quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Livro mostra bastidores de Bonequinha de Luxo e carisma de Audrey Hepburn*


Sam Wasson é bom de prosa. Muito por conta da sua habilidade rítmica como escritor, preservada pelo ótimo trabalho do tradutor da versão brasileira José Rubens Siqueira, Quinta Avenida, 5 da Manhã - Audrey Hepburn, Bonequinha de Luxo e o Surgimento da Mulher Moderna é, por vezes, mais interessante do que seu objeto de estudo, o filme Bonequinha de Luxo.

Wasson recria uma história com certa liberdade de interpretação, o que resulta em menos amarras no estilo da escrita e na estrutura do livro. Recua-se até o início da década de 50, alguns anos antes de Truman Capote escrever a novela que daria origem ao filme, quando Audrey Hepburn ainda era uma jovem atriz que tentava se acostumar com a ideia de que seu grande sonho – tornar-se bailarina – não chegaria nunca.

O livro nos recorda brevemente que nos anos 50, período de gênese do filme que seria lançado em 1961, não existia o “pretinho básico”, a mulher tinha o papel claro de ser a esposa feliz e sem questionamentos, a televisão começava a representar uma forte concorrência ao cinema.

Muitos personagens dos bastidores se cruzam. Todos divertidamente apresentados logo no começo do livro, com uma ironia que esconde o didatismo da escolha. O autor os coloca, logo de cara, como personagens de uma história que foi inventada – sem uso pejorativo no verbo – por Wasson. Honesto no seu jogo, ele já manda uma mensagem para quem irá percorrer as próximas 256 páginas: eu, Wasson, não sou apenas a mediação entre alguém próximo à produção do filme e o leitor, mas também um intérprete.

Para usar o jargão da música, Wasson leu a partitura de uma composição e, em vez de seguir literalmente todas as orientações do compositor e do letrista, resolveu acrescentar um breque aqui, estender uma nota ali, mudar o andamento acolá, pensar num arranjo mais solto. É por isso que suas escolhas como escritor são fundamentais para que Quinta Avenida, 5 da Manhã seja um livro interessante e vibrante.


Mas essa postura de tornar a gênese do filme Bonequinha de Luxo a coisa-mais-interessante-que-você-leu-neste-ano-e-vai-terminar-de-ler-e-sair-contando-pros-amigos-como-o-livro-é-legal (de fato Quinta Avenida, 5 da Manhã provoca mesmo um encantamento durante a leitura) não dá muita margem para que Wasson fuja da sua tese, já explicitada no subtítulo do filme: “O surgimento da mulher moderna”.

O livro dá um peso e tanto ao papel do filme em colocar pela primeira vez uma outra mulher no cinema: a que não é casada, mas mesmo assim transa e não necessariamente por isso precisa se sentir culpada. Wasson, por um lado, tem realmente razão ao dizer que as personagens de Doris Day fugiam da cama como o Diabo foge da cruz, enquanto as de Bette Davis eram sempre condenadas por ser atrevida.

Volta, Meu Amor, assim como Confidências à Meia-Noite e todos os outros filmes com o par Doris Day-Rock Hudson, são comédias sobre sexo sem sexo, histórias de como um sujeito forte, bem americano, luta para conseguir chegar à cama fria de Doris. Ela fica sempre horrorizada, sempre chocada, bufando e xingando para escapar dos braços dele, e nunca, em momento algum, aceita nem mesmo um beijo a menos que haja um acordo legal de matrimônio junto”

Claro que, nos anos 50, os Estados Unidos já ditavam os padrões. Mas nesse capítulo fundamental da passagem para os anos 60, que se trata basicamente da mudança de comportamento mundial, há outras manifestações no cinema tão importantes quanto a mulher que Audrey defende no filme.

Wasson menospreza a importância de Marilyn Monroe, por exemplo, reservando a ela o selo de “gostosa excêntrica”. Espera aí! Antes da finesse de Audrey em seu “pretinho básico”, piteira e gatinho no ombro, tivemos a loira fatal que deixava as coxas aparecerem em O Pecado Mora ao Lado ou beijava com fervor em Nunca Fui Santa, ambos de 1955.



É preciso lembrar também outros cinemas além de Hollywood. Antes da Holly Golightly inventada por Blake Edwards, George Alxelrod, Marty Jurow e Richard Sheperde, respectivamente diretor, roteirista e produtores do filme que deu outra cara à personagem de Capote, ouve outra mulher que não permitiu ao espectador condená-la por seus desejos: Harriet Andersson, cuja imagem é congelada no maravilhoso plano final de Mônica e o Desejo (1952) do sueco Ingmar Bergman.

Ou a própria Brigitte Bardot de E Deus Criou a Mulher (1956), que provocaram desejos escondidos como lembrado por Antoine de Baecque no livro Cinefilia.

OK, Hollywood é veículo de massa, e dizer que algo é ícone americano, num contexto pós-Primeira Guerra Mundial, é automaticamente reconhecer seu alcance mundial. Todavia, existiram manifestações paralelas ou anteriores tão importantes quanto a personagem de Audrey Hepburn. Claro, se Wasson não defendesse que Bonequinha de Luxo foi o responsável pelas mudanças, simplesmente não haveria livro.

*Artigo originalmente publicado na Revista Interlúdio.

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Juliette Binoche, a beleza da meia idade em Kiarostami

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Análise do Oscar: O Artista leva 5 estatuetas e reforça poder de Weinstein

O Artista dominou principais categorias do Oscar


As cinco estatuetas que O Artista ganhou no 84º Oscar em 2012, incluindo Melhor Filme e Direção [veja todos os vencedores], mostram que Harvey Weinstein, o cara que colocou Cidade de Deus sob os holofotes do Oscar, é de novo o rei do pedaço.

