quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Wando e o cinema: Vou Rifar Meu Coração

Wando, ícone do romântico e do brega, em cena do documentário Vou Rifar Meu Coração


Ironia do destino que Wando, o cantor que falou de amor e sexo, tenha morrido do coração. Um infarto o levou.

O Wando que se tornou nacionalmente conhecido e loucamente idolatrado é o cantor e compositor de 1974 para cá, após o lançamento do álbum Moça. Por quase quatro décadas, o mineiro que se fez no Rio de Janeiro manteve-se no seleto grupo dos ases da música brega/romântica.

O que não deixa de ser uma generalização. Como classificar uma canção como Benedito e Julieta, uma das faixas mais criativas do primeiro álbum de Wando, Glória a Deus no Céu e Samba na Terra – um LP eminentemente sambista que traz influências de Martinho da Vila e MPB4.

Mas não vou me alongar com opiniões sobre a carreira de Wando. Prefiro lembrá-los que existe um contraditório e interessante documentário que coloca sob os holofotes a música romântica e a força que ela tem para falar de sentimentos. Trata-se de Vou Rifar Meu Coração, o filme de Ana Rieper que estreou no Festival de Brasília em 2011 e foi exibido na Mostra de Tiradentes em janeiro deste ano.

Debati o filme com a diretora e a produtora Suzana Amado em Tiradentes. Prosa rica.

Vou Rifar Meu Coração é quase um consultório sentimental. Ou seja, o mesmo mote do documentário recente de Eduardo Coutinho, As Canções – o que os distingue é a proposta de encenação. Personagens abrem seus corações e com as músicas de Wando, Amado Batista, Odair José, Agnaldo Timóteo, Nelson Ned, Lindomar Castilho, entre outros, falam de dores e amores.



Este é sem dúvida a grande força do documentário: um filme de sentimentos. Mas ainda permanecem questões em torno da música e de classificações.

No debate, questionei como Vou Rifar Meu Coração coloca um cara mais sofisticado como Odair José no mesmo balaio musical de Amado Batista. A diretora ponderou que não foi a intenção mergulhar nas diferenças musicais entre o que convencionou chamar “cantor romântico/brega”.

Escolha válida a de Ana: documentário tem de ter corte e ela escolheu um. Como admirador de música, porém, senti falta de algo menos en passant.

Agnaldo Timóteo, um dos entrevistados do documentário


Mas a grande contradição de Vou Rifar Meu Coração está na força de uma entrevista e no acordo de outra. A diretora conseguiu extrair de Agnaldo Timóteo – se não me falha a memória, pela primeira vez numa entrevista – um comentário aberto sobre a homossexualidade de suas músicas como Galeria do Amor ou Amor Proibido.

Por outro lado, a entrevista com Lindomar Castilho é controversa. Refrescando a memória: o cantor da música que dá título ao filme levou suas letras sobre ciúme ao limite e matou a ex-mulher enquanto ela se apresentava como cantora num bar. Ficou sete anos preso.

O filme dá a chance do cantor justificar seu ato desesperado – o que é legítimo –, mas sonega do espectador a informação de que aquela conversa velada de Lindomar sobre ciúmes e loucura teve consequências drásticas. Quem não sabe que Lindomar matou a mulher vai pensar que ele está falando genericamente apenas de música.

Na minha leitura, isso leva a uma perigosa naturalização das coisas.

Aguardo a estreia do filme nos cinemas, agendada para abril, para ver como será a reação dos espectadores tanto para o registro de consultória sentimental do documentário quanto o musical e a contradição da entrevista.

Por enquanto, fica o registro para quem sente saudades de Wando: assista a Vou Rifar Meu Coração.

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