exibição no cinema

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Melhores Filmes do Ano


Chega o fim de ano e pipocam as listas com os melhores filmes de 2011. O editor deste Urso de Lata oferece uma contribuição com três relações diferentes - Longas Nacionais, Longas Estrangeiros e Curtas-metragens.

Aí vão os Top 10 com breves justificativas. Nunca é demais lembrar que, no caso de longas, entram na lista apenas os filmes que estrearam no circuito – produções exibidas apenas em festivais ficam de fora.

No caso dos curtas-metragens, o critério é diferente, já que não existe um circuito comercial exibidor sólido para o formato. Assim sendo, entram os filmes projetados em festivais e se tornam elegíveis os que assisti no ano corrente.

O Urso de Lata gostaria de ressaltar também a importância do projeto Sessão Vitrine para a criação de uma janela de exibição para filmes independentes brasileiros. Graças a ela, foi possível que o público assistisse a alguns dos longas que constituem a lista deste blog de melhores do ano.

Fim do blá blá blá. Às listas:

Filme do Ano
A Árvore da Vida, de Terrence Malick


Top 10 – Melhores Nacionais

Os Monstros
Dos mesmos diretores de Estrada Para Ythaca. A diferença é que eles reduziram a gana por citações explícitas e acreditaram mais no próprio filme. O resultado está nas cenas eletrizantes e poéticas.
Leia a crítica

Trabalhar Cansa
Filme de gênero muito particular na cinematografia brasileira e uma estreia corajosa de uma dupla bem sucedida no curta-metragem, Juliana Rojas e Marco Dutra.
Leia a crítica

Estrada para Ythaca
Grande exemplar do cinema etílico, essa história de amigos faz do possível um belo filme sobre luto, amizade e cinema.
Leia a crítica

Riscado
Filme de aparente superficialidade mas cheio de camadas aguardando o espectador penetrá-las.
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Assim é, Se lhe Parece
A diretor Carla Gallo mostra que apenas com as ferramentas do cinema – uso criativo do som e da montagem – é possível construir um retrato documental que foge do óbvio.
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Diário de Uma Busca
Íntimo, mas não egoico, acha as saídas certas entre o pai idealizado e o homem que está na História.
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O Palhaço
Com uma encenação interessante, Selton Mello encontra uma possível via do cinema que se pretende inteligível, mas não subestima o espectador.
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Transeunte
Mesmo se alongando um pouco na parte final, o filme é puro cinema.
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Pacific
Um documentário que, com muito pouco – imagens amadoras de um cruzeiro –, consegue questionar a realização cinematográfica.
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Bróder
Obrigatório de ser assistido, o filme de Jeferson De toca com bem-vinda agressividade na questão racial – pena que o longa tem problemas de ritmo.
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Top 10 – Melhores Internacionais

A Árvore da Vida
A experiência mais marcante que tive no cinema neste ano
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Cópia Fiel
Por trás da aparente simplicidade – história do casal de meia idade – está um filme complexo em que não se sabe onde começa, onde está o meio e onde termina.
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Tio Boonmee, que Pode Recordar suas Vidas Passadas
Apichatpong nos proporciona um filme-colírio, inesperado, imprevisível, de química muito distante dos componentes aos quais estamos acostumados.
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Singularidades de uma Rapariga Loura
Filme menor de Manoel de Oliveira, é verdade, mas nosso grande velhinho tem uma noção absurda de encenação.
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Isto Não é Um Filme
Impedido de filmar, Jafar Panahí faz... um filme!
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O Mágico
Música e gags para um personagem inspirado no Monsieur Hulot de Jacques Tati. A melancolia da passagem dos anos.
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O Vencedor
Muito subestimado, esse filme de David O Russell é porrada!
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Potiche – Esposa Troféu
François Ozon obviamente não é um Jacques Demy, mas sua brincadeira cinematográfica me fez lembrar do mestre: Deneuve cantando na cozinha me jogou para Pele de Asno.
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Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres
Animação e licença poética, ótima combinação para reverenciar e entrar no universo de Serge e seu alter-ego, Gainsbarre.
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Meia-noite em Paris
Woody Allen se recupera do apático filme anterior e nos dá um filme-homenagem em que até Owen Wilson está bem!
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Top 10 – Melhores Curtas-metragens

Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira
Comentário político-poético-musical sobre a cidade que se torna cada vez mais burguesa.
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Mens Sana in Corpore Sano, de Juliano Dorneles
Um filme de mutação genética que é político em sua crítica! Grande salada de gêneros!
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Tela, de Carlos Nader
O cinema que questiona a si próprio e ao espectador.

