segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Django Livre, um western-blaxploitation-spaghetti

Jamie Foxx e sua vingança em Django Livre

Li que Spike Lee manifestou-se por Twitter a respeito de Django Livre, ainda que não tenha visto e, diz ele, não pretenda ver o filme de Quentin Tarantino. Diz o realizador de Faça a Coisa Certa: “A escravidão nos Estados Unidos não foi um western spaghetti de Sergio Leone. Foi um holocausto. Meus ancestrais são escravos. Roubados da África. Os honrarei”.

Discordo. Vejo em Django Livre um Tarantino filmando um faroeste com o espírito do blaxploitation, cinema de gênero que ofereceu nos anos 1970, especialmente a uma plateia jovem, heróis negros em filmes de ação que não pedem licença para existir, usando a força para inverter a equação da subserviência.

A posição de Lee a respeito do filme que, como nos lembra o título, traz um personagem que se torna livre, está alinhada ao pensamento da National Association for the Advancement of Colored People. A NAACP faz historicamente um tensionamento necessário pela via institucional (especialmente educacional e jurídica até os anos 1960). Foi ela que, quando o costume social era abertamente discriminar e humilhar os negros, problematizou a existência, em 1915, de um filme como O Nascimento de Uma Nação – saga minuciosamente narrada no ótimo livro D.W. Grifith's The Birth of a Nation: A History of the Most Controversial Motion Picture of All Time.

A colocação de Lee tenta apontar um vício de princípio no filme, mas que na verdade pertence a ele: de que um tema da maior importância e ainda sensível como a escravidão só pode ser abordado em filmes de natureza nobre, de grandes propósitos – os dramas. É essa mentalidade que legitima coisas medianas como A Cor Púrpura ou Histórias Cruzadas só pelo tema, já que como cinema pouco se seguram. Impressionante como a discussão que marcou a recepção a muitos dos filmes blaxploitation ainda persiste em 2013.



Sobre Django Livre e seu posicionamento sobre a escravidão, espero que não sejamos levianos em fechar os olhos e deixar de ver que se trata de um filme anti-escravagista, em que o personagem de Jamie Foxx sai de sua condição de subjugado para não só derrotar os inimigos, mas matar a todos.

Porém, há também o raciocínio inverso, tão autômato quanto o de Spike Lee, que não raro parte para a ojeriza a Lee e uma desligitmação sem pestanejar de seus questionamentos “só porque veio da boca de Spike Lee”. Além de preguiçoso, tal raciocínio traz embutido um certo rancor com quem toma posturas radicais, sejam elas de quaisquer ordem. Um prazer maquiado em marretar “esse cara que sempre diz besteira”. Tal como a colocação de Lee sobre Django Livre é simplista – do tipo escravidão “não pode cair nas mãos do cinema de gênero” –, o rancor anti-Spike Lee também é apressado, o caminho mais fácil para não avançar em discussão alguma.

Tirando essa pataguada toda sobre Spike Lee e Tarantino, resta o filme que, a propósito, traz pouco de novidade dentro da própria carreira do Tarantino. Apesar de ser a primeira vez em que ele abertamente mete a mão num faroeste, o filme é mais do mesmo: um tecido moldado num tear de tradição cinematográfica. Estão à disposição um leque de referências (sendo as mais explícitas a Sergio Leone, Enio Morricone e Franco Nero), diálogos ágeis, crueldade pela via cômica, a plástica da violência etc.

O que prende Django Livre é a previsibilidade. Se no primeiro plano vemos Jamie Foxx acorrentado e já na primeira sequência descobrimos que ele se chama Django e é um escravo, basta apenas aguardar quando e como se tornará livre. O caminho até lá tem boas passagens, mas o filme confia demais no humor de Christoph Waltz, inferior a Bastardos Inglórios, em sua primeira parte. Vemos o processo de empoderamento de Django e descobrimos sua real motivação para chegar à fazenda de Monsieur Candy. Damos risada com as pequenas subevrsões e uma bem-vinda falta de vergonha de Tarantino como, por exemplo, na imbecilidade dos membros da Ku Klux Klan ao vestir suas horrendas máscaras brancas.

No geral, porém, fiquei com a sensação de caminhada morosa, especialmente no miolo e o desfecho à sequência engolida por Leonardo DiCaprio. Esse é o risco de fazer um filme que aposta muitas fichas na catarse: preencher as sequências restantes com intensidade tal a desfarçar para o espectador que se está aguardando apenas a parte final do filme. Django Livre não consegue disfarçar que só quer chegar mesmo na vingança de Django.

Falando em vingança, ainda me interessa mais o herói dos bons blaxploitation do que o de Tarantino. Isso porque o protagonismo de Django é do tipo consentido, propiciado pelo seu inesperado parceiro e caçador de recompensas Dr. King Schultz. O escravo passa um bom punhado do filme aguardando a hora de tomar o centro e só o faz quando Dr. King sai de cena.

Me interesso mais pelos caras que apimentam a tensão do acesso condicionado (Shaft), dos que para sempre serão fugitivos (Sweet Sweetback's Baadasssss Song), dos que não pedem licença (Super Fly) ou das que se sobrepõem a quem lhes deu passe livre (Cleópatra Jones).

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Um comentário:

jaque disse...

Análise precisa, direto ao ponto, como de costume. Valeu a pena esperar por uma palavra sua sobre esse filme. É de fato um filme que nos obriga a dialetizar, coisa que não é fácil de se fazer! Parabpens pela perspicácia.