Afinal, em tempos de franquias, filmes de super-heróis genéricos e orçamentos astronômicos, não é fácil tornar um filme em preto-e-branco (e mudo) no filme-que-todo-mundo-está-comentando.

Num ano em que os longas favoritos – o de Hazanavicius e o de Scorsese – falaram sobre cinema, os membros preferiram o que ficou mais na superfície. Com isso, A Invenção de Hugo Cabret reinou nas categorias técnicas, mas passou ao largo das mais visadas.

Entre a comédia romântica muda francesa que imita e celebra a Hollywood dos anos 1920 e 30 e o filme para toda a família que fala de memória cinematográfica e preservação de arquivos, ganhou o primeiro. Em todo o caso, fosse a estatueta de Melhor Filme para O Artista ou para A Invenção de Hugo Cabret, este ano foi uma temporada de produções superestimadas.

Mas é melhor nem reclamar por um filme apenas satisfatório ter ganho o Oscar. Se dermos uma olhada quem saiu vencedor nos anos 2000, vamos encontrar Chicago, O Discurso do Rei ou até mesmo Quem Quer Ser Um Milionário?. Ao menos a existência de O Artista me parece mais interessante por dialogar com o cinema e quebrar o ciclo de lixo tecnológico que invadem as salas semanalmente.


A Invenção de Hugo Cabret, outra homenagem ao cinema, levou cinco estatuetas

No meio dos prêmios entregues nas quase três horas de cerimônia, alguns fatos que quebraram a monotonia. Meryl Streep ganhou sua terceira estatueta após 29 anos, desta vez pelo mediano A Dama de Ferro. Teve também um Oscar de Roteiro Original para Woody Allen que, como de praxe, nem apareceu no Kodak Theater. Woody não ganhava um Oscar de Roteiro desde Hanna e suas Irmãs (1987).

Outra estatueta marcante como fato histórico foi a de Atriz Coadjuvante para Octavia Spencer, apenas a oitava ator/atriz negra a ganhar o prêmio da Academia. Mais um para a lista de fatos: Christopher Plummer, ganhador do Oscar de Ator Coadjuvante por Toda Forma de Amor, é o mais velho a levar uma estatueta (82 anos).

A grande gafe da morna cerimônia foi sem dúvida o tradicional vídeo que a Academia faz para homenagear os profissionais que morreram no último ano. Assim como nos anos anteriores, muita gente ficou de fora. O pior em 2012 é que gênios foram esquecidos, especialmente Theo Angelopoulos (A Poeira do Tempo) e Raul Ruiz (Mistérios de Lisboa). Esqueceram-se até de Maria Schneider, a atriz da cena da manteiga em O Último Tango em Paris.

Não se esqueceram, porém, de Whitney Houston ou de Steve Jobs.

A cerimônia teve também um plano no avantajado bumbum de Jennifer Lopez e no não tão dotado de Cameron Diaz, além de as pernas de Angelina Jolie terem ficado de fora por conta de seu ousado vestido. O Oscar fez uma nova tentativa em se tornar mais descontraída – steadicam acompanhando Robert Downey Jr. no palco, o mestre de cerimônias Billy Cristal se misturando na plateia, apresentadores com mais espaço para brincar – e discursos muito, mas muito curtos, felizmente.

A sensação deste Oscar 2012 é que a Academia se parece cada vez mais com os produtores mais velhos dos anos 1960 que, face às mudanças do mundo e do próprio cinema, chutava para todo lado no afã de recuperar público e entender o que o jovem queria ver nas telonas.

A ver no que isso vai dar.

Textos relacionados:
Meia-noite em Paris - Crítica

OSCAR 2012: O Artista é o Melhor Filme; veja todos vencedores

Veja todos os vencedores do Oscar em 2012

O Artista ganhou o Oscar de Melhor Filme na cerimônia realizada na noite deste domingo (26/2). O longa-metragem que homenageia o cinema de Hollwyood dos anos 1920 e 30 foi o campeão de estatuetas da noite (cinco).

A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese, outro favorito da noite, levou também cinco estatuetas, mas concentradas em categorias menos visadas.


Confira todos os vencedores da 84ª cerimônia do Oscar:

Melhor Filme
O Artista

Melhor Diretor
Michel Hazanivicius, de O Artista

Melhor Ator
Jean Dujardim, de O Artista

Melhor Atriz
Meryl Streep, de A Dama de Ferro

Melhor Ator Coadjuvante
Christopher Plummer, de Toda Forma de Amor

Melhor Atriz Coadjuvante
Octavia Spencer, de Histórias Cruzadas

Melhor Filme em Língua Estrangeira
A Separação, de Asghar Farhadi

Melhor Roteiro Original
Woody Allen, Meia-noite em Paris

Melhor Roteiro Adaptado
Alexander Payne, Nat Paxon, Jim Rash, de Os Descendentes

Melhor Animação
Rango, de Gore Verbinski

Melhor Fotografia
Robert Richardson, de A Invenção de Hugo Cabret

Melhor Trilha Sonora
Ludovic Bource, de O Artista

Melhor Música
Bret Mckenzie (Man or Muppets), de Os Muppets

Melhor Montagem
Kirk Baxter e Angus Wall, de Millenium – O Homem que Não Amava as Mulheres

Direção de Arte
Laurence Bennett e Robert Gould de A Invenção de Hugo Cabret

Melhor Documentário
Undefeated, de Daniel Lindsay e T.J. Martin

Melhor Efeitos Visuais
Rob Legato, Josh Williams, Ben Grossman e Alex Henning de A Invenção de Hugo Cabret

Melhor Edição de Som
Philip Stockton e Engene Gearty, de A Invenção de Hugo Cabret