Oma, de Michael Wahrmann
Transporta toda a melancolia do assunto para o tratamento estético.

Ovos de Dinossauro na Sala de Estar, de Rafael Urban
O documentário parece ilimitado nas suas abordagens e este curta mostra isso.

Calma Monga, Calma!, de Petrônio de Lorena
Cinema cômico-popular-policial com muito vigor e humor.

Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo, de Rodrigo John
Animação fofinha que nada!

Zeit to the Geist, de Diogo Faggiano
Uma colocação diferente do que costumamos entender por cinema político.
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Uma Primavera, de Gabriela Amaral de Almeida
Cinema bem feito e bem dirigido para um tema comum: tornar-se adulto.

Pra eu Dormir Tranquilo, de Juliana Rojas
Nova ida ao cinema de horror para falar do cotidiano.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Indicados ao Globo de Ouro (e férias)

O editor do Urso de Lata justifica a falta de atualização durante a semana: férias! (apesar de a parafernália digital não nos permitir alienação total).

Com isso, as atualizações deverão acontecer só no finalzinho do ano com a lista dos Melhores de 2011 (longas e curtas). Antes do descanso, porém, alguns brevíssimos comentários , restritos às categorias de cinema, sobre os indicados ao Globo de Ouro, anunciados na quinta-feira (15):

-- Interessante a entrada de Hugo como postulante a Melhor Filme - Drama. É a primeira incursão de Scorsese no 3D, o que tem gerado muitas expectativas.

-- Ficaram de fora J. Edgar e Drive. Uma pena, especialmente pelo segundo, mas não me surpreendeu. O que não esperava era Millenium - O Homem que Não Amava as Mulheres, adaptação de David Fincher para os livros do sueco Stieg Larsson, ficasse de fora da categoria principal.

-- Filme muito bom, mas pequeno, é sempre a mesma coisa: indicações isoladas. Desta vez foram Precisamos Falar Sobre Kevin, lembrado apenas pela atuação de Tilda Swinton, e Toda Forma de Amor (Beginners), que deu indicação a Christopher Plummer.

-- The Artist, o filme que celebra um passado que não volta -- os anos 20 no cinema --, recebeu cinco indicações. Ainda não assisti ao longa, mas tenho dúvidas quanto ao tom de homenagem a um cinema mais artesanal. Me parece que, além de jogar louros nele, é preciso denfendê-lo no presente, caso realmente se acredite nele. Mas ainda não vi o filme, então melhor ficar quieto.

-- A categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira me parece a mais cheia de buracos neste ano. Dos cinco indicados, assisti a três: A Pele que Habito (Almodóvar), A Separação (Jodái-e Náder az Simin, que foi Urso de Ouro no Festival de Berlim, e O Garoto da Bicicleta (Irmãos Dardenne). Acho o Almodóvar muito fraco, o representante iraniano bom e o filme dos fratelli belgas médio.

Falta assistir aos outros dois indicados: In the Land of Blood and Honey, longa que Angelina Jolie dirigiu na Bósnia, e As Flores da Guerra, de Zang Yimou (cujo recente A Árvore do Amor é mediano). Deixar de fora o filmaço Era uma Vez na Anatólia, de Nuri Bilge Ceilan, que a crítica premiou na Mostra SP, é um baita equívoco. Attenberg (Grécia) e Respirar (Atmen, Áustria) também são ótimos filmes que, para mim, poderiam substituir facilmente um Almodóvar ou um Dardenne -- que já fizeram filmes bem melhores que os indicados.

-- Muito bem vinda a lembrança da Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood de indicar Viggo Mortensen como Ator Coadjuvante em Um Método Perigoso, de Cronenberg. O filme não é um dos melhores do diretor, mas o trabalho de atuação de Mortensen, Fassbender e Keira Knightley é muito bom.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Precisamos do cinema de Marina Goldovskaya

Para compreender os protestos deste fim de semana na Rússia contra Vladimir Putin e as fraudes nas eleições do Parlamento, é preciso voltar uma vez mais ao cinema de Marina Goldovskaya, cuja obra foi homenageada em abril de 2011 no É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários.

A câmera de Marina – hoje uma senhora de 70 anos – registrou a transição da União Soviética ao formato atual da Rússia e os países independentes. Enquanto a História era feita, seu cinema estava lá para acompanhar.

Ouvindo sobre as 15 mil pessoas que foram às ruas, após anos de paralisia, para dizer que estavam cansadas – uma “bandeira” da apática classe média russa –, lembro de Um Gosto da Liberdade, filme que Marina fez em 1991 registrando as esperanças e a tensão de quem saiu para protestar ou apoiar logo após o fim do bloco Soviético.

