Os desenhos de Caverna dos Sonhos Esquecidos |
Duas experiências marcantes nesta semana próxima de acabar. Ambas são revisões.
A primeira de Caverna dos Sonhos Esquecidos, de Werner Herzog, que havia visto na Mostra de Cinema de São Paulo em 2011. O filme continua intacto na memória. Logo no comecinho, em que a câmera flutua por um terreno próximo à tal caverna, antes de Herzog começar a narrar o filme com aquele vozerão, o coração bateu muito forte. Fazia tempo que não sentia isso num filme: coração batendo acelerado.
Seguem-se imagens cada vez mais bonitas, até mesmo no improviso da filmagem – uma equipe de quatro pessoas mais os pesquisadores responsáveis pelo mapeamento da caverna, num espaço limitado para locomoção.
No ato final, em que Herzog volta à Caverna Chauvet depois de já nos tê-la apresentado, há o delírio. Sequências dos desenhos feitos pelo homem pré-histórico que datam de mais de 35 mil anos atrás. Representações de animais – cavalos, rinocerontes, ursos – e de uma mulher.
Nessa passagem de Caverna dos Sonhos Esquecidos quase conseguimos tocar as paredes, apesar da distância espacial, e o tempo, a despeito dos milhares de anos que separam a nossa pós-modernidade daquelas imagens.
Não é pouco esse impacto que o filme de Herzog causa. Não é pouco voltar 35 mil anos e tentar responder: por que fazemos arte? Por que temos a necessidade de representar?
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Se o circuito comercial, com algumas exceções, como o CineSesc, que exibe o longa de Herzog, lançamento da novata Zeta Filmes, continua a decepcionar, existem as mostras. Não as faltam em São Paulo. É um luxo a cidade ter, simultaneamente, retrospectivas amplas da obra de Jonas Mekas e Carlos Reichenbach.
Carlão está na Cinemateca, em lindas cópias em película. Mekas no CCBB e Cinusp – vale tolerar as cadeiras desconfortáveis.
Rever Carlão em tela grande é perceber, com muita clareza, como a noção de “filme de cinema” é forte. Talvez não haja na cinematografia brasileira um diretor que conseguiu tão bem aliar uma rara erudição além-cinema com um tipo de humor baseado em diálogos faceiros, tiradas dos personagens. Ver seus filmes é ficar no pêndulo ora da grande cultura, ora da cultura do mundo.
Amor, Palavra Prostituta cresceu demais na revisão. Encanta um filme que vai das cenas de trepada, close em vagina, pênis, mulheres com biquínis minúsculos na piscina para personagens altamente perturbados, com crises existenciais profundas, ciente da sua ausência de lugar num mundo voltado para a produtividade plena.
Ontem revi Alma Corsária. Que filme monstruoso, estupendo. Os personagens que dançam para colorir seu entorno, a aparição da morte para Torres, a amizade do pobretão com o burguês, o embaralhamento dos tempos passados e do presente, o fisiculturista que se movimenta ao sol de Claire de Lune do Debussy, Jorge Fernando como o marido trouxa...
Assistir novamente ao filme agora, quase oito meses após a morte do Carlão, dá uma sensação estranha: de que o personagem do Torres lembra demais o próprio Carlão. Ou seja, já não há mais ele por aí. Restam, felizmente, seus filmes.
O Inácio estava certo. “O mundo insistirá em continuar sem Carlão. Nosso cinema ainda não sabe direito o que perdeu, inclusive porque não conhece direito o seu trabalho. Acha que ele era um bom sujeito. Era, mas isso era uma parte só. É o primeiro ano em que entraremos sem Carlão, sem poder conversar, divergir, aprender com ele.”
Pasteleiro chinês, John Doo, fisiculturista e Debussy |
Em tempo: Alma Corsária foi eleito, numa lista com 51 votantes, o 2º melhor filme brasileiro dos últimos vinte anos. Veja aqui o Top 20 e clique aqui para o texto de Sérgio Alpendre sobre o filme.
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