Melhor Mixagem
Tom Fleischman e John Midgley, de A Invenção de Hugo Cabret

Melhor Figurino
Mark Bridges, de O Artista

Melhor Maquiagem
Mark Coulier e J. Roy Helland, de A Dama de Ferro

Melhor Curta-metragem – Ficção
The Shore, de Terry George

Melhor Curta-metragem – Documentário
Saving Face, de Daniel Junge e Sharmeen Obaid Chinoy

Melhor Curta-metragem – Animação
The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore

domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret: breves comentários

Scorsese participando de cena de A Invenção de Hugo Cabret, favorito ao Oscar


A cerimônia de premiação do Oscar acontece na noite deste domingo (26/2). Para mim só existe um grande filme na lista de indicados e este é A Árvore da Vida (já vejo algumas caras emburradas para essa afirmação). Existem filmes bons, e aí entra A Invenção de Hugo Cabret. É uma produção encantadora, sem dúvidas, e apaixonante por articular comentários sobre o próprio cinema. Melhor: esse filme de Scorsese é um parque de diversão cinéfilo. Mas não é um grande filme.




Scorsese é realmente um cara que faz um bem danado ao cinema. Conseguir colocar num filme caríssimo como Hugo os filmes de George Méliès feito no comecinho do século 20 é para poucos.




No afã de criar diálogos entre os filmes, temos dito que tanto Scorsese quanto O Artista são filmes nostálgicos e que falam do cinema. Espera aí, Pedro Bó, pois existe uma diferença crucial. Cinéfilo até o último fio de cabelo e sempre se posicionando na História do Cinema, Scorsese faz um filme sobre cinema, enquanto Hazanavicius fala de Hollywood. A maneira em que Hugo dialoga com outros filmes (como Safety Last!, a cena que Harrol Lloyd se pendura no relógio) é bem mais interessante.




Ambos os filmes flertam com convenções narrativas na esperança de conectar-se com um grande público (O Artista na história de amor, Hugo com a aventura infantil). A diferença (e daí vem o maior encantamento que um deles provoca) é que Hazanavicius abandona a conversa com o cinema para se tornar uma mera comédia romântica em preto e branco, enquanto Scorsese vai e volta, resistindo para instigar o espectador a descobrir o cinema.



Hugo custou US$ 150 milhões, mesma faixa de outros filmes cheio de efeitos visuais como Velozes e Furiosos 5 (US$ 125 milhões), Missão Impossível: Protocolo Fantasma (US$ 145 milhões) e Thor. Ao contrário desses blockbusters, o filme de Scorsese não chegou nem perto de arrecadar nos EUA o valor de seu orçamento. Isso não é surpresa alguma: Hugo é primeiramente um filme sobre um cinema pouco conhecido (o mudo em sua primeiríssima fase). Quem vai buscando uma grande aventura irá se decepcionar – apesar de ela estar lá, no filme, mas não é o que mais encanta.





O uso do 3D não como ferramenta tecnológica, mas sim como elemento narrativo, faz os outros filmes feitos ou convertidos para o formato parecerem brincadeira de criança. Conseguiu ser até melhor do que a viagem sensorial de Werner Herzog em Caverna dos Sonhos Esquecidos.





Na tentativa de dar conta do que é esse filme de Scorsese, existe uma frase especial: “é por vezes desconjuntado, inflado, no limite perigoso da prostituição hollywoodiana, mas sempre apaixonado”. O autor é o crítico Sérgio Alpendre, editor da Revista Interlúdio. João Nunes, crítico do Correio Popular, também coloca uma questão muito interessante: "Estará o espectador atual, repleto de informações tecnológicas interessado em saber como se fazia cinema mudo e, no caso de Méliès, cinema de fantasia no longínquo final de século 19?"

sábado, 25 de fevereiro de 2012

CineSesc recebe mostra do provocador John Waters, papa do Trash

Divine, a drag criada por Harris Glenn Milstead, é a protagonista dos filmes mais radicais de John Waters


Antes de falarmos se os filmes de John Waters são bons ou ruins, é necessário rumar a prosa para algo importante: são um tapa na cara do status quo. Filmes como Pink Flamingos, Cry-Baby e Multiple Maniacs são provocações contra a caretice e o bom-mocismo.

A Mostra John Waters – Papa do Trash, que ocupa parte da programação do CineSesc entre 24 de fevereiro a 1º de março, é uma chance de conhecer um cinema sem bons modos, mas também buscar quais pontos de contato ainda existem entre o pensamento cultural de hoje e as portas abertas pela contracultura, momento mais desavergonhado dos filmes de Waters.

Como nos afeta uma cena em que um homem transa com um mulher por cima de um monte de galinhas? Ou as relações bizarras de família? E os fetiches sexuais?

Mesmo datado, o cinema de John Waters não ficou velho. Ainda me parece necessário um personagem como a Divine, uma musa travesti de formas protuberantes e hábitos que testam a vergonha do espectador.



Vejo uma possibilidade aberta de diálogo entre o choque que uma mulher como Divine provoca e o embaraço dos entrevistadores do programa Roda Viva tentando dar conta da identidade do quadrinista Laerte, que recentemente passou a se vestir de mulher. O fato de Laerte ser pressionado para se posicionar (“você é homem ou mulher?”) indica que uma personagem como Divine continua mais que atual.

A diferença é que o cinema de John Waters vai até o fim e investe pesado no bizarro para fazer chacota especialmente da vida da classe média suburbana.


Com Mamãe é de Morte, o cinema de John Waters investe mais no sarcasmo
 
A primeira parte de sua carreira concentra os clássicos do trash e da provocação sem limite. Nesse momento surgem Mondo Trash (1970), Pink Flamingos (1972) e Problemas Femininos (1974). São os filmes bem baratos e exemplos típicos do “mau gosto”.