Hoje, o cenário mudou. Não se sabe se os protestos – 5 mil pessoas na segunda-feira (5/12), 15 mil neste sábado (10) – manterão o fôlego como naquele momento acompanhado pelo cinema de Marina. Também não há uma centralização em torno de um partido político ou com bases em movimentos sociais.

A esmagadora maioria da classe média inoperante que desta vez saiu às ruas segue um blogueiro/twitteiro, Alexei Navalny. Mas nem o que o ativista pensa está muito claro: posiciona-se a favor da democracia, contra as repressões de Putin, mas é ultranacionalista – como lembra esta matéria publicada no The New York Times.



É preciso que Marina Goldovskaya faça mais um, e outro, e outro filme para que tenhamos a compreensão se esse momento da Rússia representa mesmo algo especial: que lugar é esse que 15 mil pessoas vão às ruas reclamarem de Putin, figura que goza de mais de 60% de popularidade na Rússia?

Há mesmo o anseio de mudança? O que as mídias sociais podem representar em termos de aglutinação e militância? Qual é a outra via sem Putin? Se os protestos se tornarem maiores, como os defensores dele e a máquina estatal vão reagir?

São questões que precisam muito do cinema de Marina Goldovskaya para serem respondidas.

Em tempo: neste link do blog The Ledge, do The New York Times, é possível acompanhar atualizações constantes dos protestos na Rússia.

Em tempo2: neste link em streaming, veja vídeos dos protestos e das ruas ocupadas.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Táxi Driver, clássico de Scorsese com De Niro, reestreia no Cine Olido


Táxi Driver (1976), clássico de Martin Scorsese que deu a Robert De Niro um dos mais interessantes papeis de sua carreira, reestreia nesta sexta-feira (9/11) exclusivamente no Cine Olido, em São Paulo. A cópia restaurada, previamente exibida no Festival de Berlim e na Mostra de São Paulo, integra o projeto Em Cartaz no Cine Olido – ingressos a R$ 1.

O filme é um dos grandes documentos do mal estar na sociedade norte-americana pós-Guerra do Vietnã (1959-75). Travis Bickle, o protagonista cuja paranoia fica mais intensa nas cores da cópia restaurada a ser exibida no Olido, é um pequeno comentário de um período de incertezas. Reflete também o breve momento em que o modelo de produção de Hollywood, então em crise, deu espaço a uma outra geração que fez filmes radicais dentro do sistema – e por ele foi engolido no fim da década.

Travis não dorme, não tem amigos, família ou companheira. Nas vésperas das eleições presidenciais, desconhece o que significa Republicanos ou Democratas. Veterano de guerra, volta para a vida civil sem a menor compreensão do termo “vida civil”. Desequilibrado, Travis quer “limpar toda a sujeira e o fedor de Nova York”. No seu táxi, encontra toda a sorte de gente: maníacos, maridos traídos, ricaços com prostitutas, políticos...



Taxi Driver é um documento porque registra precisamente o mal estar de uma sociedade. Um momento de incertezas nos Estados Unidos, de seu Exército foi derrotado em Saigon, e do inoperante presidente boa-praça do momento, Jimmy Carter. No filme, vive-se a apreensão das prévias eleitorais – Charles Palantine, o candidato, não deixa de ser uma citação ao bom-mocismo de Carter, que se tornaria presidente em 1977.

Talvez o melhor exemplo do desequilíbrio de Travis esteja na trilha de Bernard Herrmann, o compositor favorito de Hitchcock. A trilha vai do romântico/idílico ao sombrio/soturno num instante. Uma mudança tão brusca como a ajeitada de Travis no retrovisor na sequência final, indicando que depois da calmaria haverá outra tormenta.

Documento de época, sim, mas também atualíssimo, por conseguir ser a representação do desconforto. São nos momentos de insegurança e indefinições que tipos escondidos na gaiola como Travis vêm à superfície. O discurso do maluco de Realengo, que matou doze pessoas em abril dentro de uma escola, é tão confuso quanto a “limpeza” que Travis propõe como a salvação de Nova York.

Taxi Driver é uma obra-prima atemporal, que vai continuar fazendo sentido por muitas outras gerações. Só é difícil alimentar esperanças de que, dentro de Hollywood, surja um filme como esse, que se transforma, no final, numa grande sinfonia da morte e da falta de sentido humano. Os tempos de Nova Hollywood, da geração que arrebentou portas, mas depois foi engolida, se foram.