Dos anos 1980 em diante, Waters sai do underground, reduz o que há de bizarro em seus filmes, aproxima-se de enredos mais comedidos e transforma a provocação em comentários críticos. Daí são a trinca Hairspray – Éramos Tão Felizes (1988), Cry-Baby (1990) e Mamãe é de Morte (1994), ou até mesmo Clube dos Pervertidos (2004).

A Mostra John Waters – Papa do Trash, que tem curadoria de Mario Abbade, trará os 12 longas-metragens do diretor (ficam de fora o média Eat Your Make up e os curtas Hag in a Black Leather Jacket, Roman Candles e The Diane Linkletter Story). Entrou na programação também a refilmagem Hairspray – Em Busca da Fama, que teve John Travolta no papel vivido por Divine em 1988.

Pena que apenas cinco das 14 sessões serão em película.

Serviço
Mostra John Waters – Papa do Trash
De 24/2 a 1º de março
CineSesc – Rua Augusta, 2075 – Telefone: 3087-0500

Programação da mostra

Sexta-feira (24/2)
19h30 – Mondo Trasho*** (18 anos)
21h30 – Hairspray – Éramos tão felizes*** (16 anos)

Sábado (25/2)

19h30 – Cry Baby* (14 anos)
21h30 – Pink Flamingos*** (18 anos)

Domingo (26/2)

19h30 – Mamãe é de Morte* (14 anos)
21h30 – Cecil Bem Demente* (18 anos)

Segunda-feira (27/2)

19h30 – O Preço da Fama*** (18 anos)
21h30 – Hairspray – Em busca da fama* (Livre)

Terça-feira (28/2)

19h30 – Problemas Femininos*** (18 anos)
21h30 – Desperate Living*** (18 anos)

Quarta-feira (29/2)

19h30 – Multiple Maniacs*** (18 anos)
21h30 – Clube dos Pervertidos* (18 anos)

Quinta-feira (1º de março)

19h30 – Hairspray – Éramos tão felizes*** (16 anos)
21h30 – Polyester* (18 anos)

*Exibição em 35mm
**Exibição em DVD
***Exibição em BetaDigital

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Com Jack Nicholson, clássico do Nova Hollywood reestreia no cinema


Cada Um Vive como Quer foi indicado a quatro Oscar em 1971

Cada Um Vive como Quer, clássico de 1970 produzido no auge da Nova Hollywood e estrelado por Jack Nicholson, reestreia nesta sexta-feira (24/2) no Cine Olido, centro de São Paulo. Os ingressos custam R$ 1.

O tempo e a revisão fazem bem ao filme de Bob Rafelson. Cada Um Vive como Quer (Five Easy Pieces) é tão datado quanto seu contemporâneo Sem Destino (Easy Rider). Falo de ser datado no bom sentido, pois é praticamente irresistível não cair na tentação de buscar pontos de diálogos dos filmes da Nova Hollywood e perceber como eles refletem um certo humor dos Estados Unidos.

Muito comum naquele momento do cinema, em que os estúdios estavam em crise, tentando entender o que a juventude queria ver na telona e como tirar o público de frente da telinha, os personagens que embarcam numa jornada de busca tomam o lugar dos homens cheios de certeza. Saem os grandes eventos, entram os detalhes dos cotidianos. Pessoas normais, gente como a gente, de questões comuns.

Em Cada Um Vive como Quer, Robert (Jack Nicholson), que prefere a alcunha de Bobby, largou para trás sua família aristocrata e de músicos para viver de bicos. Quando o conhecemos, no começo do filme, ele trabalha como peão de obra. Logo descobriremos que, assim como a de seus irmãos, sua trajetória estava moldada para tornar-se um grande pianista.


O encontro com Scorsese e Coppola

Filme de incertezas, cortes secos, personagens comuns, finais abertos, recusa em mastigar a história ao espectador, atuações fortes, a estrada como o espaço dos acontecimentos... Cada Um Vive Como Quer compartilha uma série de características de outras produções da Nova Hollywood, aquela geração que se forma em cinema em meados dos anos 1960 e aproveita esse hiato na indústria para tornarem-se diretores.

Em Coppola, uma jovem mulher recém-casada não aguenta a pressão do cotidiano e entra numa aventura sem rumo definido (Caminhos Mal Traçados). Em Scorsese, uma viúva na casa dos 30 pega a estrada com o filho e tenta bancar o sonho de viver como cantora (Alice Não Mora Mais Aqui). Em Dennis Hopper, dois arquétipos da contracultura viajam de cabo a rabo pelos Estados Unidos (Sem Destino). Em Ashby, um jovem amplia sua perspectiva com o mundo ao conviver com uma septuagenária (Ensina-me a Viver).

De maneira alguma trata-se de cópia. Temos ali refletido um mood de uma nação. Continua sendo um prazer olhar para o conjunto desses filmes e criar leituras entre eles. A descoberta é um tema comum a todos os personagens.

Karen Black (à esquerda), namorada de Nicholson no filme, é um dos destaques

Redescobrir filmes

É muito bem-vinda a reestreia promovida pelo Cine Olido, pois na produção da Nova Hollywood ele se tornou um filme bem menos comentado que seus contemporâneos. Cada Um Vive Como Quer é menor que um Taxi Driver, mas é bem melhor do que a gente costuma lembrar.

Além do dialogo com um momento de um país, ainda encanta neste filme de Bob Rafelson o equilíbrio entre cinismo, humor e melancolia. Há um vazio imenso nos personagens do enredo, encoberto pelas situações cômicas que aparecem pelo caminho (o irmão com o pescoço quebrado, a namorada histérica, as caroneiras que querem se mudar para o Alasca etc).

Outro mérito é ter Jack Nicholson em grande forma – entre 1969 (Sem Destino) e 1980 (O Iluminado), ele emendou uma sequência de grandes filmes e algumas obras-primas. Quando o filme confia na força do personagem, no talento de seu ator e investe no aspecto à deriva daquele momento, surgem uma porção de boas sequências. Entre elas, o piano sendo tocado no meio da estrada em cima de um caminhão, a cena de encerramento, a reunião dos amigos da família de Bobby e por aí vai.


A melhor sequência do filme é a carona para as duas mulheres (um casal?) que decide mudar-se para o Alasca. Por que? “Porque lá é limpo e não tem essa sujeira toda”. São quase dez minutos de diálogos fenomenais e politicamente incorretos. Uma personagem que tem tanto uma porção de Travis Bickle quanto do personagem do marido traído que Martin Scorsese faz em Taxi Driver.

Cada Um Vive Como Quer sobrevive porque é peça importante para entender o quebra-cabeça comportamental e cinematográfico do início dos anos 1970, mas também pelo puro e simples prazer que ele proporciona a quem o assiste – prazer estético, o que não significa dizer que o enredo não seja cheio de desconforto.

Serviço
Reestreia de Cada Um Vive Como Quer (Five Easy Pieces)
Cine Olido – Avenida São João, 473
Ingressos: R$ 1 (inteira) e R$ 0,50 (meia-entrada)

Horários
Sexta-feira (24/02), às 19h30
Sábado (25/02), às 19h30
Domingo (26/02), às 17h30
Terça-feira (28/02), às 19h30
Quarta-feira (29/02), às 19h30
Quinta-feira (01/03), às 19h30

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

China e o cinema 3D

Em vista, um mercado que deve chegar a US$ 5 bilhões em 2015

O The New York Times publicou no domingo (19/2) uma matéria muito interessante sobre como um acordo entre Estados Unidos e China tornou possível burlar a barreira de importação de filmes (20 por ano), criando uma categoria especial.

Nelas, se encaixariam filmes-espetáculo como Missão Impossível: Protocolo Fantasma ou produções que, segundo o texto, não estejam conectadas com a realidade (definição um tanto ampla).

A íntegra para a reportagem está neste link (em inglês).

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Brad Pitt na Revista ESPN: O Homem que Mudou o Jogo

 Na edição deste mês da Revista ESPN, que chegou às bancas no dia 10 e traz na capa a saltadora Maurren Maggi, há uma reportagem deste escriba sobre o O Homem que Mudou o Jogo, filme com Brad Pitt que concorre a seis Oscar. Peço licença para fazer um auto jabá.

Na reportagem, conto um pouco da saga de concretizar um projeto com dificuldades potenciais de circular para fora dos Estados Unidos. Em 2009, quando Steven Soderbergh estava pronto para rodar, a Sony cancelou o filme por discordar, principalmente, das alterações feitas pelo diretor no roteiro.

Especialmente a persistência de Brad Pitt e a nova pegada no roteiro que Aaron Sorkin deu (lembremos: foi ele quem imprimiu um caráter mais universal pan-Facebook ao premiado A Rede Social) fizeram o projeto renascer. Inicialmente um filme que poderia ser apreciado por fãs de baseball, O Homem que Mudou o Jogo tornou-se um longa com maior diálogo.

Para refrescar a memória: a história é baseada no livro Moneyball: The Art of Winning an Unfair Game, publicado há onze anos. A obra de Michael Lewis conta como um time de médio porte, o Oakland Athletics, tornou-se competitivo e bateu de frente ao multimilionário New York Yankees usando análise estatística. Observados de uma forma diferente, os números, que são uma entidade idolatrada pelo baseball, revelaram aspectos desconhecidos do jogo. Iniciou-se ali uma revolução cujos efeitos persistem até hoje.

Para ajudar a traduzir para um leitor leigo as mudanças técnicas, a matéria conta com a simpatia, a atenção e o profundo conhecimento de Jeff Passan, principal colunista de baseball no Yahoo Sports, e de Brad Zellar, jornalista que por muito tempo cobriu os bastidores de outra franquia parecida com a do Oakland, o Minnesota Twins.

Convido, assim, os leitores a dar uma conferida nas bancas na edição deste mês da Revista ESPN. Boa leitura!


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Ninfas Diabólicas: Dario Argento chama John Doo para conversar

Aldine Müller na pele de Úrsula, uma mulher devoradora

Ninfas Diabólicas, exibido na Cinemateca dentro da mostra O Horror no Cinema Brasileiro, é um divertido filme perverso. Mais um filme da Boca do Lixo que merece sair do limbo dos desconsiderados.

John Doo, seu diretor, morreu no dia 2. Pouquíssimas linhas foram dedicadas a ele nos veículos impressos ou na internet. Uma exceção é o dossiê no blog da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, que conta com textos dos críticos Gabriel Carneiro (Revista Zingu) e Laura Cánepa (Medo de Quê? – O Horror no Cinema Brasileiro).

Ninfas Diabólicas (1977) fica entre a compreensão simples do enredo e a sofisticação de filmar. Cegar-se pelo desejo por duas mulheres irresistíveis (Aldine Müller e Patrícia Scalvi) é o pecado de Rodrigo (Sergio Hingst). A palavra “pecado” não está aqui por acaso: é possível até fazer uma leitura bíblica do personagem que viola a o terceiro pecado capital, o da Luxúria, e quando cai em tentação, cai também em perdição.




Há um elemento puramente sexual (desejar duas mulheres lindas), mas há também o alimento ao ego. Como não se sentir o poderoso com duas falsas estudantes pulando no seu carro, te agarrando e se insinuando a todo momento? Não é só pela via do desejo que o filme atua, mas também na ironia ao chamado “bom cidadão” que leva os filhos à escola de manhã e volta para a esposa à noite.

Os comentários irônicos vêm especialmente pela trilha de Rogério Duprat, que ora nos entrega um clima de calmaria (há temas que parecem tirados de Chapeuzinho Vermelho), ora nos coloca numa atmosfera diabólica e maquiavélica.