Serviço

Projeto Em Cartaz no Cine Olido
Reestreia de Táxi Driver
De 09 a 15/12
Sexta, sábado, terça, quarta e quinta-feira às 19h30
Domingo às 17h30
Segunda-feira, dia 12/12, não haverá sessão
Valor do Ingresso: Inteira: R$1 / MEIA-ENTRADA: R$0,50
Compra do ingresso somente na Galeria Olido, de Terça a Domingo das 14h às 21h na semana do filme
Galeria Olido: Avenida São João, 473



Em tempo: leia a íntegra do roteiro escrito por Paul Schrader neste link.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Clint Eastwood e Dirty Harry: um personagem cool?

Existe um movimento comum de fuga do presente e um saudosismo com um passado inocentemente associado à infância ou a uma ilusão de que “quando tudo era bom”. Desse sentimento surgem filmes-homenagens de um tempo que não volta – do qual Super 8, o melhor blockbuster americano do ano, é o principal exemplo. Se fosse só isso, estaríamos bem. Existe mais um desdobramento que considero daninho: uma negação de se posicionar como sujeito na produção contemporânea, em qualquer das artes, e como ela reflete nossos valores.

Porém, contrapor algo bom do passado que, devido ao estado das coisas do presente, será difícil acontecer é um movimento válido justamente para se olhar com perspectiva crítica o hoje. Falo disso para chegar à mostra Clint Eastwood – Clássico e Implacável, que o Centro Cultural Banco do Brasil abriga em São Paulo até 30 de dezembro [programação completa aqui].

No extenso escopo da mostra, cuja curadoria é de Gisella Cardoso, puxo um exemplo de Clint como ator, mas que também seria reverberado no Clint diretor. Falo do investigador Harry Callahan, o Dirty Harry, típico exemplo de justiceiro, na primeira produção da franquia, de 1971, no Brasil lançada como Perseguidor Implacável.

A cultura pop tem o poder de esvaziar o que há de crítica em personagens do cinema. As novas gerações que acompanharam Diry Harry com uma certa distância ou se acostumando a encontrar o policial com sua Magnum 44, cara de malvado, em fotos do Google Image ou estampa de camiseta pode não ter percebido que existe ali um herói dividido, com problemas e consciente de como tudo vai mal.



Perseguidor Implacável não é um filme cool como por vezes é vendido, mas sim pessimista. Duro. Melancólico. Sim, tudo “dá certo” no final, mas o preço que Harry, o justiceiro solitário em sua meio às avessas por justiça, é altíssimo: ele mergulha numa lama que não mais conseguirá sair. É isso o que diz o gesto dele de, após fazer o que devia ser feito, jogar o distintivo de investigador da Polícia de San Francisco no rio.

Num momento do filme, ele conversa com a esposa de seu parceiro de polícia ferido, Chico. Ela o questiona por que não larga a corporação, ao que Harry rseponde “não sei”. Ele pode não saber, mas nós sabemos: Harry já está mais pra lá do que pra cá, o dano já foi feito.

Porém, tenho a sensação de que existe um costume de colocar Dirty Harry e Stallone Cobra no mesmo balaio. Erro fatal. É preciso continuar pontuando que eles não são a mesma coisa, ao menos o Harry Callahan do primeiro filme. Mas a cultura pop esvazia e vende apenas os bordões, sejam um “pede pra sair!” do Capitão Nascimento ou um “Go ahead, make my day” de Harry Callahan.

Esse final de perseguidor implacável é um exemplo do quão especial foi o começo dos anos 1970 em Hollywood. Num momento em que um modelo de negócios (os grandes estúdios que controlavam a cadeia da produção à exibição até os anos 1950) enfraquece, uma nova geração, aquela conhecida como Nova Hollywood (Scorsese, Coppola, Ashby, Polanski etc) entra por um buraco que é aproveitado por outros filmes.

Claro que não coloco Perseguidor Implacável no mesmo nível de um Táxi Driver, não é isso, mas sim apontar, sem saudosismo, mas com observação crítica, que aquele momento do cinema norte-americano permitiu o surgimento de filmes que talvez não existiriam antes.

Hoje, certamente não existem. Qual é a chance de, com os orçamentos monstruosos, verbas absurdas de publicidade e estúdios controlados por business men, surgirem filmes como Perseguidor Implacável dentro da produção de uma indústria? Qual é a chance de num filme policial com várias sequências de aventura e perseguição de ter a quantidade de planos maravilhosos do longa de Don Siegel – especialmente os com zoom ou a cena do Kezar Stadium – ou até mesmo o pessimismo da sequência final?