A câmera libertária de Ozualdo Candeias também dá seus pitacos: esconde e revela, aproxima e distancia, prenuncia ao espectador com a brusca virada de ponta cabeça na estrada que aquelas belezuras devorando o homem de família

Aos poucos, com um diálogo aqui, uma nota da trilha acolá, um movimento de câmera atípico, vamos percebendo que uma simples tarde de sexo e aventura na praia se transformará num jogo de de perversidade – e é pelo seu sexo que as duas mulheres dominam Rodrigo.




Nesses termos, abre-se um diálogo de Ninfas Diabólicas com dois filmes do Deus do Horror, Dário Argento. Na verdade, Doo abordou duas décadas antes o que Argento investiria em Pelts (2005) e Jenifer (2006), que integram a série de TV Masters of Horrors.

A diferença é que nos filmes mais recentes o diretor italiano não dá mais a mínima para os limites da crueldade - Argento diz que não está se rendendo ao mercado. Jenifer é mais sério, Ninfas Diabólicas mais irônico. Nem se fala então de Pelts, em que um personagem amaldiçoado por uma pele de um animal é capaz de fazer tudo para conseguir transar com a mulher que deseja – mas a magia o leva a entrar numa espiral de loucura que só vendo para crer.

Fim do parênteses, volto ao filme de John Doo, chinês nascido Chien Lun Tu e que se mudou para o Brasil ainda criança. Existe nele o “fator peitinho”, convenção obrigatória para o cinema da Boca naquele momento que garantia espectadores num país ainda sob censura. Mas ao lado disso há uma sofisticação de cinema de gênero (horror/fantástico) que não podemos nos negar em notar. É um erro continuarmos ignorando esse filme ou outras produções da Boca.

O crítico de cinema Inácio Araújo é preciso na sua colocação. “Me parece mais do que hora de, finalmente, se partir para compreender esse cinema de imensa diversidade, de altos muito altos e baixos deprimentes, mas que é preciso parar de ver como um desvio. Ele está aí, existe, precisa ser visto e revisto”.

Ninfas Diabólicas é um deles.

A propósito, a mostra Horror no Cinema Brasileiro deve se estender por todo o ano de 2012. Nesta quarta-feira, às 20h30, será exibido O Maníaco do Parque (2002/2009), de Alex Prado. Na quinta, no mesmo horário, é a vez de O Despertar da Besta (1969), de José Mojica Marins, filme que recentemente foi levado para Roterdã na retrospectiva The Mouth of Garbage, que jogou bem-vindas luzes em 19 filmes da Boca, mostrando a diversidade (de pretensões e de qualidade) do cinema que lá se fazia entre os anos 1960 e 80.

Textos relacionados:
Damas do Prazer e as profissionais do sexo

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O Artista - Crítica

O Artista foi indicado a dez categorias do Oscar

É praticamente impossível não notar que a mera existência de O Artista é, por si só, um caso a se estudar, o que seria um exercício quiçá até mais interessante do que o próprio filme. Como um longa rodado em preto e branco, mudo, com roteiro embalado apenas por trilha sonora, filmado numa janela em desuso (1.37:1, o formato de tela quadrado) e repleto de citações a outros filmes se infiltra na indústria, e mais, recebe dez indicações ao Oscar?

Em tempos em que pedir para o espectador contemplar uma imagem tornou-se um ato de resistência dos cineastas – e um exercício dolorido para um espectador educado pela televisão –, como um filme mudo vira o hit da temporada de premiações e consegue chegar até a espectadores que não cultivam a cinefilia com ardor, apresentando-se como o-filme-que-você-precisa-ver-porque-todo-mundo-está-comentando?

Continue lendo a crítica na Revista Interlúdio.

Whitney Houston (1963-2012)

Whitney Houston em cena de O Guarda-Costas, indicado a dois Oscar


Whitney Houston, a cantora que dominou as rádios nos anos 1980 e 90 e viu seu sucesso se estender no cinema com O Guarda-Costas e as canções I Will Always Love You e I Have Nothing, morreu neste sábado (11/2), noite de véspera da cerimônia do Grammy.

A notícia da morte de Whitney foi publicada na agência Associated Press, que traz um breve balanço da carreira da cantora, que faleceu aos 48 anos. A causa ainda é desconhecida, mas tornou-se notório o problema da intérprete com drogas.

Na década de 90, Whitney, então sucesso de vendas de LPs/CDs e presença constante nas rádios, fez três filmes: o desinteressante Falando de Amor (Waiting to Exhale, de 1995, dirigido pelo ator Forest Whitaker), o sonolento romance Um Anjo em Minha Vida (The Preacher's Wife, de 96), e um filme que muitos de nós já assistimos inúmeras vezes na televisão.

O Guarda-Costas, de 1992, que mostra o surgimento do amor de uma cantora pop (personagem obviamente inspirada na própria Whitney) com seu segurança particular, Kevin Costner, o durão que aos poucos vai amolecendo pelo romance.




 

Como qualquer produção esperta, O Guarda-Costas aproveitou o grande talento de Whitney, a voz, seguida de sua segunda habilidade, estar bonita sem fazer esforço algum. Da fórmula saíram as sequências dignas de videoclipe do longa. Filme por demais irregular, mas que ainda assim persiste como memória afetiva de quem está na casa dos 30 anos.

Curiosidade: O Guarda-Costas é dirigido por Mick Jackson, que antes de emplacar a dupla Whitney/Coster fez o bem interessante L.A. Story, divertida comédia em que Steve Martin tenta ganhar o coração de uma jornalista britânica numa jornada cheia de desencontros. Pena que o filme acabou ficando registrado na história como “o primeiro papel de relevância de Sarah Jessica Parker”.

Mas, voltando a O Guarda-Costas: agora com a morte precoce de Whitney Houston, é provável que o filme seja reprisado constantemente na televisão aberta ou que algum canal a cabo programe uma retrospectiva com os filmes com Whitney.

O tempo vai passar, as emoções vão arrefecer e O Guarda-Costas vai voltar ao seu lugar: o de memória afetiva. E nada mais.




Para descontrair, assista ao vídeo do encontro de Whitney com Serge Gainsbourg em 1986. Ela, uma estrela em ascensão. Ele já não era o compositor de antigamente mas figurinha caricata e carimbada na televisão francesa.

Neste vídeo, Gainsbarre diz na lata: "Whitney, eu quero te comer!".

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Debate com crítico Heitor Augusto sobre Brasa Adormecida

Sucesso nos anos 80, Brasa Adormecida caiu em injusto esquecimento nas décadas seguintes


Leitores deste Urso de Lata, peço licença para roubar a atenção de vocês com um auto jabá, que também pode ser interpretado como um convite por quem acompanha o blog.

Neste sábado (11/2), o filme Brasa Adormecida (85/87), de Djalma Limongi Batista, terá uma exibição gratuita no Cineclube do Mube em São Paulo às 15h, seguida de debate. Na discussão estarão o próprio diretor, o crítico de cinema Christian Petermann fazendo a mediação e este escriba fazendo o contraponto crítico.

Refrescando memórias, o Brasa Adormecida (leia sinopse e ficha técnica aqui) é o segundo longa de Limongi, o diretor que deu um papel de protagonista para Edson Celulari logo no comecinho de carreira - em 1980 com Asa Branca - Um Sonho Brasileiro.

Brasa Adormecida tem um diálogo muito interessante de gêneros e diversas passagens que citam ou homenageiam o cinema - não vou explicitá-las para não estragar a surpresa do debate. O filme, que flerta com o musical, faz comentários ácidos sobre a aristocracia. Sem contar a câmera fetichista com os corpos dos então galãs Celular e Paulo Cesar Grande, além da musa Maitê Proença.

Então, é isso! Quem estiver interessado em (re) descobrir um pedaço infelizmente pouco falado do cinema brasileiro na década de 80 está convidado a compartilhar visões e conhecimentos.

Até sábado!

Serviço
Os Esquecidos dos Anos 80 – A Década Ignorada
Exibição e debate de Brasa Adormecida, de Djalma Limongi Batista
Sábado (11/2), às 15h, no Cineclube do MuBE - Museu Brasileiro de Escultura
Av. Europa, 218 - Jardim Europa. São Paulo/SP
Fone: 11-2594-2601
Mais informações: http://mube.art.br/agenda/event/programacao-christian-petermann-o-olho-magico-do-amor/


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Wando e o cinema: Vou Rifar Meu Coração

Wando, ícone do romântico e do brega, em cena do documentário Vou Rifar Meu Coração


Ironia do destino que Wando, o cantor que falou de amor e sexo, tenha morrido do coração. Um infarto o levou.

O Wando que se tornou nacionalmente conhecido e loucamente idolatrado é o cantor e compositor de 1974 para cá, após o lançamento do álbum Moça. Por quase quatro décadas, o mineiro que se fez no Rio de Janeiro manteve-se no seleto grupo dos ases da música brega/romântica.

O que não deixa de ser uma generalização. Como classificar uma canção como Benedito e Julieta, uma das faixas mais criativas do primeiro álbum de Wando, Glória a Deus no Céu e Samba na Terra – um LP eminentemente sambista que traz influências de Martinho da Vila e MPB4.

Mas não vou me alongar com opiniões sobre a carreira de Wando. Prefiro lembrá-los que existe um contraditório e interessante documentário que coloca sob os holofotes a música romântica e a força que ela tem para falar de sentimentos. Trata-se de Vou Rifar Meu Coração, o filme de Ana Rieper que estreou no Festival de Brasília em 2011 e foi exibido na Mostra de Tiradentes em janeiro deste ano.

Debati o filme com a diretora e a produtora Suzana Amado em Tiradentes. Prosa rica.

Vou Rifar Meu Coração é quase um consultório sentimental. Ou seja, o mesmo mote do documentário recente de Eduardo Coutinho, As Canções – o que os distingue é a proposta de encenação. Personagens abrem seus corações e com as músicas de Wando, Amado Batista, Odair José, Agnaldo Timóteo, Nelson Ned, Lindomar Castilho, entre outros, falam de dores e amores.



Este é sem dúvida a grande força do documentário: um filme de sentimentos. Mas ainda permanecem questões em torno da música e de classificações.

No debate, questionei como Vou Rifar Meu Coração coloca um cara mais sofisticado como Odair José no mesmo balaio musical de Amado Batista. A diretora ponderou que não foi a intenção mergulhar nas diferenças musicais entre o que convencionou chamar “cantor romântico/brega”.

Escolha válida a de Ana: documentário tem de ter corte e ela escolheu um. Como admirador de música, porém, senti falta de algo menos en passant.

Agnaldo Timóteo, um dos entrevistados do documentário


Mas a grande contradição de Vou Rifar Meu Coração está na força de uma entrevista e no acordo de outra. A diretora conseguiu extrair de Agnaldo Timóteo – se não me falha a memória, pela primeira vez numa entrevista – um comentário aberto sobre a homossexualidade de suas músicas como Galeria do Amor ou Amor Proibido.

Por outro lado, a entrevista com Lindomar Castilho é controversa. Refrescando a memória: o cantor da música que dá título ao filme levou suas letras sobre ciúme ao limite e matou a ex-mulher enquanto ela se apresentava como cantora num bar. Ficou sete anos preso.

O filme dá a chance do cantor justificar seu ato desesperado – o que é legítimo –, mas sonega do espectador a informação de que aquela conversa velada de Lindomar sobre ciúmes e loucura teve consequências drásticas. Quem não sabe que Lindomar matou a mulher vai pensar que ele está falando genericamente apenas de música.

Na minha leitura, isso leva a uma perigosa naturalização das coisas.

Aguardo a estreia do filme nos cinemas, agendada para abril, para ver como será a reação dos espectadores tanto para o registro de consultória sentimental do documentário quanto o musical e a contradição da entrevista.

Por enquanto, fica o registro para quem sente saudades de Wando: assista a Vou Rifar Meu Coração.

Os Descendentes - Crítica

George Clooney foi indicado ao Oscar de Melhor Ator e já venceu o Globo de Ouro


Estamos numa temporada superestimada dos filmes concorrentes ao Oscar. Os Descendentes chega às vésperas da premiação como um dos favoritos ao lado de O Artista. Dois filmes bons, mas que nem de perto sustentam o status de grande obras ao qual foram elevados desde que começaram as premiações nos Estados Unidos.

Os Descendentes entra naquele que praticamente se tornou um subgênero: o filme independente norte-americano dos anos 2000. Assim como seus pares, tem uma história de aprendizagem dos personagens, carisma, música contagiante, algumas discretas lacunas para o espectador preencher, boas atuações (com destaque para coadjuvantes que crescem ao longo do filme), enredo universal e direção eficiente – mas que não complica muito a vida de quem assiste.

Continue lendo a crítica na Revista Interlúdio.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Histórias Cruzadas - Crítica

Histórias Cruzadas/The Help foi indicado a quatro categorias do Oscar

Histórias Cruzadas mostra que é possível flertar com o feel good movie sem descer a um nível humilhante de manipulação como Um Sonho Possível. Com um elenco feminino afinado e potente, a protagonista Viola Davis merece não só uma estatueta, mas um agradecimento da Academia por engrandecer o trabalho das atrizes.

Seria mais justo com o filme de Tate Taylor afastá-lo do gênero água com açúcar e colocá-lo mais próximo das intenções A Cor Púrpura, épico que Steven Spielberg fez em 1985 para contar a saga de uma família negra no sul dos Estados Unidos.

Continue lendo a crítica no Cineclick.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Limite, de Mário Peixoto: renascimento do olhar cinéfilo

Cópia restaurada de Limite também foi exibida no Auditório Ibirapuera no final de 2011

 Qualquer pessoa que tenha a chance de assistir a Limite no cinema, mesmo numa sala desconfortável como a do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo ou numa cópia deteriorada como a exibida pela necessária Mostra Jairo Ferreira – Cinema de Invenção, é um afortunado.

Limite é a coisa mais impressionante que qualquer um de nós assistiu ou assistirá no cinema brasileiro. Pensar que ele é o que é e foi realizado em 1931 torna-o muito mais do que uma obra-prima – o que já não é pouco, convenhamos –, mas um filme que a cada sessão te deixa boquiaberto e pensando: mas como Mário Peixoto fez isso?!

Essa obra-prima silenciosa que apaixonou Martin Scorsese a ponto de motivá-lo a restaurar o filme dentro da World Cinema Foundation é de uma juventude perturbadora, um filme-acontecimento acossado por um contagiante espírito de risco. Não é apenas uma pedra fundadora, obra fundamental para conhecermos nosso passado cinematográfico, mas também um filme que precisamos rever constantemente para termos nosso olhar sobre o cinema renovado.

Limite é um colírio. É um filme que a cada sessão provoca o renascimento do olhar cinéfilo.




Na sala de cinema, ele toma proporções maiores. A antológica representação da mulher “acorrentada”, imagem que ilustra este post, torna-se ainda mais dramática. As sequências de arrebentação, do mar se chocando com as pedras, é ainda mais dolorida e poética. O encontro de três personagens à deriva no mar, cada um com uma história particular, é algo inesquecível.

A um espectador contemporâneo, Limite provoca uma curiosa sensação de mergulho e afastamento: estar na cena (tomando cena como o jogo que se estabelece entre filme-espectador na sala de cinema) e observar-se de fora.

Estando dentro do filme, o encantamento surge a cada cena, a cada plano. Estando fora, vem a pergunta de como Mário Peixoto chegou àquele resultado com tantas restrições de produção? Por exemplo: quando o personagem masculino berra à procura de uma mulher, a câmera faz um movimento rasante em direção à boca e à orelha do personagem. Tal manejo se parece muito com o uso que o fotógrafo de Terrence Malick faz da steadicam em A Árvore da Vida, manejando constantemente a câmera de encontro aos personagens e, assim, criando fluxo, movimento - que não me xinguem pela comparação os que não gostam do filme de Malick.

Só que Peixoto fez isso em 1931 com aquelas geringonças pesadíssimas! E a câmera no barco? E a câmera na extremidade do trem? E os planos fechados nas mãos do personagem segurando um cigarro?

O que dizer também da narrativa? Não há as chamadas cartelas/intertítulos a explicar para o espectador quais são os diálogos. Tudo se articula no nível da imagem, acompanhada de uma trilha vigorosa, que vai e vem, misturando-se hibridamente e reintroduzindo repetidamente a música-tema.

Ficamos divididos em algo como espectador-historiador. O espectador se alumbra, o historiador questiona “mas como isso foi feito?”.

Voltarei a falar nos próximos dias da Mostra Jairo Ferreira – Cinema de Invenção, razão para que Limite, o único longa-metragem que Mário Peixoto chegou a completar, foi exibido no CCBB-SP. Por hora, fica o registro encantado de rever esse filme no cinema.

Limite não morrerá jamais. Isso é certo.


Em tempo: a amiga Michelle Ferret, já citada desse blog no post "A Crítica Está Morta?", publicou no começo do ano passado um inspirado texto sobre Limite, dando mais atenção à questão do tempo no filme e no raciocínio de Mário Peixoto. A íntegra está neste link.