As chances são poucas.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Gato de Botas - Crítica

É tolice procurar por qualquer traço de autoria em Gato de Botas, um filme cuja perfeição técnica e esterilidade narrativa o colocam como um típico produto de fábrica. O spin-off da franquia Shrek, que estreia nesta sexta-feira (9/12) e é inspirado numa fábula francesa do Século 17, tem intenções muito claras.

Sabemos que produzir hoje em Hollywood significa colocar milhões em propaganda, aproveitar o potencial que mercados emergentes (como o Brasil) representam especialmente para o consumo de 3D e recuperar dinheiro com licenciamento da marca.

Numa engenhoca financeira dessas, o filme de indústria, aquele que está comprometido em cobrir o orçamento e dar lucro, toma cada vez menos riscos. Tudo é dado mastigadinho para o espectador não perder nada da trama entre uma saída ao banheiro ou para comprar pipoca, uma twittada no celular...

Gato de Botas começa tratando o espectador como alguém com minúscula idade mental. Já de cara duas cenas repletas de diálogos para contar o porquê de o galanteador herói felino ter se tornado um forasteiro que busca recuperar sua honra. Fala-se, e muito. Depois de tanto parlar, ação, aventura, movimento, rapidez.

Quando o filme engata – o que acontece dado o carisma de um gato de sotaque paraguaio, destemido e honrado –, puxa-se novamente o freio de mão. Um flashback irritantemente óbvio vem novamente (re) explicar o que se passou. Por que não diluir a revelação do passado do Gato? Por que não deixar o espectador descobrir aos poucos a desconfiança dele com Humpty, seu amigo duas caras?



Parque de diversões

Num filme visualmente deslumbrante como Gato de Botas, é uma pena que não haja espaço para descobertas, dúvidas, incertezas. É como uma ida ao parque de diversões, em que o consumidor senta-se na cadeira e a parafernália remexe, vira, rebola, chacoalha, mas devolve o consumidor são e salvo no final, no chão.

No meio do caminho, o máximo que ele tem de fazer é berrar: esse é o entretenimento. E é assim que um filme como Gato de Botas espera que seu público se comporte: como uma ida ao parque de diversões, em que se senta e a bugiganga à sua frente faz todo o trabalho.

Nisso, o filme novo da DreamWorks Annimation SKG é igualzinho à produção anterior, Kung Fu Panda 2. Basta reparar nas situações comuns aos dois roteiros: uma uma sequência de dança, duas ou mais longas sequências de perseguição, tiradas cômicas, heroína que abandona o filme para deixar o herói reinar, mas volta num momento crucial e salva sua pele, uma jornada moralista etc.

A semelhança não é por falta de criatividade dos roteiristas e produtores de Gato de Botas, mas sim da escolha deliberada em oferecer um produto igual aos outros. Oferecer uma paralisante segurança ao espectador: ele vai ao cinema e já sabe o que irá encontrar, sem risco algum de ser desafiado durante o filme.

Reflexo desse momento conservador da indústria: investe-se apenas no que já tem potencial de dar certo financeiramente (já que Gato de Botas herda de bandeja os fãs da franquia Shrek). E na feitura do filme, não se toma risco algum.

Mas onde fica o prazer em descobrir aos poucos o filme que se vê? Uma animação como Gato de Botas não deixa o menor espaço para ser descoberta, pois tudo é dado de bandeja.

Por isso que, da safra recente, destacam-se tanto Como Treinar Seu Dragão e Toy Story 3: são animações que não tratam seu público como incapacitado em se aventurar. O curioso é que Dragão também é produção da DreamWorks e não deixa de trabalhar em cima de arquétipos há muito estabelecidos (o peixe fora d'água).

Talvez a grande diferença entre ambas as produções é que naquela há uma encenação que prioriza o humanismo dos personagens – seja ele um garoto ou um dragão. Em Gato de Botas, porém, dá-se vazão a um moralismo raso.

Ficha técnica

Gato de Botas (Puss in Boots), 2011
Avaliação: 2,5 de 5
Direção: Chris Miller
Estúdio: DreamWorks Annimation SKG

domingo, 4 de dezembro de 2011

Sócrates (1954-2011)


Sem Sócrates, que morreu na madrugada deste domingo (4/12), o mundo fica mais boçal.

Como ex-jogador, uma rara voz que valia realmente a pena ouvir.

Como jogador, uma sintonia perfeita com o que há de lúdico no futebol.

Ver Sócrates falando ou jogando era ter a esperança de que acreditar na beleza, não na burocracia, valeria a pena.

Qualquer artesão do cinema, se tivesse sua narrativa transformada em futebol, seria assim:



Ou assim, como no primeiro gol contra a Itália na Copa de 82: